Millôr reclama direitos de acervo virtual de Veja
25 de novembro de 2009, 8h43
Por meio de seu advogado, Millôr pede indenização de R$ 500 mil para a Editora Abril e para o banco Bradesco. Colaborador da Veja em dois períodos, de 68 a 82 e 2004 a 2009, o jornalista alega que fechou contrato para publicar suas criações nas edições da Veja naqueles períodos. Na primeira fase, a internet ainda era ficção cientifica e o contrato não faz referência a ela. O contrato mais recente, contudo, prevê a publicação do trabalho de Millôr na versão online da revista. Millôr reclama a suposta parte que lhe toca depois que a revista decidiu colocar Veja Acervo Digital com todas as edições da revista à disposição dos internautas gratuitamente e, segundo a ação, com “ampla propaganda do banco Bradesco”.
Para o advogado e professor da Direito GV, Marcel Leonardi, Millôr está juridicamente correto em reivindicar direitos autorais, por entender que trata-se de uma republicação em outro tipo de mídia, não prevista no contrato original. Mas socialmente, a Veja também está certa por disponibilizar informação de interesse público na internet. O caso, a seu ver, não deve ser analisado do ponto de vista do direito à informação. “O direito autoral é sempre interpretado de forma restritiva. Se foi previsto em contrato que a criação só poderia ser reproduzida na revista, não dá para entender que a autorização foi perpétua. É uma nova mídia sendo utilizada”. Segundo Leonardi, as leis do Direito Autoral resguardam toda a criação que é publicada em uma nova mídia.
Ele afirmou se sentir ofendido pela marca ter se apropriado de 40 anos de história da revista por apenas R$ 3 milhões – valor do patrocínio e reclama: “Jamais pensei que eu valesse tão pouco. Mas é apenas natural que o Grupo Bradesco, acostumado ao extraordinário nível cultural e artístico de seu programa na televisão, o Domingão do Faustão, me desconheça”.
Para confirmar seus dizeres, o jornalista incluiu na ação seu extenso currículo desde seu primeiro desenho publicado aos 10 anos de idade, passando por furos jornalísticos, experiências nos anos de chumbo, viagens e cursos de computação. Ele também se autointitula “homem civilizado” que nada tem “contra o sistema bancário moderno”.
Segundos os advogados especializados em imprensa e internet esse processo levanta uma nova discussão sobre contratos, mas no caso específico, o direito de informar não deve ser levado em conta. O que vale é o que foi previsto entre as partes. Discussões contratuais à parte, a polêmica que se cria com este caso é que a Veja está colaborando com a preservação da história. “Imagino que a intenção do cartunista não é inviabilizar o portal, porque suas próprias criações fazem um histórico do Brasil, ele apenas deve estar exigindo seus direitos como criador”, opina Leonardi. De acordo com o advogado, já há contratos mesmo de 10 anos atrás que proíbem ou liberam a reprodução de uma obra a qualquer tipo de mídia “que vier a existir”.
A questão é que a velocidade em que essas novas mídias surgem estão demandando contratos mais detalhados ou até uma lei mais flexível, que abra espaço para o direito à informação. “Hoje, as bibliotecas já mantém um acervo impresso da revista. A diferença está na mídia que está sendo utilizada. Se há o uso de novas mídias, há direitos”. Outra questão, não prevista em leis feitas antes do advento da rede mundial de computadores, é saber se a exposição na internet do acervo digitalizado da revista originalmente feita em papel corresponde a uma nova publicação. Ou se o acervo digital não se assemelha ao acervo físico da revista disponível numa biblioteca tradicional.
A advogada Ana Luísa Rabelo Pereira, do escritório Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados, concorda com Leonardi. “Nesse caso, deve ser levada em conta a discussão entre as partes. O objeto da decisão é a relação civil. Não tem repercussão no direito à informação”, afirma. Ela acredita que se a causa for ganha, novos processos devem surgir, mas cada caso será um caso, visto que a discussão deve partir do contrato que foi fechado.
Segundo Millôr, seu advogado tentou resolver o conflito por meio de um diálogo com o Bradesco, mas não teve sucesso. “Concluímos que a apropriação e a negação a qualquer explicação para isso só era possível porque os mentores do Grupo Bradesco supunham que o cidadão Millôr era um da Silva qualquer — o anonimato assinado”.
Os processos ganhos contra veículos de imprensa também fazem parte de sua trajetória. Em 1967, foram R$ 100 mil contra a revista O Cruzeiro. Processou também a TV Globo por plágio da tradução de The Play Boy of the Western World, peça do início do Século XX, do irlandês John Synge, segundo ele, "quase impossível de traduzir". A Justiça determinou que a emissora se retratasse em horário nobre. Mas Millôr abriu mão da retratação. Segundo ele, não era sua intenção humilhar o empresário Roberto Marinho, mas apenas conquistar seu direito de indenização pelo plágio como conseguiu.
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