Ilegitimidade judicial

Consumidor não pode contestar ICMS sobre energia

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18 de agosto de 2010, 10h10

O consumidor não pode demandar na Justiça em relação à cobrança do ICMS sobre demanda contratada de energia elétrica. Embora seja ele quem, no fim das contas, arque com o custo do imposto, isso não o torna parte legítima para contestar a incidência sobre a energia que não é consumida nesse tipo de contrato. O entendimento, mostrado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, revela uma mudança recente de postura, confirmada em acórdão publicado no dia 1º de julho.

Em abril, a 1ª Seção abriu o precendente usado pela 2ª Turma para a mudança de entendimento. Ao julgar recurso relacionado à cobraça da IPI de distribuidora de bebidas, os integrantes da 1ª Seção concluíram que somente o contribuinte de direito, e não o de fato, pode se opor à cobrança de um tributo.

“No caso de energia elétrica, embora o consumidor possa ser considerado contribuinte de fato, jamais o será de direito nas operações internas, pois não promove a circulação do bem”, disse o ministro Herman Benjamin em voto proferido em maio contra uma empresa de engenharia, seguido pela 2ª Turma.

A definição se baseia na Lei Complementar 87/1996, que prevê que o contribuinte de direito do ICMS, nesses casos, é quem fornece a energia. “Nas operações internas, não há como afirmar que o consumidor possa ser contribuinte de direito do ICMS”, afirmou Benjamin. A mesma lei prevê imunidade tributária em operações interestaduais envolvendo energia elétrica.

ICMS por kilowatt
A questão levada aos ministros foi se indústria que compra energia elétrica em operação interestadual tem direito à imunidade do ICMS caso não revenda a energia, nem a use na produção. “Quando o adquirente da energia elétrica na operação interestadual é consumidor final, deverá recolher o ICMS sobre essa aquisição integralmente ao fisco de seu estado”, disse o ministro. No entanto, o imposto não incidirá sobre o total contratado, mas sim o efetivamente utilizado. É o que também afirma a Súmula 391 do STJ: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”.

No caso do seguro-apagão, porém, é o valor integral cobrado pelo uso da energia que compõe a base de cálculo do ICMS. Em 2002, a Lei 10.438 criou uma sobretarifa em relação à energia elétrica fornecida pelo Sistema Interligado Nacional, voltada à prevenção de possíveis apagões. “Incide ICMS sobre essa sobretarifa, da mesma forma que incide sobre a tarifa ordinária de energia elétrica. O tributo estadual, portanto, tem por base de cálculo o preço total cobrado, sem abatimento do encargo”, disse Benjamin. Ele apenas ressalvou novamente que apenas a energia consumida, e não a contratada, entra na conta.

Tudo isso se aplicaria perfeitamente ao caso não fosse por um detalhe. A Roca Engenharia e Concessões Ltda, ré no recurso ajuizado pelo fisco estadual mato-grossense, compra energia elétrica em seu próprio estado, o Mato Grosso, fornecida pelas Centrais Elétricas Matogrossenses S/A. Por isso, sua participação na operação comercial é interna, o que a tira do escopo da imunidade. Se a energia viesse de fora do estado, ela poderia ser considerada contribuinte de direito e não apenas de fato. “Essa é, portanto, a única hipótese em que o adquirente de energia elétrica é contribuinte de direito do ICMS: quando a adquire em operação interestadual e não a destina à comercialização ou à industrialização, ou seja, quando é consumidor final em operação interestadual”, explica o voto.

Já nas operações internas, como é o caso da Roca Engenharia, segundo Herman Benjamin, “não tem cabimento afirmar que o consumidor possa ser contribuinte de direito do ICMS”, disse. “A Fazenda não cogita promover Execuções Fiscais contra o consumidor.”

Jurisprudência em ondas
Em segunda instância, a empresa tinha conseguido a restituição do ICMS pago sobre a parcela de energia não consumida, comprada por demanda. O fisco estadual pretendia cobrar da indústria o imposto sobre a chamada demanda reservada de potência e o encargo de capacidade emergencial, o seguro-apagão. Para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, o fato gerador do ICMS é apenas o consumo real da energia que sai da concessionária, inclusive, sem o encargo extra do seguro-apagão.

Até o último mês de abril, a jurisprudência das duas turmas tributárias do STJ a respeito do consumidor de energia apontava para sua legitimidade ao contestar a cobrança do ICMS sobre a parcela contratada, mas não consumida. É o que mostram os acórdãos nos Recursos Especiais 1.044.042 e 952.834, e no Agravo Regimental do Agravo de Instrumento 933.678. No entanto, um recurso sobre IPI levado a julgamento pelo ministro Luiz Fux sob o rito dos recursos repetitivos mudou a visão dos ministros da 1ª Seção. A decisão no REsp 903.394, publicada em abril, levou o ministro Castro Meira a levantar novamente a discussão sobre o ICMS na Seção. Em maio, a corte assentou o entendimento do recurso repetitivo.

O advogado Marcelo Pupo, do escritório Queiroz e Lautenschläger Advogados, patrocina cerca de 20 ações de restituição do ICMS pago sobre a parcela de energia não consumida e afirma que a mudança de entendimento da 2ª Turma do STJ trará impactos para os consumidores que já pagaram o que não devem. Ele, que defende condomínios de escritórios comerciais, conta que tem ações de restituição de quase R$ 1 milhão.

O receio é que a matéria seja julgada sob o rito da Lei de Recursos Repetitivos, que dá uma só reposta para todos os processos sobre o mesmo tema. Caso isso aconteça, a estratégia será levar o caso para análise do Supremo Tribunal Federal.

REsp 928.875

Clique aqui para ler o acórdão.

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