Abuso do direito

Justiça impede consumidor de levar vantagem indevida

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17 de agosto de 2008, 0h00

Os consumidores também devem respeito ao princípio da boa-fé que rege as relações de consumo, por mais que alguns queiram ignorar a obrigação. Por isso, não podem usar as garantias do Código de Defesa do Consumidor para tentar obter vantagem indevida.

O entendimento é da juíza Maria Fernanda de Toledo Rodovalho Podval, da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, em decisão que livrou a loja virtual Submarino de pagar R$ 194 mil de multa por ofensa ao CDC. A decisão foi mantida nesta quarta-feira (13/8) pela 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça paulista.

Os desembargadores negaram recurso da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), que queria reverter a sentença para garantir a aplicação da multa. O relator, Borelli Thomaz, confirmou a decisão de primeira instância salientando que houve má-fé do instituto de defesa e dos consumidores que queriam obter vantagem indevida do Submarino.

“Em nenhuma hipótese, nem em nome da proteção aos mais fracos, nem em nome de uma hipotética justiça social, nem em nome de qualquer outro princípio mais ou menos nobre, pode-se admitir que o consumidor venha a se locupletar por erro alheio”, afirmou a juíza na decisão ratificada pelo TJ-SP.

Em 2003, o Submarino enviou mensagem de e-mail a assinantes do portal iG anunciando oferta de aparelhos de DVDs com duas gavetas. Os aparelhos, que originalmente custavam R$ 1.199, podiam ser comprados por R$ 699 para pagamento a prazo e R$ 629 à vista. Por uma falha no sistema de processamento, o desconto de R$ 500 foi calculado em duplicidade, sendo o aparelho vendido por R$ 199 a prazo ou R$ 184 a vista.

O Submarino reparou o erro, mas quatro consumidores exigiram a venda dos DVDs por R$ 199. A loja virtual recusou a venda, explicando que houve um erro de sistema e que a oferta tinha sido de R$ 699, preço que o consumidor aceitou.

Os clientes foram até o Procon, que instaurou procedimento administrativo com o entendimento de que houve afronta ao artigo 48 do CDC (diz o artigo: “as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica”) e aplicou multa de R$ 194 mil para a loja.

O Submarino perdeu administrativamente, mas a questão foi revertida na Justiça. Os advogados da loja virtual, Maria Cristina Corrêa de Carvalho Junqueira e Marco Antonio da Costa Sabino, argumentaram que o preço estampado no anúncio era claro, colocado em caracteres extensivos, mostrando as condições e formas de pagamento — condições essas que o consumidor anuiu antes de fazer a compra, aceitando a oferta.

“Ora, se o interesse do Submarino fosse, realmente, lesar o consumidor, o preço irreal deveria ser anunciado na primeira oportunidade que o consumidor teve de analisar a oferta. Mas o que ocorreu, como visto, foi o contrário: para que o consumidor concordasse com a oferta, o preço real foi bem anunciado, sendo o erro resultado de uma falha no procedimento eletrônico”, sustentaram os advogados.

A primeira instância acolheu o pedido. Concedeu tutela para livrar o Submarino da multa e confirmou a decisão no mérito, dando uma bronca no órgão de defesa do consumidor. “O Procon é órgão de proteção ao consumidor, mas, jamais, em nenhuma ocasião, é participe ou anuente da prática de ilícito”, afirmou a juíza.

“Fato ilícito praticado pelos consumidores não pode ser causa de lavratura de auto de infração. O Procon deve lembrar que, na qualidade de agente do Estado, da mesma forma que se beneficia com a presunção da veracidade dos atos, está vinculado ao princípio da moralidade”, concluiu a juíza.

A 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça paulista confirmou a bronca declarando a multa ilegal e anulando a penalidade administrativa. “Os órgãos de proteção de defesa e os consumidores esquecem que o CDC protege as relações de consumo, justamente para evitar abusos. Abusos esses que podem ser cometidos por qualquer das partes envolvidas na relação”, observou Borelli Thomaz, relator. A decisão foi unânime. O Procon ainda pode recorrer.

Processo 583.53.2005.013293-0

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