Tela falsa

Ministério Público investiga entrevistas de presos na TV

Autor

24 de maio de 2006, 16h09

O Ministério Público de São Paulo abriu nesta quarta-feira (24/5) Inquérito Civil para apurar entrevistas com supostos líderes do PCC, exibidas nas televisões entre 15 e 19 de maio, período em que o estado de São Paulo foi abalado por uma onde de ataques a pessoas e imóveis do sistema de segurança e de rebeliões em presídios.

“As notícias veiculadas na grande Imprensa, de que três emissoras de televisão, excedendo-se no direito de informação, teriam na semana de 15 a 19 de maio, veiculado falsas entrevistas ou falsas informações sobre a recente e lamentável onda de ataques, deflagradas pelo crime organizado (Primeiro Comando da Capital – PCC), cujo conteúdo é de veracidade duvidosa e com pesado apelo psíquico e emocional”, diz a portaria 11/06 de autoria da promotora Débora Pierre.

A portaria cita nominalmente os jornalistas Marcelo Rezende, da Rede TV e Roberto Cabrini da Rede Bandeirantes, além da Rede Record. A procuradora Débora Pierre foi quem investigou a fraudulenta entrevista com líderes do PCC veiculada pelo apresentador Gugu Liberato há dois anos.

A procuradora cita na portaria a “falsa entrevista” com Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola, apontado como o líder da organização criminosa Primeiro Comando da Capital, feita pelo jornalista Roberto Cabrini, da Rede Bandeirantes. Para ela “a responsabilidade do apresentador Roberto Cabrini e da própria Rede Bandeirantes deve ser apurada, pois ainda que a entrevista seja verídica, violaram norma legal que impede comunicação daqueles que se encontram em regime especial de retenção”.

No momento da entrevista, feita por telefone, Marcola estava detido no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes, sob Regime Disciplinar Diferenciado, no qual o preso é mantido incomunicável.

A procuradora cita também entrevista com outro suposto integrante do PCC conhecido como Macarrão, transmitida pelo |>Jornal da Noite da Rede Record, cujo apresentador não identifica. Ela se propõe também a apurar a responsabilidade do jornalista Marcelo Rezende na divulgação de “suposta orientação, que teria sido dada pela Polícia Militar para que os alunos de universidades fossem liberados em razão da segurança, o que causou grande pânico”

Leia a íntegra da Portaria 11/06

“Considerando as notícias veiculadas na grande Imprensa, de que três emissoras de televisão, excedendo-se no direito de informação, teriam na semana de 15 a 19 de maio, veiculado falsas entrevistas ou falsas informações sobre a recente e lamentável onda de ataques, deflagradas pelo crime organizado (Primeiro Comando da Capital – PCC), cujo conteúdo é de veracidade duvidosa e com pesado apelo psíquico e emocional.

Considerando os fortes indícios de que as emissoras de televisão e seus apresentadores tinham por objetivo, não o sagrado direito à informação, mas simplesmente elevar os pontos de audiência, incidindo em prática comercial abusiva, notadamente pelo impacto que os ataques causaram na cidade e nos cidadãos, impondo-lhes com essas entrevistas e falsas informações maior medo, pânico, enfim, comportamento prejudicial à sua segurança.

Considerando que o repórter Marcelo Rezende (Rede TV) deu falsas informações, segundo dito pela Oficial da Polícia Militar – Setor de Comunicação Social – a respeito da suposta orientação, que teria sido dada pela Polícia Militar para que os alunos de universidades fossem liberados em razão da segurança, o que causou grande pânico e congestionamento das linhas do 190.

Considerando ainda, que o apresentador Roberto Cabrini (Rede Bandeirantes) teria veiculado em seu programa Jornal da Band, falsa entrevista com um dos chefes do crime organizado conhecido pelo codinome Marcola.

Considerando também, que o referido líder do grupo estava em regime de incomunicabilidade, a veiculação da entrevista, além de ter causado perplexidade na sociedade já atingida em sua honra e moral, causou em cada um dos telespectadores medo e desamparo, notadamente porque o suposto entrevistado não deixou de ressaltar que os acontecimentos seriam amostra daquilo que poderia ser feito pelo grupo.

Além disso, a responsabilidade do apresentador Roberto Cabrini e da própria Rede Bandeirantes deve ser apurada, pois ainda que a entrevista seja verídica, violaram norma legal que impede comunicação daqueles que se encontram em regime especial de retenção.

Considerando-se ainda, que a Rede Record (apresentador a ser averiguado) no programa “Jornal da Noite” veiculou assemelhada entrevista com outro líder do referido grupo, conhecido pelo codinome “Macarrão”, incidindo nas mesmas práticas já referidas.

Considerando-se o fato de que o conteúdo da criação intelectual contribuiu para exacerbar o sentimento de assombro, indignação e de descrédito nas instituições, notadamente, as responsáveis pela segurança pública.

Considerando ainda, que o objeto social das empresas é a comunicação social e na sua atividade deve observância e respeito ao direito à integridade moral, erigido pela Constituição Federal como norma de valor fundamental (art. 5º., V e X).

Considerando igualmente, que não há somente direitos individuais violados e que ao Estado compete velar por prevenir e reprimir todo e qualquer ato ilícito.

Considerando do mesmo modo, que a REDE BANDEIRANTES, REDE RECORD e REDE TV, e os responsáveis pela condução dos programas citados, envolveram-se na prática do abuso do direito de informar e da liberdade de expressão assegurados às emissoras de televisão, em patente agressão aos princípios morais e éticos regentes da sociedade brasileira.

Considerando do mesmo modo, que também o direito dos consumidores foi erigido ao patamar constitucional e que consumidor não é somente aquele descrito no art. 2º da Lei Federal nº 8.078/90, mas também todas as vítimas de evento decorrentes de ato ou fato envolvendo relação de consumo, assim como, todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas comerciais (art. 29 do Código de Defesa do Consumidor), marcadamente aquelas consideradas hipossuficientes.

Considerando-se também a tendência crescente no sentido de considerar que, na atividade publicitária, consumidor não é apenas o indivíduo diretamente visado, mas todos os integrantes da sociedade atingidos pela prática comercial, especialmente quando demonstrada a respectiva abusividade, cujo rol exemplificativo encontra-se no art. 37, parágrafo 2º.do CDC.

Considerando-se outrossim, o fato de que as informações coletadas junto a Mídia denotam aumento dos percentuais de audiência em decorrência dessas veiculações, o que potencialmente ampliou e difundiu os efeitos econômicos favoráveis às empresas e aos apresentadores.

Considerando-se igualmente, que a Lei Federal nº 8.078/90 tutela não apenas a integridade econômica, mas, também – e principalmente – a incolumidade física e moral dos consumidores e também, que o escopo da ordem econômica, tem por razão última a proteção dos interesses dos consumidores, destinatários dos produtos e estes, por sua vez, o direito à indenização cabal dos prejuízos ou outras medidas que assegurem efetivamente seus interesses.

Considerando-se que as evidencias são fortes e demonstrativas da ilicitude e a imoralidade da conduta, tomada com intuito exclusivo de lucro e em benefício próprio, olvidando-se da sua importante função social, logrando violar, a um só tempo, vastíssimo rol de direitos fundamentais de milhões de pessoas integrantes da combalida sociedade brasileira.

Considerando-se ainda, que a forma adotada pelos envolvidos fere diversos princípios: dignidade da pessoa humana, a função social da comunicação de massa, confiança, veracidade, transparência, boa-fé objetiva, moralidade dentre outros.

Considerando finalmente, sem prejuízo da responsabilidade penal, que já se encontra em franca apuração, também compete ao Ministério Público à defesa dos direitos constitucionais e dos direitos coletivos e dentre eles os de milhões de consumidores, notadamente no sentido de buscar o ressarcimento dos prejuízos morais e patrimoniais.

Resolve instaurar o inquérito civil (art.106, “caput”, da Lei Complementar 734, de 26 de novembro de 1993, e art.8°, § 1°, da Lei 7347 de 24 de julho de 1985), para apurar devidamente os fatos e, posteriormente, se necessário, promover a competente Ação civil pública em face da empresa e dos responsáveis pela veiculação da referida entrevista, determinando, desde logo, as seguintes providências:

1. Registro e autuação da presente Portaria e dos documentos que a acompanham;

2. . Notifiquem-se as redes de televisão, os apresentadores indicados, para que no prazo de 10 dias apresentem suas respostas;

3. . Requisite-se da TV Record a fita contendo a entrevista ocorrida no Jornal da Noite, de 16 de maio de 2006

4. . Oficie-se ao Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (GAECO), solicitando-lhe informações necessárias a respeito dos fatos narrados.

5. . Oficie-se à Secretaria da Administração Penitenciária a respeito do que constar sobre as entrevistas que teriam sido feitas com os líderes da facção criminosa, conhecidos como Marcola e Macarrão.

6. . Oficie-se ao Comando da Polícia Militar para que possamos ouvir em audiência própria as declarações da Major Maria, Chefe interina do Setor de Comunicação Social daquela corporação,

7. . Oficie-se ao Ministério Público Federal na pessoa da Doutora. Eugenia Fávero, solicitando-lhe informações a respeito de eventual procedimento aberto em face dos fatos narrados;

8. . Cientifique-se o CENACON.

Deborah Pierri

Promotora de Justiça “

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!