Relatório da PF envolve ministro de Lula no 'mensalão mineiro'
15 de setembro de 2007, 0h00
O Supremo Tribunal Federal pode decidir, em breve, o destino do ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia. Entre as acusações contra ele está a de movimentação de altas somas de dinheiro, sem origem declarada, em período eleitoral. Um alentado relatório de 172 páginas, recheado de documentos e provas, produzido pela Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, foi encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, encarregado do inquérito no STF.
A acusação versa sobre a campanha eleitoral à reeleição, em 1998, do ex-governador de Minas Gerais, hoje senador, Eduardo Azeredo (PSDB), e descreve o esquema apelidado de “mensalão mineiro”. Obtido pela revista Consultor Jurídico, o documento, assinado pelo delegado federal Luiz Flávio Zampronha e que tem trechos divulgados pela revista IstoÉ deste fim de semana, aponta o ministro Walfrido dos Mares Guia como uma das partes atuantes de “uma complexa organização criminosa”. O delegado pede a quebra dos sigilos da empresa do ministro Walfrido, a Samos Participações Ltda.
Segundo a PF, o comitê da campanha montou uma estratégia “para legitimar (lavar) os recursos que seriam empregados durante a dispendiosa campanha, tendo por base a utilização das empresas de publicidade de Marcos Valério no desenvolvimento da sofisticada técnica conhecida por commingling (mescla)”. Ainda de acordo com o relato do delegado, a mescla consiste “na utilização de estruturas empresariais legítimas para a reunião de recursos obtidos licitamente, a partir de atividades comerciais normais, com outros obtidos ilicitamente”.
Zampronha afirma que, no caso da campanha de Azeredo, “tratavam-se de fundos públicos desviados das administrações direta e indireta do Estado de Minas Gerais e de valores repassados à coligação eleitoral por empresários, empreiteiros e banqueiros com interesses econômicos junto ao poder público daquela unidade da Federação”.
Pelas mãos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o relatório foi bater no Planalto, onde é guardado a sete chaves como uma das jóias da coroa. Mas o documento está nas mãos do ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, e do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.
Datado de 4 de julho de 2007, o relatório traz documentos comprometedores para o ministro Walfrido: um deles tem o carimbo “Confidencial”, com a chancela lustrosa da Receita Federal. Datado de 15 de maio de 2006, o extrato da Receita indica que Walfrido teria feito movimentações financeiras “até 20 vezes maiores do que as declaradas ao Fisco”. Exemplo: em 2002 Walfrido declara que sua empresa teve a receita de R$ 1,1 milhão. Mas a movimentação dela, segundo o documento, teria sido R$ 22,2 milhões. No ano fiscal de 2004 a receita declarada da Samos era de R$ 648 mil. Mas as movimentações financeiras, ainda de acordo com o relatório, passaram de R$ 3,1 milhões. Não fica claro se o volume da movimentação foi a soma de entradas e saídas ou se este foi, ao final do ano, o saldo constante na conta.
O inquérito sobre o caso no Supremo nasceu das investigações do mensalão. Walfrido era coordenador político da campanha de Azeredo. Na época, o pai espiritual do mensalão, publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, montou o que seria a ante-sala do esquema denunciado sob o governo Lula. Azeredo não se reelegeu. Perdeu para Itamar Franco (PMDB).
De acordo com o relatório, as investigações partiram do depoimento do então candidato a vice de Eduardo Azeredo, Clésio Andrade, ex-sócio de Marcos Valério na empresa SMP&B. Sem meias palavras, Clésio atesta que o ministro Walfrido seria a peça-chave de um “núcleo de poder” do governo Azeredo e, por conseguinte, da campanha à reeleição.
A Polícia Federal, de fato, encontrou anotações manuscritas com estimativas de gastos da campanha, feitas por Walfrido. Em seu depoimento, o ministro revelou que pertencem a ele os rascunhos mal traçados com valores constantes lado a lado de inúmeras abreviaturas. Perguntado sobre qual o significado das iniciais “JM”, o ministro Walfrido afirmou se tratar da candidata ao Senado Júnia Marise, para quem seriam remetidos R$ 500 mil.
Na investigação, a PF rastreou a pista. Chegou até R$ 200 mil das empresas de Marcos Valério drenados para os assessores de Júnia Marise. Já a sigla HG, ladeada do numeral 280, disse Mares Guia, era uma referência ao candidato a senador Hélio Garcia. Mas Walfrido meteu os pés pelas mãos, num trecho, e não explicou o significado da sigla “TP”, beneficiada com R$ 1,8 milhão. Para o delegado Zampronha, no entanto, seria a soma direcionada ao PT mineiro, com sigla invertida.
Walfrido é apontado como o negociador do contrato da campanha publicitária de Azeredo feita por Duda Mendonça. De acordo com depoimento de Cláudio Mourão, o tesoureiro da campanha, os serviços da empresa de Duda custaram R$ 4,5 milhões: “R$ 700 mil entregue em espécie e o restante pago por fora, conforme acordo estabelecido com Walfrido dos Mares Guia”.
Consta do relatório que Marcos Valério entregou ao delegado Zampronha o “Projeto Governador e Senador/98 – Minas Gerais”. Ele vem assinado por Duda Mendonça. Foi devidamente encaminhado ao ministro Walfrido por Zilmar Fernandes, sócia de Duda. Consta do inquérito a cópia de missiva endereçada ao “Prezado doutor Walfrido”, com um orçamento entre R$ 500 e R$ 700 mil.
Num outro trecho do relatório, consta empréstimo tomado pela Samos, tendo como avalistas Azeredo e Walfrido, liquidado em 2002 no Banque Nationale de Paris Brasil. Aqui, uma contradição: a conta que liquida o valor tem como titular a própria Samos.
O delegado federal pede à Receita que aprofunde a devassa fiscal nas contas e na contabilidade da empresa do ministro nos últimos cinco anos. Por fim, recomenda o bloqueio dos bens de todas as pessoas envolvidas com o “mensalão mineiro”.
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