Ousadia e risco

Consultor Jurídico previu que haveria segundo turno

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3 de outubro de 2006, 10h57

Entre o momento em que uma reportagem é planejada e a hora que seu texto vai ao ar, leva algum tempo. Nos dias que antecederam a eleição de domingo (1º/10), era impossível afirmar qual seria o desfecho do pleito. Na noite de sábado, dois institutos de pesquisa (Ibope e Datafolha) sinalizaram um empate entre Lula e Alckmin.

Frios, os números, aparentemente, não permitiam mais que palpites. O clima era o mesmo que antecede a maior parte dos grandes julgamentos: a possibilidade de vitória de cada parte era de 50%.

Este site, contudo, cometeu uma aparente irresponsabilidade. Em dois textos (Empate perdido: Lula ganha mas não leva no primeiro turno e Matemática eleitoral: segundo turno está nas mãos dos nordestinos), a revista eletrônica Consultor Jurídico mostrou algo que os números dos institutos não mostravam: a distância entre o que o pesquisador apura com a prancheta na mão e a prática do voto na urna eletrônica. O primeiro texto foi ao ar à tarde — antes da divulgação das pesquisas — o segundo à noite, depois de se saber dos números. Ambos com o mesmo teor.

O mérito do acerto na previsão é do cientista político Antônio Lavareda autor de obras importantes como A Democracia nas Urnas: o Processo Partidário Eleitoral Brasileiro, a fonte certa para o assunto. Mas não deixa de homenagear também quem acertou na escolha do Consultor.

É esse fator que diferencia um veículo de comunicação de outro: as opções que faz. Mas, principalmente, o respeito ao leitor. Um respeito que não se mostra com adjetivos, mas com lealdade, mesmo diante do desafio arriscado de veicular notícias delicadas. Vencer esse desafio é o ponto alto da missão de bem informar.

Ainda que soe estranho gabar-se por uma previsão que não se verifica exatamente no campo jurídico, cabe o registro de um exemplo do paradigma que perseguimos: antecipar tendências, entregar ao leitor que confia no seu veículo de comunicação o que ele procura — informação estratégica, confiável e segura.

A tal margem de erro (de 2% a 3%) para cima e para baixo, com índices em torno de 50% para cada lado não dizia muita coisa. Era cara ou coroa nas 24 horas que antecederam a eleição.

Ovo em pé

Com as lições de Lavareda, contudo, o site mergulhou na interpretação humana dos números. A fatia mais gorda do eleitorado lulista se encontrava no Norte e no Nordeste, encantada com os auxílios monetários que o governo providenciou ao longo da gestão. A chamada “taxa de alienação” (soma das abstenções, votos nulos e em branco), que vigora em todo o país, grita mais alto exatamente nesse universo.

Com essa leitura, mesmo considerando que 70% desses bolsões preferiam Lula — num conjunto em que se encontram 27% dos eleitores brasileiros — constatou-se que o fato de a média da alienação norte-nordestina ser dez pontos percentuais acima da média nacional, refletiria no débito de 2% da votação petista. Ou seja: se os institutos mostravam 50% das intenções de voto em Lula, a realidade o deixaria com 2% a menos na vida real.

O fator lamentável a apontar não tem a ver com a frustração da ausência de Lula no principal debate programado nem com a repercussão das transgressões petistas com o seu famigerado dinheiro “sem origem”. Mas com um dado da cruel da realidade: os brasileiros de baixa instrução e baixa renda simplesmente erram na hora de digitar seus votos — e era preciso acertar 21 números para expressar a vontade do eleitor, o que não é fácil para qualquer um.

Um fator desprezado na análise, contudo, acabou ameaçando essa leitura. A campanha do TSE (Vota Brasil), provavelmente (e vai aí uma dose de dedução pouco científica), atingiu seu objetivo. A soma de votos nulos (intencionais ou não), em branco e abstenções caiu bastante em relação ao parâmetro mais recente (as eleições de 2002). Mais um dado a ser considerado nas futuras eleições.

O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, personagem de proa do Judiciário nacional — apesar da fúria contra ele por parte dos mais desinformados — captou, logo ao assumir o cargo, que a frustração do eleitorado, somada à redução da propaganda política, poderia redundar num alto índice de votos inválidos e abstenções. E empreendeu uma sincera campanha contra essa onda. Se correta a análise, bem ao revés do que protestaram muitos petistas, Marco Aurélio terá livrado Lula de uma sova.

Em relação às eleições de 2002, houve uma redução da taxa de alienação. No campo do voto nulo, a fatia caiu de 7,35% para 5,68%; os votos em branco baixaram de 3,03% para 2,73% e as abstenções que na eleição passada foram de 17,75% caíram para 16,75%. Ou seja, a alienação baixou de 28,13% para 25,16% na média nacional. Pode parecer pouco, mas esses 3% são quase 4 milhões de eleitores que, comparecendo e votando fazem grande diferença. Da mesma forma que, encerrada a votação, pode não parecer muita coisa ter dado a informação certa na hora certa. Mas é o tipo de referencial que credencia um veículo de comunicação perante seus leitores.

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