Supremo esquece Medina e analisa devido processo legal
20 de novembro de 2008, 18h14
Os dois primeiros dias de julgamento do ministro do STJ, Paulo Medina, pelo Supremo Tribunal Federal se transformaram num grande debate sobre o devido processo legal e os direitos fundamentos, nem sempre desprovido de alguma perplexidade.
Antes mesmo de entrar no mérito da causa — Paulo Medina e outros quatro réus são acusados de venda de sentenças judiciais para beneficiar operadores do jogo ilegal no Rio de Janeiro — os ministros debateram regras do processo penal, flexibilização de direitos e garantias fundamentais, validade de provas e imparcialidade do juiz.
O resultado mostrou a tendência da maioria dos ministros da Corte de admitir posições genéricas como a da garantia da ordem pública para justificar a pretensão punitiva do Estado, por exemplo, — condição essa já declarada abstrata demais para ser usada no processo penal.
“Fico até atônito com o que este tribunal está se permitindo construir”, desabafou o ministro Marco Aurélio quando o Pleno, por maioria, admitiu a flexibilização do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do domicílio. Os ministros, seguindo voto do relator Cezar Peluso, decidiram que não há direito de caráter absoluto quando o que está em jogo é outra garantia legal: a da ordem pública. O Plenário decidiu que a colocação de escutas telefônicas durante a madrugada no escritório do advogado Virgílio Medina não desrespeitou a inviolabilidade domiciliar.
O argumento do ministro Cezar Peluso foi de que deve ser admitida a exceção da regra. Não havia outro meio de instalar as escutas telefônicas no escritório de Virgílio Medina que não fosse durante a madrugada. “A intenção da autoridade policial foi garantir a eficácia da medida, daí se legitima sua legalidade”, considerou.
Ficaram vencidos Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que consideraram transgredida a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Marco Aurélio foi quem abriu divergência. Ele alertou para o fato de que o STF tem admitido permitir a presunção da culpa, quando o que a Constituição Federal preceitua é a presunção da inocência.
Em outra preliminar, o Supremo ditou qual deve ser o comportamento do juiz no processo penal. “Juiz não é sócio de promotor e de delegado em investigação. E se age assim está em consórcio com o ilegal. É uma atitude espúria e indevida, que deve ser repudiada”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, enquanto o Pleno analisava se o ministro Cezar Peluso era suspeito para julgar o inquérito contra Paulo Medina.
A questão da suspeição de Peluso foi levantada durante a sustentação oral do advogado de Virgílio Medina (irmão do ministro do STJ). O argumento da defesa do advogado teve como base decisão do ministro no Habeas Corpus 94.641, na 2ª Turma do STF, quando entendeu que o juiz não pode julgar processo se atuou na oitiva de testemunhas e na coleta de provas em procedimento preliminar sobre os mesmos fatos que deram causa à ação. Para o advogado de Virgílio, Peluso não faria um julgamento imparcial por ter presidido e supervisionado o inquérito policial.
Peluso explicou que a imparcialidade do julgador não é atender a todos os pedidos da defesa, como sugeriu o defensor. Seu papel, no começo da investigação, foi o de autorizar ou não os procedimentos solicitados pela Polícia, dentro do que determina a lei. Assim, não haveria impedimento do juiz que preside o inquérito para depois relatar os autos da Ação Penal.
Gilmar Mendes ressaltou que diferente é o caso do juiz que interfere diretamente na instrução do processo, ouvindo testemunhas e coletando provas. “Juiz não é sócio de promotor e de delegado em investigação”, disse o presidente do Supremo. A frase foi repetida, pelo menos, três vezes. “A atitude do juiz que atua em consórcio com promotor ou delegado deve ser repudiada por ser espúria e indevida”, disse o presidente do STF em alto e bom som.
Bisbilhotice sem limite
Em outra preliminar, os ministros discutiram a prorrogação de escutas telefônicas além do prazo legal. Depois de um longo debate, Gilmar Mendes afirmou que o STF deve fixar prazo e regra para que escutas telefônicas sejam prorrogadas de acordo com a complexidade da investigação. A autorização de escuta além dos 30 dias deverá ser exaustivamente fundamentada, com argumentação específica.
Apesar dessa consideração, os ministros negaram a preliminar que levantava a ilicitude das provas apuradas por escutas telefônicas, diante da particularidade do caso. Mais uma vez Marco Aurélio ficou vencido por entender que o Supremo estava ignorando norma legal e preceito Constitucional. Para ele, as provas são ilícitas porque ultrapassaram o prazo de 30 dias previsto na Lei de Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/96). “Não se levantando dados no prazo de 30 dias, o que se passa a ter é uma verdadeira bisbilhotice”, entendeu.
Na preliminar da necessidade da transcrição de escutas telefônicas os ministros, por maioria, decidiram que não há necessidade da escrita completa das 40 mil horas de escutas telefônicas que fazem parte dos autos. A decisão foi nesse sentido por uma questão de otimização. Peluso afirmou que seria necessário um esforço enorme apenas para atender uma formalidade legal. Mas não existe finalidade objetiva para tal conduta.
Ficaram vencidos nesta preliminar os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente Gilmar Mendes, que consideraram absolutamente necessária a transcrição das gravações e sua juntada aos autos, para dar igualdade de condições entre defesa e acusação.
Nesse caso, como no caso do prazo para as escutas legais, ficou patente para os ministros a insuficiência da legislação em vigor para atender a novas demandas criadas pelas novas tecnologias. Ficou claro que diante de lacunas legais, a única saída para o julgador é fazer adaptações, ainda que isso custe avanço sobre direitos básicos e princípios constitucionais.
A última preliminar analisada pelos ministros foi rejeitada por unanimidade. As defesas dos acusados reclamaram que não teriam sido periciados os documentos apreendidos durante o trabalho de investigação. Segundo a defesa, esses laudos poderiam ser usados para fundamentar as defesas. O ministro Cezar Peluso afirmou em seu voto que os documentos não periciados, não foram suporte para denúncia.
Próxima sessão
O Pleno do Supremo Tribunal Federal continua na quarta-feira (26/11) o julgamento do Inquérito 2.424 que poderá resultar em Ação Penal contra o ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina e mais quatro investigados por crimes contra a administração pública. O grupo é suspeito de ter participado de um esquema de venda de decisões judiciais para favorecer o jogo ilegal.
O julgamento do Inquérito começou nesta quarta-feira (19/11), com as sustentações orais dos advogados dos acusados. Prosseguiu nesta quinta com o julgamento das preliminares argüidas pelos advogados de defesa. A sessão se transformou em um debate sobre o devido processo legal e mostrou a necessidade de se adequar a investigação policial à lei, e não a lei à investigação, como tem sendo feito.
INQ 2.424
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