Excessos do fisco

Cliente não responde em investigação a importador

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22 de julho de 2009, 4h36

Recente noticiário dá-nos conta de que a Receita Federal pretenderia intimar pessoas físicas que adquiriram mercadorias de determinada empresa acusada de promover importações irregulares. Segundo a notícia, o fisco iria fiscalizar se o comprador (pessoa física, consumidor) teria exigido notas fiscais e se estas correspondem ao valor real da mercadoria adquirida.

Com tais notícias, é razoável que um consumidor, tendo adquirido mercadoria importada por empresa acusada de “subfaturamento” em suas operações, preocupe-se com a possibilidade de sofrer alguma sanção ou ser responsabilizado por eventuais tributos que não tenham sido recolhidos pelo comerciante ou importador, ou que o tenham sido a menor.

Segundo o noticiário, autoridades fiscais iriam intimar pessoas que teriam feito compras de certa empresa, exigindo do consumidor a exibição de documentos fiscais e a comprovação de que ele tem recursos para fazer as compras, já que se tratam de mercadorias “de luxo”.

Em nosso entendimento, pessoas físicas não podem ser intimadas para dar explicações sobre tributos devidos por terceiros. No caso das mercadorias mencionadas no noticiário, os tributos incidentes nas importações seriam o Imposto de Importação, o IPI, o ICMS, a Cofins e o PIS.

Em relação ao Imposto de Importação, o artigo 153 da Constituição Federal, em seu inciso I, afirma que compete à União instituir imposto sobre “importação de produtos estrangeiros”. Tal imposto ainda é regulado basicamente, pelo Decreto-lei 37/66.

O artigo 31 do Decreto-lei 37/66 determina que o contribuinte do imposto é o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional, bem como o arrematante de mercadoria (estrangeira) apreendida ou abandonada.

A única hipótese em que a legislação admite que o adquirente da mercadoria responda pelo pagamento do imposto de importação solidariamente com o vendedor é quando a mercadoria seja importada com isenção ou redução do imposto que esteja vinculada à qualidade do importador, conforme Decreto-Lei 37/66, artigos 32 e 26, combinados com o artigo 11.

Essa hipótese somente ocorre quando, por exemplo, a importação é feita por autoridade diplomática (embaixador ou consul) ou partido político, que gozam de imunidade tributária e que, por isso mesmo, só podem vender o bem importado depois de um determinado prazo fixado na lei.

Como o consumidor adquiriu mercadorias numa loja, num estabelecimento comercial, claro está que não o importou nem o adquiriu em leilão, não sendo contribuinte do imposto de importação, e nenhuma responsabilidade possuindo caso o importador tenha, eventualmente, recolhido o imposto a menor.

Já o Imposto sobre Produtos Industrializados é previsto na Constituição Federal no artigo 153, inciso IV, como de competência da União, e é regulado pela Lei 4.502/64 e Decreto 87.981/82.

Na forma do artigo 22 do Decreto 87.981/82, são contribuintes do IPI o importador, o industrial e o equiparado a industrial.

O adquirente de mercadoria importada por outrem, não é, portanto, contribuinte do imposto, nenhuma responsabilidade possuindo caso o importador tenha, eventualmente, recolhido o imposto a menor.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é previsto na Constituição Federal no artigo 155, inciso I, letra “b”, e regulado pela Lei paulista 6.374/89 e demais disposições aplicáveis.

São contribuintes do ICMS, em relação a mercadorias importadas, os importadores (que sejam comerciantes) e os comerciantes e industriais.

O pagamento do ICMS, por ocasião da importação, é feito pelo importador/comerciante, mediante guia especial ou a débito de sua escrita fiscal. Ao revender a mercadoria ao consumidor ou mesmo a outro comerciante (revendedor) o comerciante/importador emite nota fiscal e paga o imposto destacando-no na nota fiscal.

Como o consumidor não adquiriu a mercadoria para comércio, nem é comerciante ou importador, não é contribuinte do ICMS, nenhuma responsabilidade possuindo caso o importador/comerciante tenha, eventualmente, recolhido o imposto a menor.

O Código Tributário Nacional, que é a Lei 5.172 de 25 de outubro de 1966 e continua em pleno vigor, em seus artigos 134 a 138 trata da “responsabilidade de terceiros” e da “responsabilidade por infrações”.

No artigo 134, o Código afirma que existe responsabilidade solidária com relação a tributos tão somente em sete hipóteses:

I) os pais são responsáveis pelos impostos devidos pelos filhos menores;

II) os tutores e curadores, pelos de seus tutelados ou curatelados;

III) os administradores de bens alheios, pelos tributos que estes devam;

IV) os inventariantes, pelos impostos do espólio;

V) o síndico e o comissário pelos impostos da massa falida ou da concordatária;

VI) os tabeliães, escrivães, etc, pelos tributos devidos sobre as escrituras, contratos, etc, que tenham feito; e,finalmente,

VII) os sócios, no caso de liquidação das sociedades de pessoas.

Nenhuma lei transfere a responsabilidade pelo pagamento do tributo devido pelo comerciante/importador ao consumidor/adquirente de mercadoria importada, seja ela qual for.

A Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, em seu artigo 5º, diz:

“Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo.”

Esse dispositivo admite, portanto, que terceiro (pode ser o adquirente) seja responsável, quando praticar algum ato ou omissão que concorra com o não recolhimento do tributo. Ou seja: quando o adquirente esteja “em conluio” com o fornecedor que não pagou o tributo ou que o recolheu a menor.

Também absolutamente ilegal é a exigência, por parte de autoridades fiscais, de que um consumidor, um particular, exiba guias de importação ou notas fiscais relacionadas com mercadorias importadas, adquiridas para seu uso ou consumo.

O fiscal que exige imposto do consumidor comete crime. Diz o parágrafo primeiro do artigo 316 do vigente Código Penal, que regula o chamado crime de “excesso de exação” :

“Se o funcionário exige imposto, taxa ou emolumento que sabe indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:

Pena – detenção de 6(seis) meses a 2(dois) anos ou multa.”

As pessoas físicas estão sujeitas à Declaração do Imposto de Renda anualmente. Nenhum contribuinte pode ser “fiscalizado” em meio a um exercício para prestar contas de uma compra qualquer. Note-se que o artigo 798 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/99), em seu parágrafo 1º, inciso II, determina que a declaração de bens, que faz parte integrante da declaração de ajuste, deve incluir os bens móveis, objetos de arte e objetos de uso pessoal e utensílios, cujo valor de aquisição seja superior a cinco mil reais.

Caso o contribuinte em declarações anteriores tenha omitido algum bem, isso pode ser objeto de retificação no prazo de cinco anos.

Por outro lado, pode ocorrer lançamento de imposto de renda com base nos chamados “sinais exteriores de riqueza” conforme prevê o artigo 846 do Regulamento do Imposto de Renda. A legislação considera sinais exteriores de riqueza a realização de gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte.

Para que haja um lançamento de imposto de renda deve haver acréscimo patrimonial, ou seja, uma evolução positiva no valor dos bens e créditos da pessoa física de um exercício em relação a outro. Durante o exercício, podem ocorrer mutações patrimoniais expressivas, de forma a justificar a aquisição de bens de grande valor sem que isso implique qualquer irregularidade. Por exemplo: vende-se um imóvel e com o produto da venda compra-se um veículo de grande valor.

Ao anunciar que pretende avaliar os dados de clientes de uma determinada empresa, o fisco deixa de observar normas expressas do Código de Ética do Servidor Público Federal, contidas no Decreto 1.171. Uma dessas normas diz: “A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo”.

Ora, ao anunciar que vai fiscalizar os clientes de uma empresa, o agente fazendário pode afugentar a clientela, causando evidente prejuizo à empresa. Claro que pode fiscalizá-los, mas deveria ser respeitado o sigilo recomendado nessas situações.

O ato administrativo deve ser impessoal. A impessoalidade é um dos princípios que norteiam a administração pública, na forma do artigo 37 da Constituição Federal, ao lado da moralidade,eficiência e legalidade. A partir do momento em que o fisco resolve fiscalizar uma empresa e em seguida afirma que vai estender a fiscalização para seus clientes, o comportamento deixou de ser impessoal, posto que os clientes, pessoas físicas, não podem ser responsabilizados por tributos que eventualmente a empresa tenha deixado de recolher.

Já está na hora de se exigir do fisco que sejam observadas com mais rigor as normas do Código de Ética determinado pelo Decreto 1.171.

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