Limite da civilidade

Constituição deveria impor direito de respeitar a vida

Autor

  • Luiz Roberto Kallas

    é consultor e professor nas áreas de Planejamento Estratégico Tecnologia da Informação e Mercado Financeiro no Brasil Estados Unidos Oriente Médio Uruguai e outros países. Foi professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito na Unip.

14 de maio de 2007, 12h31

Os que costumam ler minhas opiniões percebem que defendo uma obrigação inquestionável do ser humano com respeito à vida. Roberto Campos costumava criticar o fato da Constituição brasileira oferecer a todos o direito à vida como se isso fosse possível. Norberto Bobbio em um de seus livros dizia que o direito prevalece sobre o dever. Embora sem discordar de ambos, gostaria de refletir sobre o que escreveram.

Minha posição não é ser apenas a favor do direito à vida, mas o dever de respeitá-la. Concordo com Campos ao afirmar por meio da Constituição, que termos direito à vida é mero devaneio, mas não vejo essa afirmação como inútil. Ao se defender a vida, tudo é válido, menos matar. O direito à vida é algo de natureza passiva. Ao contrário, o respeito à vida impõe uma ação sendo mais forte e mais eficaz.

Prefiro que a Constituição coloque em seus artigos o dever de respeitar a vida e não apenas o direito que temos a ela. A obrigação de não provocar mortes e não a supremacia do direito como algo superior ao dever. Bobbio tinha razão em afirmar que o direito precede o dever porém, dessa forma, a ação decorrente poderá ser ineficaz. Prefiro que as pessoas sejam obrigadas a respeitar certos limites de civilidade.

Quando afirmo que existe dever de respeitar a vida, levo isso às últimas conseqüências. Sou contra um plebiscito que chame o povo a se pronunciar, por exemplo, a favor ou contra o aborto; a favor ou contra a pena de morte. Na minha visão isso seria clausula pétrea, inadmissível e mesmo que todos sejam favoráveis à pena de morte e ao aborto, continuo contra. Mas em hipótese alguma pegaria em armas para defender tal ponto de vista, ou qualquer outro. Pois compreendo os que são a favor da pena de morte e do aborto. O contraditório e o amor à vida são as a bases imutáveis da evolução humana.

Observem que no mundo animal, a competição é criativa e não destrutiva. Os animais disputam entre si para saber quem é o melhor no sentido de acasalar e favorecer a prole. Isso ocorre antes da existência dos fetos. Somente os fortes se acasalam. Os fracos derrotados se abstêm. Isso ironicamente é prova de amor e não de ódio. Amor à prole, proveniente da própria natureza. Tal afirmação pode até ser considerada de fundo nazista quando aplicada aos seres humanos, e o será, caso a lei se imponha sobre os fracos e indefesos. Não podemos imitar os animais, mas apenas analisar seu comportamento para descobrir os fractais da evolução. Os animais agem assim por não terem consciência, o que supostamente não é o nosso caso.

Qual a razão do meu preconceito contra tais assuntos? Apenas uma, porém com dois lados. Pela teoria evolucionista, até certo ponto considerada materialista, percebe-se que nossa gênese privilegia a vida. Percebe-se também que a vida se desenvolve dentro de uma perspectiva caótica. Ou seja, a partir de mínimas pré-condições que determinam seu desenvolvimento. Qualquer alteração nesses requisitos mínimos, altera a evolução.

Daí a preocupação dos que defendem a ecologia em não alterar o código genético pois são os fractais da vida, cuja base é o respeito a ela em qualquer circunstância, conforme nos alerta Jeremy Rifkin. De alguma forma, todo ser vivo só desenvolve se a natureza favorecer a vida. Toda vez que isso deixa de ocorrer ela se extingue. Pela teoria criacionista, a visão de que a vida é um dom recebido e inquestionável é a base dos fundamentos religiosos. A religião agrega valor à lógica da natureza, ao evolucionismo. Penso que tanto uma como outra posição, defendem o mesmo ponto de vista a favor da vida e basta ceder um milímetro para provocar no futuro uma total reviravolta em seus pilares. E ela se extinguirá fatalmente.

Mudanças nessa posição trouxeram, constantemente na história da humanidade, os maiores flagelos pelos quais passamos, a começar pela selvageria representada pelas guerras, mesmo que pretensamente justas e naturais. Ultimamente fala-se inclusive no fim do mundo pelo desrespeito ao meio ambiente. Daí concluirmos que tal preconceito é clausula pétrea, que ao ser minimamente desrespeitado pode trazer o caos. Essa é a razão de se colocar esse princípio no mais alto de todos os altares. Nem quando nossa liberdade ou dignidade é desrespeitada devemos atentar contra a vida, conforme ensinavam Mahatma Ghandi e Cristo.

Sabemos, no entanto, que em face da predominância do instinto animal, seguramente a tendência do ser humano é defender-se e a seus interesses, reagindo contra agressões. Essa reação é natural e deve ser compreendida, mas não pode ser considerada humana e racional, mas apenas animal.

Ou seja, não pode ser submetida a nossa decisão para alterar o respeito que a vida merece em qualquer circunstância, caso contrário o código de uma natureza superior será quebrado, com conseqüências desastrosas. Minha única dúvida é com relação a eutanásia. O sofrimento imposto a uma pessoa à beira da morte pode ser insuportável e quando ocorre, pelo meu lado misericordioso, sinto desejar a morte para os outros e para mim. Temo que também ela possa ser danosa porém, contraditoriamente, a misericórdia neste caso disputará com a razão.

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