A farsa

PEC da reforma tributária não passa de remendos ridículos

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4 de maio de 2006, 13h53

Mais uma semana está passando e a pauta de votações da Câmara dos Deputados continua “trancada” por não terem sido votadas três medidas provisórias, uma das quais permitindo à pessoa física descontar do Imposto de Renda a contribuição previdenciária relativa à empregada doméstica.

Enquanto isso, adia-se a discussão da Proposta de Emenda Constitucional 285, que os governistas resolveram apelidar de “mini reforma tributária”, supostamente destinada a colocar um fim na chamada “guerra fiscal” entre os estados. O ministro Tarso Genro, na semana passada, já havia pedido ao presidente da Câmara que a votação da PEC fosse apressada.

Mas quem é do ramo, quem vive no mundo real, está cansado de saber que não se pretende fazer qualquer reforma tributária, ainda que seja “mini” ou mínima. A questão tributária é, há muitos anos, uma grande farsa neste país, cujo governo, em todos os seus níveis e independente de quem esteja no poder, quer apenas uma coisa: aumentar tributos. O resto é conversa.

A tal PEC 285 é apenas um amontoado de asneiras. Seus três pontos fundamentais são: a unificação da legislação do ICMS, a criação de um Fundo de Desenvolvimento dos Estados e o aumento de um ponto porcentual na participação dos municípios na arrecadação do IPI e do Imposto de Renda.

Quando se fala em unificar a legislação do ICMS, na verdade o que se pretende é engessar os legisladores estaduais, que ficariam impedidos de fixar normas específicas para cada região do país. Isso pode acabar com o sistema federativo, na medida em que diminui ainda mais a competência das Assembléias Legislativas. Deputados estaduais, que já não legislam sobre quase nada, teriam ainda menos a fazer, transformando-se definitivamente em meros despachantes de luxo, a cuidar apenas de nomes de estradas, instituição de datas comemorativas e outras besteiras ainda mais insignificantes.

A legislação do ICMS é complicada. Mas as alterações da PEC 285 iriam criar mais confusões, quando, por exemplo, se trata de indenizar estados por incentivos fiscais de âmbito nacional, como é o caso das exportações.

O tal Fundo de Desenvolvimento dos Estados está mal formulado na PEC e pode criar mais confusão ainda.

Quando se fala em aumentar a participação dos municípios na receita do IPI, por exemplo, a farsa fica mais evidente. A arrecadação desse imposto está cada vez mais irrelevante, pois suas alíquotas tem sido reduzidas ao longo do tempo, ampliando-se ainda as isenções. Trata-se de um imposto federal que tem, basicamente, a mesma abrangência que um imposto estadual, o ICMS. Mas enquanto este foi se ampliando ao longo dos últimos anos, aquele foi se reduzindo.

A PEC, na verdade, não faz qualquer reforma, ainda que se possa denominá-la de “mini”. Faz, apenas, alguns remendos ridículos, deixando a cargo de futuras leis complementares regularem os seus pontos mais controversos.

Estamos num ano eleitoral, mas nem por isso os parlamentares podem imaginar que todos somos idiotas. O governo federal está no fim, aliás de forma melancólica, com boa parte da sociedade se sentindo traída. Se em mais de três anos não se cuidou senão de aumentar a carga tributária, não será agora que a reforma tributária, tão necessária, vai sair.

E a reforma tributária necessária é mais ou menos óbvia. Como o país precisa crescer, a carga de impostos deve ser reduzida, pois a atual, próxima de 40% do PIB, reduz substancialmente a capacidade de investimentos da sociedade. Claro que para reduzir impostos será necessário cortar despesas públicas. Mas não há qualquer indício de que isso esteja sendo estudado por qualquer dos poderes da República.

Outra questão fundamental numa reforma tributária verdadeira é a simplificação da burocracia a que os contribuintes se sujeitam. Disso também não há notícia nas propostas que tramitam no Congresso.

Mas, além de tudo, será necessário que se obtenha um mínimo de segurança jurídica para que as regras tributárias não sejam mudadas constantemente. A constante alteração das regras do jogo inviabiliza planos, inibe o progresso.

Como se sabe, no mundo todo, os impostos incidem apenas sobre patrimônio, renda e consumo. Um sistema tributário como o nosso, no entanto, comete verdadeiras heresias ao fazer incidir sobre uma mesma pessoa e ao mesmo tempo um imposto sobre o consumo e outro sobre o patrimônio. Isso acontece, por exemplo, quando se compra um automóvel, que está sujeito ao ICMS e ao IPI (impostos sobre o consumo) e também ao IPVA (imposto sobre o patrimônio).

Há muitos anos, estuda-se a fusão do IPI com o ICMS, excluindo-se da incidência os serviços, criando-se um verdadeiro Imposto sobre Valor Agregado. Com isso, o IPVA acabaria, o que poderia ajudar na renovação da frota automotiva do país, reduzindo a idade média dos veículos em circulação no país.

Todas essas questões, no entanto, não podem ser debatidas num clima de “fim de feira” , na base do improviso.

Para fazer uma “mini” reforma sem pé nem cabeça, destinada apenas a iludir prefeitos com mais uma pequena “esmola” que vai escorrer pelos ralos da incompetência e da burocracia que vigoram pelo país todo, é melhor deixar como está. Isso que se propõe hoje não é reforma, nem “mini”. É besteira e é uma “maxi” besteira.

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