SEGUNDA LEITURA

Sistema dos Juizados é bom, mas está em crise

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

25 de julho de 2010, 8h25

Coluna Vladimir - SpaccaSpacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">Noticia divulgada pelo jornal O Dia, pela TV em cadeia nacional e pela revista Consultor Jurídico (14/7), relatou que nos Juizados Especiais adjuntos Cíveis e Criminal de Guapimirim e Cível de Inhorim, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, as audiências estavam sendo feitas por servidoras e não pela da juíza Myriam Therezinha Simen Rangel Cury.

No filme, aparecia uma pessoa que perguntava à funcionária sobre a ausência da magistrada e esta fornecia, educadamente, todas as informações. É óbvio que desconhecia o fato de que estava sendo filmada.

Exposta a situação desta forma, gerou perplexidade e revolta. Afinal, é uma inadmissível inversão de posições, ou seja, uma funcionária fazendo as vezes da juíza. A ir mais longe, poder-se-ia cogitar até de uma infração penal (usurpação de função pública, CP art. 328, 3 meses a 2 anos de detenção e multa). Mas é preciso cuidado na avaliação dos fatos. É necessário ajustar as lentes e mirar o todo, não o incidente isoladamente.

Desde logo deixo claro que não conheço a juíza, a servidora, Guapimirim ou Inhorim. Nada sei dos antecedentes ou das peculiaridades desses Juizados. Falarei em tese, utilizando o fato concreto apenas como ponto de partida.

Os Juizados de Pequenas Causas (assim eram chamados) surgiram através de uma iniciativa informal de juízes de Direito de Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Foram formalizados por lei estadual em Mato Grosso do Sul e, finalmente, reconhecidos a nível nacional pela Lei 9.099/95.

Regidos, entre outros, pelos princípios da oralidade, informalidade e da economia processual, constituem uma tentativa de possibilitar o acesso à Justiça aos mais carentes. A conciliação é o seu forte. Busca-se com empenho pacificar o meio social através do acordo. No cível e no crime.

Os resultados são positivos. Seria impossível imaginar a Justiça do Brasil sem os Juizados. Vejamos dois exemplos. Na área criminal, antes de 1995, a cada infração penal correspondia um inquérito e depois uma denúncia. Eram milhares de processos inúteis, a maior parte alcançados pela prescrição. No cível, simplesmente não havia a quem recorrer nas pequenas reclamações (p. ex., aparelho comprado com defeito).

Pois bem, a partir dos Juizados, milhares de acordos foram celebrados e inúmeros conflitos resolvidos com sucesso. E isto para ficar apenas na área estadual, sem falar dos Juizados Especiais Federais, onde as ações previdenciárias são o forte.

Mas, como sempre, nem tudo são flores. Os Juizados, com as facilidades que propiciam (não se pagam custas, por exemplo) começaram a ficar abarrotados de processos. A conscientização da população sobre os seus direitos (fato positivo) e a busca de proteção, resultaram em uma explosão de processos.

Daí ao congestionamento foi um passo. Boa parte das ações penais onde não há acordo acabam prescrevendo. Audiências são marcadas para 2 anos depois. Há falta de conciliadores preparados, de estrutura material e de servidores. Problemas graves, principalmente nos centros mais populosos, acabam levando o sistema ao colapso.

Não faço ideia se foi isto que ocorreu em Guapimirim ou Inhorim. Pode ser, pode não ser. Mas o que vi na TV foi uma servidora falando que estava tentando uma conciliação e que, se não houvesse, haveria o prosseguimento. Ora, o acordo é a base do Juizado e jamais será possível que juízes, pessoalmente, proponham acordos em todos os casos. Quem faz esta tentativa são conciliadores, às vezes recebendo do Estado, às vezes em trabalho voluntário. Se não houver solução prossegue-se com a instrução do processo, aí sim na presença do juiz.

Sem opinar sobre o mérito, observo que, se a servidora tentava a conciliação, o objetivo final estava sendo perseguido. A notícia não informa o que fazia a juíza naquele momento, mas se estivesse tratando de outro processo a busca de acordo pela servidora teria justificativa.

Tal tipo de procedimento não é novidade. Tentam-se soluções informais desde os tempos do Império. Eram as Autoridades Policiais com seus “Termos de bem viver”, os juízes de Paz, os Comissários de Menores e os Promotores (cheguei a atender mais de 60 pessoas carentes em uma só tarde). Não há e nunca haverá juízes para resolverem todos os conflitos.

Bem, a surpresa com a divulgação de tal conduta tem o mérito de chamar a atenção para o fato de que o sistema dos Juizados é bom, mas está em crise. E para solucioná-lo não basta partir de um caso concreto e dar-lhe solução local. É preciso ir além, rever o sistema, discutir suas falhas, tentar aprimorá-lo. Nesta linha algumas sugestões são válidas:

a) Evitar a todo custo a ampliação da competência dos Juizados;

b) Privilegiar no orçamento dos Tribunais os Juizados, dando-lhes estrutura material e humana adequadas;

c) Permitir aos Estados que desenvolvam soluções próprias, com a autonomia federativa de que gozam, porque é absolutamente inviável pretender soluções iguais para regiões absolutamente diferentes;

d) Permitir que se celebrem, mediante requisitos mínimos estabelecidos pelo CNJ, convênios com Universidades para a implantação de Juizados dentro de suas dependências, com a presença permanente de um servidor do Judiciário, possibilitando-se atendimento à população e prática forense aos estudantes;

e) Dar estrutura aos policiais (inclusive do trânsito) para que tenham acesso à pauta de audiências do Juizado Criminal via internet e, no ato da lavratura de um TC, através de mensagem eletrônica, intimem o acusado para estar em Juízo no dia e hora marcados (tal qual as companhias de aviação fazem ao marcar seus vôos);

f) Estabelecer sanções legais aos que ingressam com ações temerárias, valendo-se da isenção de custas (v.g., proibição de ingressar no Juizado por 5 anos);

g) Permitir aos delegados de Polícia que formalizem termos de conciliação, submetendo-os à homologação judicial, com isto evitando o ingresso em Juízo.

Em suma, estas são algumas sugestões para que não se coloquem no descrédito os Juizados Espaciais cíveis e criminais da Justiça dos Estados, que tanto e tão bons serviços já prestaram à população brasileira. Com certeza, outras tantas existem. É colocá-las em prática. Mãos à obra.

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