Guarda de menor

Justiça não deve se basear apenas em sistema jurídico

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5 de novembro de 2008, 15h49

A análise de um caso não deve ter como base o sistema jurídico, mas as pessoas envolvidas. Isso porque o Direito é um sistema de adaptação social que só existe em função do homem. Com essa consideração, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, suspendeu a volta de uma criança à Alemanha, país onde nasceu e onde mora seu pai. A mãe é brasileira. Para o desembargador Paulo Roberto de Oliveira Lima, mesmo com a Convenção de Haia, é “possível a recusa da devolução” se ela causar “prejuízo irreparável ao menor”.

A volta da criança foi sentenciada pelo juiz Roberto Wanderley Nogueira, da 1ª Vara Federal de Pernambuco. O juiz entendeu que a questão deveria ser decidida pela Justiça Alemã, de acordo com o princípio do juiz natural e da Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, promulgada pelo Brasil em abril de 2000. A mãe do menor entrou com Agravo de Instrumento. O recurso foi admitido, por dois votos a um, para que a criança fique no Brasil até que o TRF-5 julgue a apelação contra a decisão da primeira instância.

A decisão da 1ª Vara Federal de Pernambuco foi tomada em uma ação cautelar de busca, apreensão e restituição de menor movida pela União, a pedido do governo da Alemanha, com base na Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças.

De acordo com o processo, em junho de 2007, a mãe pernambucana veio para o Brasil em viagem de férias com o filho, autorizada pelo pai. O casal tinha a guarda compartilhada. Como mãe e filho não retornaram à Europa no final do prazo (30 dias), o pai foi para Recife (PE) resolver a situação. A mãe obteve na Justiça estadual de Pernambuco uma antecipação de tutela dando-lhe a guarda provisória da criança. Ela argumentou que o marido alemão era violento com ela e com o filho. A decisão foi cassada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. A segunda instância considerou que a Justiça brasileira não era competente para apreciar pedido de guarda, por se tratar de um cidadão alemão como parte.

Enquanto isso, o pai da criança entrou com um pedido de guarda provisória e exclusiva do menor no Tribunal de Würzburg, que deferiu a solicitação. A Alemanha, por meio da Autoridade Central Estrangeira, enviou à Autoridade Central Federal, no Brasil, pedido de providências no sentido de que fosse o menor repatriado. Isso porque o fato dele não retornar ao país no qual morava, no prazo acordado, configurava seqüestro internacional.

Atendendo ao pedido da Justiça Alemã, a União ajuizou uma ação de busca e apreensão e restituição do menor ao país de origem, conforme previsto na Convenção de Haia. O juiz Roberto Wanderley Nogueira levou em conta os termos da Convenção.

Ele determinou que o menor voltasse à Alemanha porque era lá onde deveria ser decidido o futuro da criança. “O juiz natural para o conhecimento e decisão acerca da guarda do menor, residente da República Federal da Alemanha e ele mesmo de nacionalidade alemã, é o Tribunal de Família da Comarca de Würzburg/Baviera, em que o assunto já tem sido tratado a fim de que se possa compor adequadamente o litígio estabelecido entre seus pais”, reconheceu.

Consultado, o Ministério Público Federal deu seu parecer. Afirmou que a criança deveria ficar no Brasil porque o território germânico “tem um dos mais baixos índices de natalidade do mundo, chegando o assunto a ser uma pauta política de peculiar relevância”. O MPF reconheceu ainda a competência da Justiça Federal para julgar e processar a causa.

A decisão do juiz foi fundamentada no artigo 16 da Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças. Segundo a norma, “depois de terem sido informadas da transferência ou retenção ilícitas de uma criança, as autoridades judiciais ou administrativas para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda sem que fique determinado não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para o retorno da criança ou sem que haja transcorrido um período razoável de tempo sem que seja apresentado pedido de aplicação da presente Convenção.”

O juiz afirmou que o “Tribunal Alemão representa, no caso, os interesses daquele país soberano e que tem sido negligenciado até aqui pela Justiça brasileira. Some-se a isso tudo o fato de que a guarda judicial acerca desse menor foi regulada, ainda que provisoriamente, no favor exclusivo do pai, decisão essa que tampouco tem sido observada pela cooperação judiciária direta a que o Brasil está obrigado a observar por força de norma convencional específica”.

Roberto Wanderley Nogueira criticou, ainda, a postura do Ministério Público de basear seu parecer na taxa de natalidade da Alemanha e de afirmar que o caso tratava-se de “um drama digno de novela, para o Judiciário decidir os capítulos adiante”. Para ele, a “liberdade de tomar decisões no plano do Ordenamento Jurídico interno, de que decorre a independência funcional dos atores de Estado a executá-la segundo as suas respectivas consciências e faculdades, não pode, nesse jaez, ser entendida como absoluta e certamente tem limites”. E ele disse mais: “Esses limites são ordinariamente determinados pelas categorias lógicas da objetividade e da razoabilidade que formam o espectro lingüístico-moral e comunicativo da Ciência Jurídica, enquanto normatividade”.

Direito das pessoas

A mãe do menor recorreu da decisão ao TRF-5. Por dois a um, a sentença foi modificada. Ficou vencido o relator, desembargador federal Frederico Azevedo. Ele explicou que o Código Civil Alemão prevê a guarda compartilhada, como era no caso da família do menor. Assim, para ele, o que aconteceu foi a retenção ilícita da criança por parte da mãe.

Frederico Azevedo disse também que a Convenção de Haia deve ser respeitada. De acordo com ele, o domicílio natural da criança é a Alemanha. A família morava em Baviera. A guarda compartilhada está prevista na legislação alemã. Assim, segundo o desembargador, “o menino é brasileiro, mas a família vivia na Alemanha. E no país sua residência habitual. Por isso o caso deve ser decidido lá”. Azevedo determinou o envio da criança à Alemanha.

O desembargador Paulo Roberto de Oliveira Lima, no entanto, foi o autor do voto vencedor. Ele argumentou que o Direito Internacional não é Direito no próprio sentido, mas um sobre-direito, por não disciplinar as relações entre pessoas, mas o sistema jurídico que as disciplinará.

“Não há direito que não seja um sistema de adaptação social. O direito, pela própria significação, pela própria essência, por definição, é um sistema de princípios de adequação social. O direito só existe em função do homem. Então, mesmo quando se decide Direito internacional, se decide a vida das pessoas, de uma distância maior, com a intermediação do direito nacional ou do direito local. Cada um decide de certa forma, como a própria história”, afirmou Oliveira.

O desembargador afirmou que o juiz natural é o do local onde estabelece a Convenção de Haia. No entanto, houve um julgamento deixado nas mãos do Estado que é o Brasil e que também está dentro da convenção. “A análise não deve ter como base o sistema jurídico, mas as pessoas envolvidas. É possível a recusa da devolução se a devolução cause prejuízo irreparável ao menor. Esse é o caso”, reconheceu.

“A atitude do Judiciário deve ser de analisar, refletir e decidir. Não pode decidir para analisar e refletir. Não vejo como possa atuar, operar na realidade sem ter os elementos todas a minha disposição. E eu não os tenho. Por que não os tenho entendo que isso não é somente uma questão de Estado. Mas uma questão relativa a pessoas”, disse.

Por se tratar de pessoas e não de Estado, Oliveira votou para manter a criança no Brasil até que a apelação seja julgada. Ele entende que a criança já está adaptada no país da mãe. O desembargador federal Vladimir Souza Carvalho acompanhou Oliveira.

Agravo de Instrumento 89.022-PE

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