Desiguais perante a lei

Interesse em Extradição de Battisti é incomum

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24 de novembro de 2009, 11h43

Teve ampla divulgação a polêmica e acirrada decisão sobre a extradição do cidadão italiano Cesare Battisti, que cometeu crimes de especial gravidade em seu país e acabou fugindo para o Brasil. Aqui foi preso, e declarando ser perseguido político, almejou fosse reconhecida sua condição de refugiado. E de fato, fazendo uma digressão histórica, recordemos que enquanto tramitava o pedido de extradição, Cesare Battisti requereu e o Conare indeferiu o pleito de refúgio, aduzindo a inexistência dos pressupostos para o deferimento do benefício excludente. Contudo, em inédita decisão, o ministro da Justiça reformulou este entendimento e, examinando nuanças do processo originário que Cesare Battisti respondera na Itália, deferiu o refúgio sob a justificativa de que se tratava de perseguição e seus crimes, conquanto gravíssimos, estavam acobertados pela motivação política.

Coube ao Supremo Tribunal Federal, dentro do processo extradicional, examinar a legalidade da decisão administrativa proferida. O relator sorteado do caso, Min. Cezar Peluso, decidira, no que foi acompanhado pela maioria dos ministros — 5 x 4 (Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski e Carlos Brito o acompanharam) —, que cabia e poderia a Suprema Corte examinar a legalidade ou ilegalidade da decisão concessiva do refúgio, sobremaneira porque nos termos do artigo 33 da Lei 9.474/97: “A condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio” .

Examinando e fazendo o necessário controle da legalidade no caso vertente, nosso Pretório máximo decidiu que, apesar da disposição do artigo 31 da Lei Específica — de que a decisão do ministro da Justiça não é passível de recurso —, ela não escapa ao controle jurisdicional, nos moldes do inscrito no artigo 5º, inciso XXXV da nossa Cártula Constitucional.

O que se teria visto, na visão do eminente e futuro presidente da Corte Suprema, ministro Peluso, é que o ministro da Justiça, na decisão concessiva de refúgio, enveredou por seara alheia (quis decidir e firmar que se tratava de crime político), analisando tema relativo à extradição, que é atribuição exclusiva da Excelsa Corte. E em assim agindo e decidindo, contaminou a decisão concessiva de refúgio, tornando-a ineficaz e inválida e, portanto, não impondo a obstrução do andamento da extradição.

É oportuno que fique bem claro que a Excelsa Corte não decidiu sobre o acerto ou desacerto da decisão política tomada pelo Poder Executivo. Ao contrário, reitere-se: apenas examinou a existência de idoneidade da decisão proferida porque a própria norma especifica veda a concessão do refúgio aos crimes hediondos, de terrorismo e equivalentes (artigo 3º, inciso III da Lei 9.474/07). Complemente-se recordando que o insigne Ministro Relator declinou que o poder discricionário da decisão administrativa subordina-se às limitações traçadas na lei específica e a motivação da decisão baseava-se em premissas inidôneas e, portanto, não poderiam persistir porque ocorrera um julgamento justo e imparcial no país de origem e as hipotéticas insinuações descritas para sustentar o pedido de refúgio não poderiam ser mantidas.

A Suprema Corte, então, rejeitou os argumentos da mavórtica defesa do extraditando e deferiu o pedido do governo italiano, fazendo o controle da legalidade necessário[1], fundamentando-a. Saliente-se que assim decidindo, fez prevalecer e ecoar a corretíssima preocupação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres de Brito: “..só queria lembrar que os processos extradicionais se dão num contexto constitucional de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, no combate à criminalidade e impunidade, para que o Brasil não se torne um paraíso de fugitivos, um lócus de tolerância” (voto proferido na Questão de Ordem na Extradição 1.054).

Merecendo igualmente citar a ponderação mencionada por Erik Frederico Gamstrub[2], citando Malcom Shaw: “A prática da extradição permite a um Estado entregar a outro suspeitos ou criminosos condenados que tenham escapado. É baseada em tratados bilaterais e não tem a natureza de obrigação para os Estados no direito consuetudinário… Em geral, ofensas de caráter político são excluídas, mais isto não abrange atividades terroristas”.

Contudo, a decisão meritória principal não foi o último capítulo desta história.

Na sessão em que o ministro Gilmar Mendes pôs um fim na polêmica, votando tecnicamente pelo deferimento da extradição, surgiu dúvida a respeito do condicionamento obrigatório ou não do presidente da República quanto ao que foi decidido pela Suprema Corte. E prevaleceu o entendimento que caberia ao presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, a ulterior palavra, sem que isso fosse imposição obrigatória.

Pondere-se que a efetiva concessão da medida extradicional é da competência exclusiva do presidente da República, pois lhe cabe a manuten­ção de relações com Estados Estrangeiros[3], e o respeito pelos acordos firmados, ficando praticamente obrigado a conceder a extradição, se houver o referendo positivo da Excelsa Corte, sob pena de violação do assumido internacionalmente. Há apenas exceção ao pontuado, podendo o chefe do Executivo agir com certa discricionariedade, quando o pedido venha embasado em simples promessa de reciprocidade, o que não é o caso deste cidadão italiano, porque o Acordo Brasil-Itália é claro e resta vigorante.

Porém, vamos aguardar para ver o que ocorrerá, já que o presidente fez e faz suspense sobre o que decidirá, se vai referendar a decisão da Suprema Casa ou não.

Não seria surpreendente se, uma vez mais, Cesare Battisti, tivesse tratamento especial. Inegável a diferenciação que se fez a esta súdito estrangeiro, e daí o questionamento: todos são realmente iguais perante a lei?

Exemplo desta diferenciação, dentre tantos outros, é o exemplo do coreano Chong Jin Jeon, que não teve a mesma oportunidade de ver suas súplicas, seus reclamos e seu calvário examinados na mesma proporção que o mencionado cidadão italiano.

Reportemos que igualmente reclamou de perseguição[4] e de tortura no Estado Coreano, implorando relevância ao seu temor pelo descumprimento da decisão da Suprema Corte Brasileira pelo governo coreano, comprovando que aquela Nação desrespeitou decisão envolvendo o governo americano. De nada adiantou a reivindicação de Chong. Mesmo tendo sido condenado por crimes que aqui no Brasil seriam classificados como estelionato, o pedido de refúgio foi negado e foi extraditado em tempo recorde, sem qualquer resistência do nosso governo.

Atualmente sofre as mazelas do cárcere e da perseguição porque, passado mais de um ano, o governo da Coreia do Sul não cumpriu as determinações da nossa Suprema Corte de reduzir a reprimenda e descontar os dias de prisão cautelar no Brasil.

Se realmente todos fossem iguais perante a Lei[5], o governo brasileiro teria utilizado o mesmo braço forte, parodiando nosso hino nacional, para ver cumprir e respeitar suas decisões e os acordos firmados.

Não é despiciendo acrescer que Chong possuía e possui vínculos com nossa nação. Imigrou ao Brasil ainda no final da adolescência e aqui exerceu atividade laborativa diversificada, constituindo família, tem mulher e filhas brasileiras que não se conformam com o pouco caso que se viu. Esta ressalva não impede e não impediu sua extradição, entretanto deveria respaldar um maior interesse dos assuntos relativos à sua pessoa.

Todavia, Cesare Batistti, que de santo não tem nem o nome, mesmo não tendo qualquer vinculo com nossa nação, vendo-a apenas como esconderijo para escapar do cárcere, ainda continua a receber tratamento diferenciado.

Esperamos que a nossa Suprema Corte, em reclamação firmada por Chong, novamente dê o exemplo. O pedido está nas mãos do competentíssimo e culto ministro Marco Aurélio. Aguarda-se que eficazmente, como tem mostrado em seus julgamentos, nosso Sodalício máximo venha a determinar o que de direito, colocando um termo final na tirania e desrespeito às suas decisões, exigindo do governo brasileiro tratamento rígido e ao mesmo tempo igualitário e prioritário para todos.


[1] É induvidosa a mencionada exigência de controle, pelo quanto dispõe o artigo 83 da Lei 68215/80 e do artigo 207 do Re­gimento Interno da Suprema Corte Federal: ”Não se concederá extradição sem prévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade e a pro­cedência do pedido, observada a legislação vigente”;

[2] GAMSTRUP, Erik Frederico, Comentários ao Estatuto do Estrangeiro e Opção de Nacionalidade, Coordenador Wladimir Passos de Freitas, Campinas/SP, Millennium Editora, 2006, pag.163;

[3] Artigo 84, inciso VII da Constituição Federal brasileira de 1988;

[4] – no caso, em seu processo de Extradição havia mensagens do Governo Requerente dizendo que sua extradição iria melhorar as relações entre daquele governo e o Brasil; havia inserção de que este cidadão serviria de moeda de troca: .” A urgência da solicitação do governo Coreano se justifica em razão da estreita relação deste assunto com as relações bilaterais entre Brasil e Córeia, sobretudo com investimentos coreanos no setor automobilístico brasileiro “. E por fim, a colocação de que nosso Presidente seria melhor recebido na Córeia acaso o processo tivesse célere andamento.Se isso não é perseguição, o que é?

[5] Artigo 5º, “caput” da Constituição Federal brasileira de 1988 e consagra-se em nossa legislação, possuindo incidên­cia direta a observância à igualdade, que encontra respaldo no caput do inc. XLI do art. 5.º da Constituição Federal e ainda no art. 8º, 2, última parte e art. 24, ambos do Pacto de San José da Costa Rica.

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