Fim da farra

Decisão do Supremo acaba com o troca-troca de partidos

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4 de outubro de 2007, 17h23

O Supremo Tribunal Federal pôs fim ao troca-troca de partidos por deputados federais. Num julgamento que durou nove horas, nesta quinta-feira (4/10), o STF manteve os mandatos de quem trocou de partido até o dia 27 de março, mas decidiu que perde o mandato quem trocar de legenda desta data em diante.

Por esta decisão, 14 deputados podem perder os mandatos. Mas para recuperar as vagas na Câmara, os partidos de onde os deputados saíram terão de reclamá-las na Justiça.

Saiu vitoriosa a tese dos ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia, que foram seguidos pelos ministros Menezes Direito, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e a presidente Ellen Gracie: o mandato é dos partidos, não dos deputados eleitos. Mas os ministros definiram que só perde a vaga quem trocou de partido depois de março de 2007, quando o Tribunal Superior Eleitoral firmou o novo entendimento sobre o tema.

Ficaram vencidos os ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, que defendiam que não há perda de mandato por troca de partido porque essa hipótese não está prevista na Constituição Federal. Assim, não se pode falar em cassação nestes casos.

Os ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio, também vencidos, foram mais radicais: acolheram os pedidos de Mandado de Segurança ajuizados por PSDB, PPS e DEM para que os deputados infiéis devolvessem os mandatos às legendas desde já.

O ministro Marco Aurélio, que já se manifestara diversas vezes a favor da fidelidade partidária, defendeu a igualdade de tratamento para os 23 parlamentares alvos dos pedidos de Mandados de Segurança. Segundo o ministro, firmado o entendimento de que a fidelidade partidária se aplica a partir da decisão do TSE, apenas um dos 23 parlamentares seria alcançado pela decisão.

“Deputados na mesma legislatura estariam sujeitos a enfoques diversificados. Aqueles que mudaram antes da posição do TSE estarão salvos da guilhotina quanto ao abandono do partido”, disse Marco Aurélio. “Não podemos transformar o mandado de segurança em ação simplesmente declaratória. Ou se concede ou se indefere a ordem”, completou o ministro. Mas seu entendimento foi vencido.

Quanto à deputada Jusmari de Oliveira, única dos 23 deputados demandados pelos Mandados de Segurança que mudou de partido depois de 27 de março, o Supremo decidiu determinar ao presidente da Câmara que remeta ao TSE o pedido de declaração de vacância do cargo. Concedido o direito de defesa à deputada, o TSE decidirá sua sorte.

Dono do mandato

Primeiro a votar, o ministro Celso de Mello votou a favor do direito dos partidos sobre os mandatos de seus deputados. No entanto, ele rejeitou o pedido do PSDB para cassar os mandatos de sete deputados infiéis porque entendeu que a fidelidade só pode ser cobrada a partir do momento em que o Tribunal Superior Eleitoral definiu a questão, em 27 de março deste ano.

Celso de Mello esclareceu que só correm o risco de perder o mandato por infidelidade ao partido que os elegeu os parlamentares que trocaram de legenda depois do entendimento firmado pelo TSE. Em resposta à consulta proposta pelo PFL (atual DEM), o TSE declarou que os mandatos pertencem aos partidos.

“A transferência de um candidato eleito por um partido para outro rompe os vínculos partidário e popular. Episódios recentes e lamentáveis de nossa história política evidenciam comportamento que ofendem o modelo consagrado pela Constituição Federal”, afirmou Celso de Mello. De acordo com o ministro, migrações imotivadas não só surpreendem o corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem, como também geram um “arbitrário desequilíbrio” de forças no Congresso.

Em sua decisão, o ministro afirma que caberá aos partidos que se sentiram prejudicados com a debandada reclamar à Justiça Eleitoral os cargos de volta. Ele sugere que o TSE crie uma resolução estabelecendo regras sobre as perdas de mandato. Em março, o TSE estabeleceu duas exceções que salvam o mandato de infiéis — a prática de perseguição política ou a quebra de programa partidário pela legenda.

A ministra Cármen Lúcia, relatora do pedido do DEM, reconheceu o direito do partido de reaver as cadeiras, desde que seja assegurado o direito a ampla defesa do parlamentar que se desfiliou. Ela também ressaltou a necessidade de aplicar esta orientação a partir do momento em que não há mais segurança jurídica, ou seja, a partir do posicionamento do TSE. A ministra seguiu a mesma linha exposta no voto do ministro Celso de Mello.

Segundo a ministra, o desligamento do eleito não é ato ilícito, mas frustra a representação partidária. Para a ministra, o que não pode ocorrer e que não se pode aceitar juridicamente é que o eleito ocupe cargo ao qual chegou filiado ao partido que o elegeu, sob nova legenda. “Não há como se eleger um deputado e se empossar um dono de mandato popular”, disse.

Dos oito deputados do DEM que trocaram de partido após a eleição de 2006, apenas a deputada baiana Jusmari Terezinha de Souza Oliveira, hoje filiada ao PR, corre o risco de perder o mandato, segundo voto da ministra Cármen Lúcia. Jusmari deixou o DEM depois de firmado o entendimento do TSE de que os mandatos pertencem aos partidos e não aos eleitos. “O eleito que abandona o partido pelo qual foi eleito, frustra não apenas o partido (…) tal comportamento frustra o resultado eleitoral”, afirma. Segundo a ministra, a questão relativa à fidelidade está relacionada intrinsecamente ao mandato parlamentar.

A ministra assegurou que os outros sete deputados desfiliaram-se antes desta data e, portanto, estão acobertados de qualquer conseqüência jurídica. Apesar de correr o risco de ficar sem mandato, Jusmari terá direito a ampla defesa perante o TSE para só depois disso seja declarada a vacância de sua vaga, se assim for o caso, conforme expôs a ministra Cármen Lúcia. No mesmo sentido votaram os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.

Gilmar Mendes ponderou a necessidade de observar o contexto político-partidário após 88. “Não parece fazer qualquer sentido que o eventual eleito por um sistema com essa complexidade possa simplesmente desvencilhar-se dos vínculos partidários estabelecidos”, disse.

Troca legal

Relator do pedido do PPS, o ministro Eros Grau afirmou que não importa o eufemismo usado, atender ao pedido dos partidos seria cassar o mandato dos deputados eleitos com base em uma hipótese não prevista na Constituição. “Nós estamos julgando Mandado de Segurança sem poderes para inovar. Não estamos aqui para decidir sobre a amplitude da fidelidade partidária”, ressaltou o ministro.

Dois ministros acompanharam o voto de Eros Grau, no sentido de rejeitar os pedidos. Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa entenderam que a Constituição Federal não prevê a perda do mandato por troca de partido. “Entre os casos de perda de mandato previstos na Constituição não figura a perda por infidelidade partidária”, disse Joaquim Barbosa. “Não me aparece adequado resolver os pedidos com base em conceitos implícitos na constituição”, completou o ministro.

Quanto à representação política, argumento incansavelmente tratado pelos ministros que defendem a posse dos mandatos pelos partidos, Joaquim Barbosa ressaltou a importância dos partidos políticos, mas os classificou como meros instrumentos de exercício do poder popular. “Os partidos políticos embora indispensáveis e importantes, são meros instrumentos através do qual o poder se exerce”, disse.

Ambos os votos trataram da segurança jurídica e da jurisprudência do Supremo, que substanciou as trocas de partido até momento. “Ora, os parlamentares que trocaram de partido fizeram-no não apenas confiando no ordenamento legal vigente, como também na interpretação que a mais alta Corte de Justiça do País lhe conferia”, disse Lewandowski.

Ele, que dividiu o voto em tópicos, fechou seu raciocínio expondo as “possíveis conseqüências” da retroação da resolução do TSE. Para o ministro, se levado às últimas conseqüências, o entendimento do TSE significaria um problema de difícil solução representado no exercício ilegítimo do mandato por todos aqueles parlamentares que migraram de partido desde então.

“Com efeito, não haveria como fugir da conclusão, imposta por via de conseqüência lógica, que seriam nulos todos os atos por eles praticados durante o período que exerceram o mandato de forma ilegítima, o que inclui, além das mudanças constitucionais e legislativas das quais foram protagonistas, aqueles que praticaram no desempenho de funções de natureza administrativa em ambas as Casas do Congresso Nacional”, concluiu Lewandowski.

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