Novos interrogatórios

STF mantém anulação do processo contra Berezovsky

Autor

15 de abril de 2009, 7h54

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal manteve, nesta terça-feira (14/4), a decisão que anulou a Ação Penal contra o empresário russo Boris Berezovsky desde a fase de interrogatórios. O recebimento da denúncia pela Justiça, contudo, fica mantido. O processo corre na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O Ministério Público acusa Berezovsky de lavar dinheiro por meio do MSI, fundo de investimento de origem britânica, que fez um acordo de parceria com o Sport Club Corinthians Paulista.

Em setembro, de ofício, a 2ª Turma concedeu Habeas Corpus para anular a ação contra Berezovsky. O russo, representado pelo advogado Alberto Zacharias Toron, pediu a anulação com o argumento de que não participou do interrogatório dos demais réus na ação. O MP entrou com Embargos de Declaração, que foram rejeitados nesta terça-feira.

Também respondem à ação os iranianos Kia Joorabchian e Nojan Bedroud, o ex-presidente do Corinthians Alberto Dualib, bem como Nesi Curi, Renato Duprat Filho, e Paulo Angioni, dirigentes e funcionários do clube; e Alexandre Verri, advogado que atuou na operação entre o clube e o fundo de investimento.

Com a decisão desta terça, o juiz Fausto Martin De Sancits deve reiniciar o processo respeitando o direito de defesa dos acusados. A defesa deverá ser apresentada por escrito e o interrogatório deve ser o último ato antes da sentença. Desta vez, Berezovsky, que mora na Inglaterra, deve ser previamente intimado para que o seu advogado possa participar do interrogatório dos outros réus. O Habeas Corpus foi estendido aos demais réus, cuja defesa teve negado o direito de fazer perguntas.

Mérito do HC

Em junho de 2008, o relator da ação, ministro Celso de Mello, concedeu HC para a defesa para suspender o andamento do processo até o julgamento do mérito do pedido pela 2ª Turma. Nesta decisão, o ministro repreendeu o juiz Fausto Martin De Sanctis ao dizer que a prática de novos atos processuais não eram justificáveis, como já havia decidido anteriormente. Por conta deste episódio, o juiz está sendo processado pela Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O seu julgamento está marcado para o dia 30 de abril, às 10h.

Em setembro, ao analisarem o mérito do HC, os ministros afastaram os obstáculos da Súmula 691, que impede o STF de analisar pedido de Habeas Corpus contra decisão monocrática de tribunal superior.

A decisão foi tomada após voto do ministro Celso de Mello. Ele lembrou que a Lei 10.792/2003 deu nova redação a diversos artigos do Código de Processo Penal que tratam do interrogatório judicial, sobretudo os de números 185, 186, 188 e 189. Segundo a nova concepção, o interrogatório passou a ser também elemento de defesa do réu. O direito de defesa inclui assim o de participar dos interrogatórios dos demais réus, com pleno direito a seus defensores de não só estarem presentes às audiências, mas também de formular perguntas.

No caso de Berezovsky, segundo o ministro, o direito fica ainda mais patente quando é sabido que as acusações contra ele surgiram de interrogatórios de outros réus, além das escutas telefônicas. Para o juiz De Sanctis, as perguntas dos advogados dos outros réus é um elemento de intimidação do interrogado. Por isso, ele proibiu as perguntas das partes. Apesar disso, o juiz deixou que o Ministério Público Federal fizesse perguntas.

Segundo Celso de Mello, “se impõe assegurar, com fundamento na garantia constitucional do due process (devido processo legal com direito de ampla defesa) a qualquer litisconsorte penal passivo que assim o requeira, o direito de formular perguntas aos co-réus, quando do respectivo interrogatório judicial”.

Ao acompanhar o relator, o ministro Cezar Peluso disse que não existe nada que intimide mais um réu do que ser inquirido pelo Ministério Público, justamente sobre crime de que é acusado.

Leia o acórdão contestado pelo MP

HC 94.016

E M E N T A:

"HABEAS CORPUS" – SÚMULA 691/STF – INAPLICABILIDADE AO CASO – OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AFASTA A RESTRIÇÃO SUMULAR – ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL – IRRELEVÂNCIA – CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS – PLENITUDE DE ACESSO, EM CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA LIBERDADE – NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA – A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS OF LAW" COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL) – O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO "DUE PROCESS" – INTERROGATÓRIO JUDICIAL – NATUREZA JURÍDICA – MEIO DE DEFESA DO ACUSADO – POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS CO-RÉUS, NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM COLIDENTES – PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA – PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (PLENO) – MAGISTÉRIO DA DOUTRINA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO – "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO "EX OFFICIO", COM EXTENSÃO DE SEUS EFEITOS AOS CO-RÉUS. DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR – SÚMULA 691/STF – SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR.

– A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido o afastamento, "hic et nunc", da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie. O SÚDITO ESTRANGEIRO, MESMO AQUELE SEM DOMICÍLIO NO BRASIL, TEM DIREITO A TODAS AS PRERROGATIVAS BÁSICAS QUE LHE ASSEGUREM A PRESERVAÇÃO DO "STATUS LIBERTATIS" E A OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS".

– O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal.

– A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. – Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.

A ESSENCIALIDADE DO POSTULADO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, QUE SE QUALIFICA COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA PRÓPRIA "PERSECUTIO CRIMINIS". – O exame da cláusula referente ao "due process of law" permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis "ex post facto"; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de "participação ativa" nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.

– O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao "due process of law", além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos.

O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU. – Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003 – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. Doutrina. Precedentes.

POSSIBILIDADE JURÍDICA DE UM DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS, INVOCANDO A GARANTIA DO "DUE PROCESS OF LAW", VER ASSEGURADO O SEU DIREITO DE FORMULAR REPERGUNTAS AOS CO-RÉUS, QUANDO DO RESPECTIVO INTERROGATÓRIO JUDICIAL. – Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito – fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) – de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa. Doutrina. Precedente do STF.

Decisão

A Turma, por votação unânime, superando, preliminarmente, a restrição fundada na Súmula 691/STF, concedeu, de ofício, a ordem de habeas corpus, em favor do paciente, nos termos do voto do Relator. E estendeu, de ofício, também por unanimidade, essa mesma ordem de habeas corpus em favor dos demais co-réus, igualmente nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. Alberto Zacharias Toron e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Wagner Gonçalves. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma, 16.09.2008.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!