Ataques anônimos

Yahoo! e Microsoft devem informar dados de usuário de e-mail

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22 de fevereiro de 2007, 17h34

O Yahoo! e a Microsoft devem revelar a identidade do usuário do e-mail [email protected] que, desde 2005, envia mensagens difamando Paulo Bernardo Kelm Dias e sua namorada. As mensagens são assinadas como “Se Deu Mal”. A decisão é do juiz Alberto Republicano de Macedo Júnior, em exercício na 6ª Vara Cível de Niterói, no Rio de Janeiro. Ele acolheu o pedido de liminar apresentado pelo internauta.

Dias afirma que o teor dos e-mails atinge sua moral e, por isso, já tinha pedido os dados dos IPs dos remetentes ao Yahoo!. O site informou que forneceria os dados mediante decisão judicial. Segundo o juiz Macedo Júnior, o simples acesso indevido a computadores não está tipificado como delito no Brasil, mas há projetos de lei tentando tipificar a conduta, que pode ser considerada como ilícito civil.

Para ele, foi ferido o artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal. O dispositivo diz ser livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. “In casu, a manifestação do ofensor, através de e-mail, contrariou a Constituição Federal, tendo em vista que, anonimamente, injuriou e atacou o patrimônio moral do autor”, concluiu.

Processo 2007.002.0029.76-0

Leia a decisão

Trata-se de medida cautelar de exibição de documentos em que a parte requerente alega que desde novembro de 2005 vem recebendo diversos e-mails agressivos e caluniosos, oriundos de um usuário do portal Yahoo!, nominando-se ´SE DEU MAL´, o que faz através da conta de e-mail [email protected], fornecida pela primeira requerida.

Sustenta, ainda, que encaminhou um pedido para o provedor de serviço on line Yahoo! A fim de que pudesse descobrir quem seria a tal pessoa que estava infernizando sua vida, porém o referido provedor informou que não poderia dar as informações requeridas, apenas através de ordem judicial, solicitando, ademais, que fosse verificado pelo requerente o IP (Internet Protocol) do remetente.

O requerente logrou localizar o IP do remetente dos e-mails, descobrindo que era utilizado por algum usuário do provedor Velox. Com relação ao uso indevido do Windowsx Live Messenger somente a segunda requerida poderá indicar o IP do usuário. Ao final da sua inicial o requerente pleiteou a concessão de liminar a fim de que a primeira requerida informe os IP’s dos usuários do e-mail [email protected], principalmente no dia 08.02.2007, e que a segunda requerida informe os IP’s dos usuários do e-mail do requerente ([email protected]) e de quem acessou o programa Windows Live Messenger no horários comercial do dia 08.02.2007, sob pena de multa diária.

É O BREVE RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR.

A medida cautelar de exibição de documentos visa, na forma do artigo 844, inciso II, do CPC, a exibição judicial de documento próprio ou particular, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor, ou ainda terceiro que detenha o documento na forma de inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios Aduziu o requerente que foi vítima de um e-mail difamatório e injurioso, no qual foi atacado em sua moral e que os mesmos e-mails foram enviados, de forma anônima, à sua namorada.

Com o intuito de ser futuramente indenizado pelo ato atentatório, o requerente ajuizou medida cautelar para, através do IP (Internet Protocol) n.º 200.165.235.212 (carteira de identidade da máquina), solicitar à primeira requerente o fornecimento do cadastro completo do responsável. Um endereço de IP (IP address) é um endereço numérico de um computador conectado na internet. Um número de IP não é a mesma coisa que um nome de domínio, (por exemplo www.bvs.br), ou que um endereço de e-mail. O IP, que é o protocolo da internet, objetiva transferir os dados mais utilizados na rede mundial de computadores. Cada computador conectado na internet tem a ele ligado um número ou endereço de IP correspondente.

Tratando sobre o assunto, traz-se aos autos entendimento inserido na revista ´Consultor Jurídico´, de 03/12/2002: ´Apesar do simples acesso indevido a computadores não ser tipificado como delito, no Brasil há projetos de lei, como o PL n.º 84/99, que procuram tipificar como crime a conduta de acesso indevido a computadores e outras ligadas à informática, podemos considerá-lo como ilícito civil. Desta forma, não está o hacker cometendo qualquer crime, mas poderá sujeitar-se a sanções civis e multas cujo valor, a ser decidido pelo juiz, pode oscilar de acordo com os atos ou prejuízos que resultarem da operação computacional.

Agravam-se os fatos quando, da invasão, restar qualquer espécie de mudança dos dados ou informações que havia na máquina, em especial quando esta mudança se qualificar como defacement. Isto importa em dizer que a transfiguração das páginas do site de uma empresa poderá prejudicar de forma irreversível sua imagem e confiabilidade no mercado, devendo, em situações como esta, caso se recorra à justiça, ser imputada ao hacker multas exemplares.

Da pixação cibernética, pode advir ainda crimes como calúnia, difamação, injúria, preconceito ou discriminação de raça-cor-etnia-etc, dentre muitos outros, dependendo do conteúdo exposto, que além da pena de restrição de liberdade, pode exigir que se faça a respectiva reparação civil, pelos e-feitos nocivos causados (Lei n. 7716/89, art. 20)´. Outrossim, a matéria aventada tem previsão constitucional: ´Art. 5º (…) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato´.

No caso em tela, o requerente foi atacado, de forma anônima, por e-mail intitulado ´[email protected]´. Em referido e-mail foi dito, entre outras coisas, palavras injuriosas, como aquelas constantes dos documentos de fls. 18/23. In casu, a manifestação do ofensor, através de e-mail, contrariou a Constituição Federal, tendo em vista que, anonimamente, injuriou e atacou o patrimônio moral do autor. Como é cediço, para deferimento da liminar em medida cautelar, necessários são o fumus boni juris e o periculum in mora.

Oportuno trazer à colação lição doutrinária de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, quando leciona sobre os aludidos requisitos necessários à concessão da liminar: ´Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, mesmo porque esse, freqüentemente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo principal. Para merecer a tutela cautelar, o direito em risco há de revelar-se apenas como o interesse que justifica o direito de ação, ou seja, o direito ao processo de mérito´ Para obtenção da tutela cautelar, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstância de fato favoráveis à própria tutela. E isto pode ocorrer quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo principal´ (in Curso de Direito Proces-sual Civil, v. III, 36 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 360/361).

O fumus boni juris restou amplamente comprovado através da impressão dos vários e-mails enviados anonimamente ao requerente e à sua namorada, possuinso, assim, o direito de ser indenizado moralmente. O periculum in mora está comprovado pela possibilidade de que haja perecimento ou desvio da prova necessária que irá fundamentar a lide. Traz-se aos autos ementa de acórdão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendo aplicável ao caso vertente:

´A ação exibitória é perfeitamente viável nos casos desta espécie, uma vez que o direito processual não pode desconhecer a evolução científica, a qual devem encampar o conceito do denominado documento eletrônico. Este, na visão da moderna doutrina, seria um arquivo eletrônico capaz de representar um fato através do tempo e do espaço, ou, conforme refere Gian Franco Ricci, citado por Ivo Teixeira Gico Júnior: ´por documento eletrônico se entende o documento não cartular, constituído em uma memória eletrônica.

A manifestação de vontade do agente não se expressaria através dos signos gráficos da escrita e subscrição, mas através de um fluxo eletrônico incorporado em uma memória, a qual só seria suscetível de ser lida através do uso de um computador. O documento eletrônico seria definido pela impossibilidade de leitura sem o uso da máquina´. (Repertório IOB Jurisprudência: Civil, Processual, Penal e Comercial. São Paulo, n. 14, 2ª quinz. Jul. 2000,3/7004). Complementa o mesmo Ivo Teixeira: ´ No Brasil, alguns projetos de lei começam a tratar do assunto, mas apenas um traz uma definição do que venha a ser documento eletrônico.

O PL n. 2644, em seu art. 1º, diz o seguinte: Considera-se documento eletrônico, para efeitos desta lei, todo documento, público ou particular, originado por processamento eletrônico de dados e armanezamento em meio magnético, optomagnético, eletrônico ou similar´.

O fornecimento do IP – Internet Protocol (carteira de identidade da máquina) requerido pelo suplicante não produzirá prejuízos às requeridas, que deverão ter a seu favor o contraditório, ampla defesa e o duplo grau de jurisdição. Os requeridos devem fornecer os dados requeridos na inicial, quais sejam, os IP’s dos usuários do ´e-mail [email protected]´, principalmente no dia 08.02.2007, e os IP’s dos usuários do e-mail do requerente ([email protected]) e de quem acessou o programa Windows Live Messenger no horário comercial do dia 08.02.2007, devendo, pois, ser deferida a liminar para propiciar ao agravante o ajuizamento de ação contra o ofensor do ilícito.

Ante o exposto, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, defiro a liminar para que as requeridas apresentem nos autos os documentos eletrônicos aludidos na inicial. Citem-se e intime-se.

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