Falência carcerária

Estado conta com fugas para abrir vagas, diz juiz

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15 de junho de 2009, 20h24

Além do rodízio de presos, o Judiciário gaúcho tem contado com fugas para abrir espaço nas casas de detenção em regime semiaberto. É o que afirma o juiz Sidinei José Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre. Responsável pela fiscalização dos presídios da região metropolitana da cidade, o juiz passou três horas explicando ao Conselho Nacional de Justiça a situação caótica que enfrenta o sistema penitenciário do estado. Devido à falta de vagas, os juízes das varas criminais decidiram não expedir mais mandados de prisão contra condenados que aguardavam em liberadade o trânsito em julgado dos processos.

Desde que assumiu a função de fiscalizar os presídios da Região Metropolitana, Brzuska vem alertando a sociedade para o grave problema prisional do estado. Em entrevista publicada pelo site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o juiz afirma que, apesar de preocupante, a crise carcerária pode ser solucionada. 

Leia a entrevista.

Como foi a reunião com o Conselho Nacional de Justiça em Brasília? O CNJ pretende interferir nessa questão?
Na reunião, da qual também participou o promotor de Justiça Gilmar Bortolotto, foi feito um minucioso relatório sobre a situação prisional do Rio Grande Sul, ocasião em que foram apontados todos os problemas do sistema penitenciário gaúcho, inclusive os de ordem funcional, que em breve serão tornados públicos. O CNJ não adiantou se pretende ou não interferir nessa questão. A sensação que tive é de que seus integrantes, ao menos os que tive contato pessoal, estão solidários com as iniciativas adotadas pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul.

Como está o andamento das obras prometidas pelo governo estadual para aumentar o número de vagas nos presídios? Elas já estão ocorrendo nas casas carcerárias da Região Metropolitana?
Na Região Metropolitana, não existe nenhuma vaga nova sendo construída no regime fechado. No regime semiaberto, existem dois albergues em fase inicial de construção, com capacidade para 78 presos, cada um. As demais obras em andamento referem-se à recuperação de prédios, cujas vagas foram perdidas por falta de manutenção. Nesse item está incluída uma edificação existente em Montenegro, que estava abandonada há anos e se deteriorou pelo não uso. Depois de reformada, o que está sendo feito depois de muita insistência da VEC, ela será aproveitada como presídio feminino, com capacidade para 76 vagas.

Medidas mais drásticas que o rodízio de presos e a não-expedição de mandados podem ser tomadas em breve caso a situação não melhore?
O rodízio de presos já vem sendo aplicado pelo estado, que conta com as fugas para abrir espaço nas casas de semiaberto, permitindo com isso o ingresso de novos presos que progridem do regime fechado. Foram quase 50 mil fugas nos últimos 10 anos no estado. Nos cinco primeiros meses de 2009, somente na Região Metropolitana, fugiram 1.374 presos. A não-expedição de mandados de prisão afetará, basicamente, réus primários e que não cometeram crimes graves. A medida atenuará levemente o problema da superlotação e evitará a contaminação de tais condenados por criminosos de facções e outros grupos organizados que possuem poder no sistema prisional do RS.

Conte um pouco como é a situação das casas carcerárias gaúchas.
O problema é tão grave e complexo que não comporta descrição em espaço pequeno como o presente. O relatório feito perante o CNJ durou três horas de explanação. Em suma, a ausência do Estado no fundo das casas prisionais abriu espaço para a barbárie, a qual está  voltando para a sociedade na forma de crimes reiterados, alguns de extrema gravidade.

O juiz Luciano Losekann disse em entrevista que na situação atual o crime não encontra limites. O senhor concorda? 
Dezenas de homicídios qualificados foram, recentemente, coordenados do interior de prisões gaúchas. A ordem para a maioria deles partiu da penitenciária mais segura do estado. Hoje, milhares de telefones celulares estão nas mãos de presos gaúchos por todo o estado. Vigora a lei do mais forte. Está certo, portanto, Luciano Losekann em sua assertiva.

Que ações poderiam, a curto prazo, aliviar a situação precária nos presídios?
A superlotação é a causa geradora da maioria dos problemas. Por isso ela deve ser atacada primeiro. O aumento do quadro de servidores, com melhoria na remuneração, também deve ser tido como prioritário.

A partir de sua experiência, que outros problemas a situação carcerária enfrenta, além da superlotação?
Nos presídios do Rio Grande do Sul falta tudo. É comum os presos reclamarem, dizendo que estão sendo tratados piores que bichos. A ausência dos bens mais elementares, como colchões, remédios, material de higiene e até mesmo comida, abre espaço para o fortalecimento das facções. Recentemente, em uma penitenciária aqui da Região Metropolitana, a comida estava sendo servida um dia do início para o fundo da galeria e, noutro, do fundo para o início. Isso estava sendo feito porque, se a alimentação fosse servida sempre no mesmo sentido, os presos do final da galeria ficariam sem comer, pois a quantidade servida era insuficiente. A ausência do Estado força a união dos presos. O resultado que decorre de tais uniões todos nós sabemos.

Sabe-se que há um grande número de fugas de apenados, em especial dos regimes aberto e semiaberto. O que pode ser feito para solucionar esse problema?
Na Região Metropolitana, existe uma casa de semiaberto/aberto — Patronato Lima Drumond — em que o número de fugas é praticamente zero. Raramente existem evasões. Quando há, os foragidos se apresentam espontaneamente. Nessa casa, é respeitada a capacidade de engenharia. Não há superlotação. Existem vários funcionários e todos os presos trabalham. O ócio dos presos foi banido. Como se trata de uma casa de albergado pequena, com apenas 80 detentos, os servidores conhecem todos os presos pelo nome. Os apenados recebem orientação e ajuda para resolverem seus problemas pessoais. A ressocialização deixa de ser uma utopia e passa a ser um fato. Acho que o caminho é por aí.

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