Escutas telefônicas obtidas em investigação criminal ou em instrução processual penal podem ser usadas em procedimento disciplinar contra a mesma pessoa. O entendimento é do ministro Cezar Peluso e foi acompanhando pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que analisava questão de ordem levantada no Inquérito da Operação Hurricane. Dessa forma, o STF autorizou o envio de provas ao Superior Tribunal de Justiça e ao Conselho Nacional de Justiça.
A questão de ordem foi levantada pelo ministro quando o STJ e o CNJ solicitaram ao Supremo o envio de cópias de parte do acervo de provas para a instauração de procedimento disciplinar contra os acusados. As provas eram resultado de interceptações telefônicas e escutas ambientais colhidas pela Polícia Federal durante as investigações da Operação Hurricane, que apurou supostos envolvimentos de juízes e desembargadores em venda de sentenças favoráveis à prática de jogos ilegais.
O ministro Cezar Peluso salientou que a Constituição Federal só permite a quebra do sigilo das comunicações telefônicas “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Da mesma forma, o artigo 1º da Lei 9.296/96 estabelece que “a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de Justiça”.
Segundo ele, alguns teóricos sustentam que ambas as normas teriam limitado a quebra do sigilo às hipóteses de investigação e instrução, vetando o “empréstimo da prova” a qualquer outro processo, “em particular o de caráter estritamente civil”.
No entanto, o ministro ponderou que nada impede o reconhecimento da “validez e da eficácia do uso, em processo não penal, da prova licitamente colhida na área criminal”. Segundo ele, com a colheita legítima, já se rompeu a intimidade assegurada pela Constituição.
Para o ministro, não é ofensivo nem à Constituição e nem à lei o entendimento de que a prova lícita pode ser utilizada pelo Estado, na condição de órgão administrativo, porém “sob a qualificação jurídica de ilícito administrativo ou disciplinar”.
Ou seja, se o mesmo ato apontado na escuta telefônica configurar ilícito tanto na esfera criminal quanto na administrativa, a gravação pode ser utilizada também no âmbito disciplinar. “Nisso, não se aprofunda, alarga nem agrava a quebra lícita da intimidade que já se operou”, mas apenas reconhece a necessidade de assegurar, em interesse público, a aplicação de outras conseqüências jurídicas ao mesmo ato ilícito, considerado noutro plano normativo, entendeu o ministro Cezar Peluso.
INQ 2.424
25/04/2007 TRIBUNAL PLENO
QUEST. ORD. EM INQUÉRITO 2.424-4 RIO DE JANEIRO
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos.
Comentários de leitores
4 comentários
jabuti (Advogado Autônomo)
Para combater tamanha heresia, basta impugnar os audios no Processo Administrativo , aplicando-se os Artigos 225 CC e 383 CPC , subsidiariamente. Gostaria de ver qualquer perícia nestas "provas emprestadas", que seguramente serão "cópias" do original que obrigatoriamente deverá permanecer nos autos criminais e lá nunca se defere qualquer perícia ( por que será?)nas interceptações telefonicas.
Francisco Lobo da Costa Ruiz - advocacia criminal (Advogado Autônomo - Criminal)
OTAVINHO ROSSI, MEUS CUMPRIMENTOS. lobo
Rossi Vieira (Advogado Autônomo - Criminal)
Absoluta razão tem o leitor Herman. Entendo, inclusive, que o sobrestamento do feito administrativo disciplinar é medida de justiça, respeitante ao devido processo legal e ampla defesa. A jurisprudência, sobre esse tema, é contrária ao sobrestamento do feito disciplinar enquanto tramita a ação criminal, atendendo-se a independência das instâncias. Mas esses casos em que as "interceptações" são usadas como prova emprestada, não há outra solução. O ministro Marco Aurélio do STF já entendeu necessário o sobrestamento do processo administrativo até solução final da ação penal. Mas a postura é rara nos Tribunais. O contraditório é peça fundamental à defesa do acusado. Otavio Augusto Rossi Vieira, 40 Advogado Criminal em São Paulo
Comentários encerrados em 27/06/2007.
A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.