Dinheiro público

Nova lei considera impenhoráveis recursos do fundo partidário

Autor

  • Simone de Sá Portella

    é procuradora do Município de Campos dos Goytacazes (RJ). Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC e professora de Direito Constitucional.

28 de junho de 2008, 0h00

A Lei 11.694 acrescentou o inciso XI, no artigo 649, do Código de Processo Civil, para considerar como bens absolutamente impenhoráveis, os recursos recebidos pelos partidos políticos do fundo partidário, previsto no parágrafo 3º, do artigo 17, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995. Nesse sentido, a nova redação do Código de Processo Civil:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

(…)

XI — os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político”.

Trata-se de dispositivo auto-aplicável, pois a expressão “nos termos da lei” remete à Lei 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos, e que, no Capítulo II, disciplina o fundo partidário. Este, por sua vez, é uma garantia constitucional, prevista no parágrafo 3º, do artigo 17, da CF, que assim determina: “Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, nos termos da lei”.

A justificativa da lei para estabelecer a impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário foi impedir que, os diretórios nacionais de partidos políticos sejam responsabilizados por atos praticados pelos diretórios estaduais e municipais, tendo em vista várias decisões judiciais que determinaram penhora de recursos do fundo partidário de alguns partidos. Isso porque, nos termos do artigo 41, da Lei 9.096/95, a distribuição dos recursos para o fundo é feita pelo TSE, diretamente aos Diretórios Nacionais dos partidos políticos. De modo que, se um diretório estadual ou municipal contrair uma dívida, e o Poder Judiciário determinar a penhora de bens do fundo partidário, a decisão atingirá todo o partido, e não somente o órgão partidário que praticou o dano.

A publicação da lei veio em boa hora, eis que estamos às vésperas de eleições municipais. Ademais, há de se considerar que os recursos do fundo partidário são públicos. Apesar de se incorporarem ao patrimônio do partido político, que tem personalidade de direito privado, há necessidade de um controle no repasse dessas verbas, bem como na utilização das mesmas. Do contrário, o dinheiro público será jogado fora.

Os recursos do fundo partidário destinam-se exclusivamente às hipóteses contidas no artigo 44, da Lei 9.096/95, que são as seguintes:

“I. manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, este último até o limite máximo de 20% (vinte por cento) do total recebido;

II. propaganda doutrinária e política;

III. alistamento e campanha eleitorais;

IV. criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do total recebido”.

Além disso, há de se ressaltar que, os partidos políticos, apesar da natureza jurídica privada, constituem o instrumento de viabilização da democracia, à medida que, é através deles que é possível alguém ocupar o múnus público de representar a vontade do povo.

É certo que, a inovação legislativa por si só não será capaz de impedir os desvios de verbas do fundo partidário para fins ilícitos. Mas, não se pode desconsiderar sua natureza moralizadora, por garantir a efetiva responsabilidade do órgão devedor, sem possibilidade de repasse do ônus para as esferas superiores.

Outra novidade foi, a inclusão do parágrafo 4º, no artigo 655 A, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei 11.382/2006.

Antes de adentrarmos na inovação legislativa, é importante esclarecer a ratio legis do artigo 655 A. Tal dispositivo legal dispõe sobre a possibilidade de o juiz determinar a penhora online, na hipótese de execução de dinheiro ou de aplicação financeira, obrigando à autoridade do sistema bancário, informar, por meio eletrônico, sobre o ativo financeiro do executado. Além disso, o magistrado pode determinar que, a autoridade bancária proceda à indisponibilidade de bens do executado, até o valor da execução. Isso porque, antes da Lei 11.382/2006, era difícil para o juiz determinar a penhora de dinheiro, por não ter informações sobre a existência de depósitos e aplicações financeiras em nome do executado. Daí a necessidade de inclusão, no CPC, do artigo 655 A, que possui a seguinte redação:

“Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução”.

A Lei 11.694, de 12 de junho de 2008, incluiu o parágrafo 4º, no artigo 655-A, para estabelecer que, a requisição do juiz à autoridade financeira, será unicamente em relação aos recursos financeiros do órgão partidário que tenha contraído a dívida. Isso significa que, se um candidato a vereador, causar danos, em nome do partido político, a responsabilidade civil será do diretório municipal, sem possibilidade de atingir recursos partidários em nível nacional.

Para melhor elucidar a questão, trazemos a transcrição do parágrafo 4º, do artigo 655-A:

“4º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre a existência de ativos tão somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995”.

O artigo 15-A, por sua vez, foi inserido na Lei 9.096/95, pela Lei 11.694/2008, objeto deste estudo. A redação é a seguinte:

“Art. 15-A. A responsabilidade, inclusive civil, cabe exclusivamente ao órgão partidário municipal, estadual ou nacional que tiver dado causa ao não cumprimento da obrigação, à violação de direito, a dano a outrem ou a qualquer ato ilícito, excluída a solidariedade de outros órgãos de direção partidária”.

Assim sendo, a responsabilidade civil de atos ilícitos, e a conseqüente execução judicial, após a condenação, atingirá, doravante, apenas o órgão partidário que deu causa ao dano, sem possibilidade de atingir os órgãos de outras esferas de governo. A inovação legislativa foi importante para ensejar maior responsabilidade dos diretórios estaduais e municipais, sem possibilidade de socorro aos recursos de fundos partidários, de modo a comprometer as finanças do partido político.

A dúvida que poderia ensejar, seria a dificuldade de o credor receber o crédito, devido à falta de recursos de órgãos estaduais e municipais, razão esta que levou juízes a determinar a penhora de recursos do fundo partidário.

Não se desconhece que, um dos princípios da execução civil é o de que a execução se dá no interesse do credor. A tutela judicial efetiva só ocorrerá se o exeqüente receber o seu crédito.

Assim sendo, para conciliar o interesse do credor e o interesse público, na garantia dos recursos do fundo partidário, pensamos que em casos de ausência de recursos do órgão estadual ou municipal, a execução deve se dirigir, em caso de dolo, má fé ou violação de lei, sobre o responsável local pelo diretório do partido, com a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50, do Código Civil.

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