Seguindo a cartilha

Testemunhas de apresentação validam prisão em flagrante

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

2 de dezembro de 2008, 23h00

O Código de Processo Penal assevera que, não havendo testemunhas presenciais, a autoridade policial deverá (grifo nosso) lavrar o auto de prisão em flagrante, utilizando testemunhas de apresentação. Senão vejamos:

“Art. 304 – Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e as testemunhas que o acompanharam e interrogará o acusado sobre a imputação que Ihe é feita, lavrando-se auto, que será por todos assinado.

§ 1º – Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

§ 2º – A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade. (grifo nosso)

§ 3º – Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que Ihe tenham ouvido a leitura na presença do acusado, do condutor e das testemunhas.”

De acordo com a análise de Tales Castelo Branco, a prisão em flagrante é ato estatal de força, classificado como uma modalidade de prisão cautelar de peculiar característica, sob o seguinte raciocínio: “É prisão porque restringe a liberdade humana; é penal porque foi realizada na área penal; é cautelar porque expressa uma precaução, uma cautela do Estado para evitar o perecimento de seus interesses; e é administrativa porque foi lavrada fora da esfera processual, estando, portanto, pelo menos no momento de sua realização, expressando o exercício da atividade administrativa do Estado.”

De fato, deve-se vislumbrar a prisão em flagrante como um procedimento de natureza policial, posto que não resultante de provimento jurisdicional, e que impõe relevante efeito jurídico apesar de seu desenvolvimento na esfera administrativa. Assim, partindo-se da teoria dos atos administrativos, pode-se classificá-lo (o procedimento) como ato complexo quando engloba fases de atuação de distintos órgãos policiais, caracterizado pela convergência na formação da vontade em suas manifestações.

A voz de prisão em flagrante é a primeira etapa do procedimento policial que trará conseqüências na atuação da Justiça Criminal. É marca inicial, portanto, do ciclo da persecução penal, em razão da constatação da prática de infração penal ainda revestida do caráter de flagrância.

Importante observar que a privação da liberdade de locomoção do sujeito passivo — aquele que recebe a voz de prisão — já ocorre desde o momento dessa prisão-captura, ainda antes do seu recolhimento ao cárcere (prisão-custódia), caso existam elementos legais para tanto.

Via de regra o procedimento policial da prisão em flagrante desenvolve-se em dois momentos, ou etapas, conforme indicado: primeiro a constatação da prática de infração penal no estado de flagrante delito, oportunidade em que o responsável pela prisão-captura dá a voz de prisão, para então conduzir o preso, juntamente com as testemunhas e ofendido (logicamente, se pessoa física diversa de si próprio) até a presença da autoridade competente para a autuação, ou seja, para a lavratura do auto de prisão em flagrante.

A etapa da formalização constituirá o segundo momento do procedimento, ocasião em que o presidente do auto confirmará a voz de prisão já proferida. A exceção fica por conta da hipótese prevista no artigo 307 do Código de Processo Penal, em que a própria autoridade que tem competência para autuar presencia, no exercício de suas funções, a prática de infração penal — que pode inclusive ser contra ela praticada —, circunstância que o habilita a dar a voz de prisão e, incontinente, presidir o auto de prisão sem a figura do condutor, em um procedimento caracterizado pela concentração de atos e pela declaração de vontade de apenas um órgão.

Pelo exposto, verifica-se que a prisão-captura e a busca pessoal podem ser legalmente empreendidas por policiais civis ou militares, os quais podem arrolar testemunhas de apresentação, ausentes testemunhas presenciais, especialmente, naqueles casos onde localizar pessoas próximas ao local de residência ou atividade ilícita dos envolvidos — como na hipótese de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes — é um prática assaz difícil, já que as pessoas restam temerosas pela sua integridade física, num futuro próximo.

Diante das circunstâncias ilícitas e conforme determina o Código de Processo Penal, já citado, o auto de prisão em flagrante — segundo momento da prisão em flagrante — deve ser lavrado com testemunhas de apresentação, já que, a lei processual penal resta cristalina ao determinar ao delegado de Polícia a lavratura do mesmo, presentes os requisitos legais para tanto, obviamente.

O delegado de Polícia, ciente da prática delitual perpetrada pelo cidadão, através da notitia criminais, deve averiguar a natureza delitual praticada, como já mencionado. Tratando-se de delito de menor potencial ofensivo, lavra termo circunstanciado de ocorrência e, se delito de natureza diversa, ratifica ou não o auto de prisão em flagrante delito, sendo que, em caso de arbitramento de fiança, deve fazê-lo observando-se as formalidades exigidas pelo Código de Processo Penal.

Assim, o auto de prisão em flagrante delito presidido por autoridade policial competente — delegado de Polícia — deverá sempre obedecer a critérios objetivos e formais para lavratura da prisão do cidadão, sob conseqüência de nulidade ao auto, e ainda, conforme o artigo 564, inciso IV do Código de Processo Penal, conforme leciona o ilustre Dr. Weser Francisco Ferreira Neto, DD. Delegado de Polícia Civil. Senão vejamos:

“A ) existência no mínimo de duas testemunhas presenciais da prática delitual;

B) na falta de testemunhas presenciais da infração não impedirá o APFD, nesse caso, com o condutor presente, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade, art. 304,§ 2º do CPP; (grifo nosso)

C) ausência de assinatura por duas testemunhas, sejam presenciais, ou de apresentação, quando o acusado se recusar a assinar o auto de prisão, não souber ou não puder fazê-lo; artigo 304, parágrafo 3º do CPP

D) ausência de qualificação do conduzido a ser mencionado no interrogatório no APFD e conseqüente ausência de consignar-se da impossibilidade das declarações do mesmo, em face de não estar em condições físicas ou psíquicas de ser prontamente interrogado;

E) ausência da materialidade constatada, como o laudo toxicológico preliminar ou auto de apreensão competente (arma de fogo; “res furtiva” e outros, quando imprescindível a prova objetiva para lavrar-se o APFD);

F) quando no auto não contiver a inquirição e depoimento do condutor ou interrogatório do preso, apresentando condições físicas e psíquicas, e manifestando interesse de permanecer calado, que neste caso deve ser consignado no auto, ou ainda o depoimento das testemunhas do flagrante;

G) quando o interrogatório não se realizar segundo as regras previstas no artigo 6º, inciso V do CPP;

H) quando faltar a assinatura de alguma das pessoas que figurem no auto;

I) quando não for presidido por autoridade competente;

J) quando não for lavrado por escrivão competente, ou, na hipótese do artigo 305 do CPP, a pessoa que for designada para lavrá-lo não prestar compromisso legal;

K) quando as testemunhas ouvidas no auto não prestarem o compromisso a que alude o artigo 203 do CPP;

L) quando o condutor também não prestar o mencionado compromisso, salvo na hipótese de ser ele o ofendido, caso em que, no entanto, é imprescindível a qualificação a que se refere o art.201 do CPP”

Conclui-se, assim, que o delegado de Polícia, municiando-se dos subsídios legais para lavrar-se o auto de prisão em flagrante delito do cidadão, com análise global da notitia criminis, observando-se os aspectos subjetivos da pessoa em conflito com a lei, aspectos objetivos ou formais, deve-se lavrar o auto de prisão em flagrante, observando as circunstâncias intrínsecas e extrínsecas dos boletins de ocorrências, para evitar qualquer irregularidade do APFD, visando a manutenção da prisão em flagrante em conformidade com a lei penal e processual penal, e ainda, a fim de corroborar com os elementos técnicos cientifícios necessários à denúncia a ser apresentada pelo Ministério Público.

Dessa forma, ouso concluir que a prisão em flagrante, por tratar-se de prisão cautelar, ao ser levada ao conhecimento do Judiciário, constatada qualquer ilegalidade, deve ser relaxada pela autoridade judiciária, nos termos da Carta Magna. Em não sendo, pode-se verificar da legalidade da mesma.

Assim, se o D. Juiz de Direito, não relaxar a prisão em flagrante, balizado na lei, tal prisão cautelar resta assim mantida por ordem judicial e não mais da autoridade policial.

Findo o Inquérito Policial, o dominus litis, qual seja o D. órgão do Ministério Público, ao não retornar os autos à delegacia de Polícia para quaisquer diligências, restam finalizadas as atividades da Polícia Judiciária.

Novamente, assevere-se, a prisão cautelar mantém-se, de acordo com a lei, em razão de decisão judicial, sendo forçoso concluir que mesmo a lavratura do auto de prisão em flagrante delito mediante o uso de testemunhas presenciais não invalida o ato, e muito menos pode acarretar quaisquer responsabilidades aos envolvidos, já que, como notório, em determinados delitos, testemunhas presenciais se negam a falar, temerosas por sua integridade física.

Dessa forma, concessa vênia, àqueles que pensam de maneira adversa, o auto de prisão em flagrante delito, onde o responsável pela prisão captura e noticia fatos criminosos, mediante testemunhas de apresentação, ademais em face de delitos que deixam vestígios — como é o caso do crime de tráfico de drogas — mediante laudo de constatação da substância proscrita, resta totalmente balizado na doutrina e na lei, sendo que nada pode se mencionar de ilegal na lavratura do auto de prisão em flagrante e manutenção da prisão, em sendo o caso. Muito pelo contrário, o delegado de Polícia estará, de toda sorte, como é de sua obrigação, cumprindo os ditames legais e constitucionais.

Autores

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e pós-graduanda em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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