Farra das escutas

OAB condena grampo no telefone de Marco Aurélio

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28 de fevereiro de 2008, 20h38

A OAB reiterou mais uma vez, em nota, o seu temor pelas escutas telefônicas sem autorização judicial. A vítima do grampo desta vez foi o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. O ministro foi grampeado quando visitou o Rio de Janeiro, em novembro de 2005. O fato veio à tona depois que o representante de Relações Institucionais da Oi Fixo (antiga Telemar), Arthur Madureira de Pinho, confirmou à CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas que o ministro foi mesmo grampeado.

À reportagem da revista Consultor Jurídico, Marco Aurélio disse, nesta quinta-feira (28/2), estar “perplexo” e “inconformado” com as afirmações do executivo da Oi Fixo. “A situação é surrealista. Para haver grampo, teria de ter ordem de um juiz. Em relação a ministro do Supremo, a competência para deferir este tipo de autorização é do próprio STF. Será que um colega meu deu uma ordem como essa? A resposta é negativa. Então, foi um grampo clandestino como tantos outros. Se ousam a ponto de grampear o telefone de um ministro do Supremo, o que pode ocorrer com o cidadão comum? Viram as tripas dele ao avesso. Isso só se combate com mudança cultural e aplicação rigorosa da lei. Estou perplexo”, afirmou Marco Aurélio.

Ao comentar a reportagem da ConJur, o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, considerou o episódio um escândalo, “que deixa perplexa a sociedade civil brasileira e precisa de providências urgentes por parte dos Poderes da República. O Estado Policial é absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito. É, portanto, inconstitucional, retrocesso a práticas ditatoriais”, contestou.

Britto ressaltou que escuta sem autorização fere de morte o princípio da liberdade e os direitos que o cidadão tem de privacidade em suas comunicações. Para ele, fere também a prerrogativa do advogado — que é na verdade prerrogativa da cidadania — de sigilo nas suas relações com seus clientes.

“A consciência democrática do país repele esse acontecimento e adverte que não se combate o crime com ilegalidades. Nesse caso, a vitória seria antecipadamente do crime.”

Bois nas linhas

A suspeita de grampo ilegal de ministros do STF foi divulgada pela revista Veja em agosto de 2007. Na ocasião, cinco ministros (Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence — aposentado, Celso de Mello e Cezar Peluso) admitiram publicamente a suspeita de que suas conversas poderiam estar sendo ouvidas por terceiros sem autorização judicial.

A CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas começou o trabalho no mês de dezembro de 2007. A comissão tem 120 dias para apresentar o relatório final, mas acredita-se que esse prazo será prorrogado para que a CPI possa ter acesso às informações relevantes sobre o tema.

Leia nota do presidente da OAB

A revelação, à CPI da Escuta Telefônica, na Câmara dos Deputados, por executivo de empresa de telefonia, de que o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, teve seu telefone grampeado, sem ordem judicial, confirma os temores, reiteradamente manifestados pela OAB, de que o Brasil está mais próximo do que se supõe de um Estado Policial.

Se isso acontece com alguém que ocupa a mais alta corte judiciária do país, que dirá com o cidadão comum?

Trata-se de um escândalo, que deixa perplexa a sociedade civil brasileira e reclama providências urgentes por parte dos Poderes da República. O Estado Policial é absolutamente incompatível com o Estado democrático de Direito. É, portanto, inconstitucional, retrocesso a práticas ditatoriais.

Fere de morte o princípio da liberdade e os direitos que o cidadão tem de privacidade em suas comunicações. Fere também a prerrogativa do advogado — que é na verdade prerrogativa da cidadania — de sigilo nas suas relações com seus clientes.

O grampo telefônico está submetido a um rito legal severo, que tem sido sistematicamente desobedecido, pelas autoridades policiais banalizando-o. A lei o acata apenas em situações particularíssimas, mediante ordem e supervisão judicial.

No caso de um ministro do STF, tal autorização só poderia partir de outro ministro da mesma Corte — e isso não ocorreu. Trata-se, pois, de violência inominável, crime de lesa-democracia.

Mais grave ainda é constatar que tais práticas têm sido recorrentes. Entre elas, o chamado grampo ambiental, colocado em escritórios de advocacia, para captar conversas entre advogados e seus clientes — sigilo que a lei preserva, em caráter irrestrito, como fundamento do Estado democrático de Direito.

A consciência democrática do país repele esse acontecimento e adverte que não se combate o crime com ilegalidades. Nesse caso, a vitória seria antecipadamente do crime.

Cezar Britto

Presidente Nacional da OAB

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