Prerrogativa de foro

Delegados criticam decisão do STF que restringiu Polícia Federal

Autor

12 de outubro de 2007, 12h37

“Quem tem foro privilegiado vai ficar mais à vontade, mais privilegiado ainda”, reagiu o presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Federal em São Paulo, Amaury Portugal, inconformado com a decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu a PF de indiciar criminalmente autoridades com prerrogativa de foro. “A medida é uma agressão à Constituição, o Supremo está tolhendo o poder de investigação da PF. A verdade é que está havendo uma corrida para conter a PF. A corrupção agradece”, diz o delegado em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Para Sandro Avellar, presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF, a ordem do STF “vai na contramão do desejo da sociedade, porque cria um privilégio a mais”. “A decisão favorece aqueles que já detêm um benefício extraordinário, que é o de só poderem ser processados perante o Supremo”, insiste o delegado. “A sociedade não aceita isso: o ladrão comum pode ser indiciado, mas os que possuem foro não podem. Criou-se uma dificuldade a mais para punir os privilegiados.”

Avellar reconhece que não há o que fazer, não cabe ação contra a medida. Mas ele destaca que a sentença não foi unânime — quatro ministros deram voto contrário, porque consideram que a PF pode promover o enquadramento criminal mesmo dos que desfrutam da condição especial.

“Nunca puderam indiciar”, advertiu o ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF. “Se o tribunal entendesse cabível o indiciamento (por iniciativa da PF) teríamos uma pluralização dessas iniciativas. No Estado-espetáculo em que vivemos todos podem imaginar o resultado desse tipo de medida.”

“A decisão é coerente com todo o sistema constitucional e legal”, prosseguiu Mendes. “Nunca houve dúvida de que o inquérito para quem tem foro privilegiado perante o STF só deve ser aberto mediante autorização do ministro-relator e que qualquer medida deve ser consentida por esse relator. Quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico deve ser determinada pelo relator. Quanto ao indiciamento, é assim também. Só pode ocorrer, se necessário, por ordem do relator.”

O ministro vê abusos nesse tipo de conduta da PF. Para ele, indiciamentos de autoridades com prerrogativa de foro indicam que “houve uma tentativa de inovação dessa discussão, que acabou frustrada no STF”.

Mendes avalia que “há uma tendência quase inevitável de autoridades de várias instituições procurarem a fama repentina, momentos de glória”. Ele foi categórico. “Há uma razão de ser da decisão do Supremo: evitar tumultos nesses processos e inquéritos”, afirmou.

“Qual é o sentido jurídico do indiciamento? Do ponto de vista geral e prático, para a vida do cidadão, significa muito. Especialmente para aqueles que têm uma vida pública. Aquilo passa a ser uma referência negativa em relação à sua biografia, ainda que eventualmente não haja recebimento de denúncia.”

Ele assinalou que a conclusão do Supremo não inibe a atuação da PF. “As investigações serão feitas de maneira absolutamente normal.”

O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que a decisão do Supremo não atrapalhará o trabalho de investigação da PF. O indiciamento, segundo ele, é o ato final e não importa se a denúncia terá de ser feita pelo procurador-geral da República.

“Não atrapalha porque indiciamento é um ato final. Então a Polícia Federal fazendo investigações levanta determinados indícios, coleta provas e oferece ou para o Ministério Público ou diretamente para o Supremo para avaliar ou não o indiciamento”, argumentou o ministro. “O indiciamento é o início de uma imputação.”

Tarso também lembrou que a decisão do STF não foi unânime, o que indica ser uma “matéria controversa”. “Mas o que vale é a opinião da maioria (dos ministros). A PF tem que se adaptar a essa interpretação do Supremo e agilizar procedimentos para cumprir bem o seu trabalho”, afirmou. “Essa é a visão do Ministério da Justiça e é assim que a PF vai proceder.”

Histórico

Na quarta-feira (10/10), o plenário decidiu que a Polícia Federal não pode indiciar detentores de foro especial sem autorização do tribunal ou pedido do procurador-geral da República.

O entendimento foi firmado no julgamento da questão de ordem levantada pelo ministro Gilmar Mendes no inquérito que investiga a participação de parlamentares na fraude das ambulâncias, a chamada Operação Sanguessuga. O ministro questionou a validade do indiciamento do senador Magno Malta (PR-ES) por iniciativa da Polícia Federal, sem autorização do STF. O voto-vista do ministro Gilmar Mendes foi acompanhado por seis dos 10 ministros que votaram.

Em um caso julgado em conjunto, a Petição 3.825, o relator, ministro Sepúlveda Pertence (aposentado), havia votado contra a anulação formal do indiciamento do senador Aloísio Mercadante (PT-SP). Logo depois, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos.

Naquela ocasião, por unanimidade, o STF determinou o arquivamento do inquérito em relação ao senador, mas a Procuradoria-Geral da República se manifestou pela anulação do ato de indiciamento do senador pela Polícia Federal, porque teria havido violação da prerrogativa de foro de Mercadante e “invasão injustificada da atribuição que é exclusiva da suprema corte de proceder ao eventual indiciamento do investigado”.

INQ 2.411

PET 3.825

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!