Toga inquisitória

É uma pena ver o STF se envolver com atividade da Polícia

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16 de abril de 2007, 13h29

Julgava-se que a intricada questão correspondente à legalidade das interceptações telefônicas ficasse ao largo, por enquanto, de provocação objetiva do Supremo Tribunal Federal. Surge, impactantemente, notícia de que corria, naquela corte, procedimento investigatório concernente à possível participação de desembargadores federais em atividades ilícitas desenvolvidas por terceiros no trato da instalação, manutenção e desenvolvimento das denominadas casas de diversões eletrônicas e atividades correlatas.

Na verdade, explode o tema com a notícia de que o ministro Antonio Cezar Peluso teria autorizado, além de outras providências, o espiolhamento das comunicações entre muitos investigados, fixando-se a competência do Supremo pela condição privilegiada de um interveniente.

Cuida-se de decisão monocrática, certamente, decorrendo série grande de conseqüências, destacando-se a prisão temporária de autoridades muito bem colocadas na orografia judiciária. Tocante ao assunto, não devem os espectadores emitir juízo de valor, porque o estatuto proíbe interferência em causas entregues a outros advogados, preceito muito pouco respeitado, diga-se de passagem, mas ainda vigendo. Basta dizer que a interceptação telefônica, ramificada naquelas ditas interceptações ambientais, constitui um dos mais tortuosos temas da moderna investigação criminal.

É difícil, ao criminalista clássico, vincado por convicção e mesmo por vocação no respeito à intimidade, admitir que os atos de espionagem da privacidade provenham da lavra de um magistrado. O juiz, por definição e mesmo nos anteprojetos de modificação do Código de Processo Penal Brasileiro, é personagem alheia a tal comportamento, reservando-se-lhe a fiscalização da legalidade das condutas dos partícipes.

Assim, quando a toga se entrelaça no mesmo bailado inquisitivo dos perseguidores, cria-se sorte grande de perplexidade, sabendo-se que os limites, as particularidades e o julgamento da licitude da espionagem constituem atribuição final do próprio Supremo Tribunal Federal. No meio deste, um dos ministros é, na hipótese, o autorizador e o instrutor da violação da privacidade alheia, colocando seus pares, então, na situação de observadores atentos e angustiados da tramitação do procedimento inquisitivo.

Evidentemente, a situação posta a lume pelos jornais só chegou a tanto em razão de paciente trabalho na gravação, transcrição e análise de diálogos mantidos, segundo consta, entre muitos implicados. A experiência em situações análogas demonstra que o trabalho de guarda, captação e redução a texto de tais atividades significa esforço ciclópico, demorado e, sobretudo, unilateralmente desenvolvido, parece, por técnicos na especialidade.

No meio disso tudo, os possíveis indiciados restam como baratas tontas presas num círculo inexpugnável porque, tocadas de um a outro lado, não conhecem a origem, os mistérios e a transmigração dos atos de investigação criminal. Os defensores, ainda segundo o noticiário, não viram o inquérito, não têm acesso às transcrições e, por conseqüência, não têm condição de esclarecer os clientes sobre as peculiaridades da inquisição.

A extravagância da alternativa advém do fato de ser a própria suprema corte fiscal última da observância da legalidade, a responsável pelo estímulo primeiro, embora o impulso provenha de um só de seus membros. Prevê-se, no Supremo Tribunal Federal, um entrevero que se denominaria, ausente outra expressão, de “conflito intestino”. Resta de tudo um dó muito grande de ver o Supremo envolvido em atividades próprias da Polícia judiciária, obrigado a isso, admita-se, em razão da peculiaridade dos envolvidos, mas sempre, no contexto, desnaturado das atribuições próprias à magistratura máxima.

Quando o juiz, largando a toga, veste o cinturão, há um refluxo que não é bom, embora sendo indispensável àquela atividade peculiar. Sobra a recondução dos investigados à licitude, expurgando-se-os do sistema, mas o próprio censor sente o volver da chibata. A censura e o castigo fazem doer igualmente, no corpo do carrasco, o peso do azorrague.

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