Segurança jurídica

Presidentes do STF deveriam ter mandato mais longo

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

26 de julho de 2009, 13h19

Não, não falo de eventual terceiro mandato do presidente Lula. Essa discussão parece estar encerrada. Falo do mandato do presidente do Supremo Tribunal Federal, que é de apenas dois anos. Essa discussão parece estar começando. Não somente porque o mandato do presidente Gilmar Mendes já vai a mais de meio caminho e as atenções começam a se voltar para o ministro Cezar Peluso, mas porque a sociedade começa a se perguntar se é bom mandato tão curto. Acredito que não.

Argentina, México, Portugal, Itália, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, ninguém tem mandato tão curto. Uns têm presidentes vitalícios. A média é de pelo menos quatro anos. Ninguém com menos de três. Faz sentido.

Imaginem se o país mudasse de presidente da República a cada dois anos. Se uma Vale, um Bradesco ou as Nações Unidas mudassem de comando a cada dois anos. Que nos últimos 50 anos cada instituição ou empresa tivesse tido 28 presidentes, como os teve o Supremo. Mandatos tão curtos aumentam a probabilidade de descontinuidade administrativa e insegurança jurídica. O presidente do Supremo tem poderes maiores e diferentes do que enquanto apenas ministro. Não pode estar apenas centrado nos processos, votos ou acórdãos.

Suas responsabilidades têm sido outras: definir a política de relacionamento com o Congresso e o Executivo, representar o STF diante da sociedade, liderar ou não o processo de modernização do Judiciário, influenciar ou não a tendência jurisprudencial. E por aí vamos. Responsabilidades de maior impacto. É o presidente quem fundamentalmente decide quais processos entram na pauta e se julgam e quais os que não entram e se adiam. Controlar a pauta de julgamento do Supremo é poder imenso. Influencia a mídia, a relação entre os Poderes, as estratégias dos advogados e procuradores, as doutrinas da jurisprudência.

O presidente é também a visibilidade maior do Poder Judiciário perante a nação. Quanto mais positiva a imagem, mais legítimas — muito além de legais — serão as decisões do próprio Supremo. Serão mais compreendidas e aceitas pelas partes e pela nação, sobretudo pela classe política e pelos juízes de instâncias inferiores.

O mito de que qualquer juiz decide apenas com sua consciência é a cada dia mais falso. Se é que verdadeiro o foi alguma vez. Um juiz decide com base na lei e a interpreta com sua consciência atenta às consequências.

Se não apenas às ruas e aos escritórios, pelo menos à Constituição como obra aberta, à imprensa, à tribuna do Congresso, ao índice macroeconômico, ao déficit público, à violência urbana e à televisão. E crescentemente à internet.

Cada novo presidente, é natural, tem prioridades e estilos próprios. Nelson Jobim, político, exerceu intensa negociação entre os Poderes, deu prioridade à reforma do Poder Judiciário, à criação do Conselho Nacional de Justiça, à aprovação da Emenda Constitucional 45.

Ellen Gracie, diplomática, deu prioridade à relação protocolar com os Poderes, à informatização do Judiciário e ao reforço, na figura da mulher, do simbolismo do cargo.

Gilmar Mendes, polemista, ocupa o vácuo congressual e dá prioridade à área penal e a uma intensa e necessária modernização dos tribunais. Nenhum dos três é oriundo da magistratura. Ou de São Paulo. Jobim, gaúcho, da política eleitoral. Ellen, carioca, da advocacia e do Ministério Público. Gilmar, mato-grossense, do Ministério Público e da Advocacia Geral da União. Formações diferentes, personalidades diferentes, gestões diferentes.

O próximo presidente, Cezar Peluso, paulista, tem origem na magistratura. Cauteloso, clássico, distante de partidos, não se pronuncia fora dos autos. Quais suas prioridades? O país não sabe ainda. Sabemos, no entanto, que nos influenciará. E muito.

Fala-se muito de insegurança jurídica fruto de juízes de primeira instância. Mas nada se compara à insegurança jurídica resultante de mandato tão curto e comando tão poderoso. Tensionado entre o efêmero desempenho individual e o acumulativo desempenho institucional.

Mandato maior que dois anos para os próximos presidentes, a começar por Cezar Peluso, é, sem dúvida, garantia de maior segurança jurídica institucional e maior estabilidade para a democracia. Montaigne dizia que a força de toda decisão reside no tempo. A força atual do Supremo ganharia com um presidente com mais tempo.

[Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo deste domingo, 26 de Julho]

Autores

  • é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

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