Fazendo a corte

Como se escolhe um juiz do Supremo no Brasil e nos EUA

Autor

18 de janeiro de 2006, 11h21

Os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos estão enfrentando o mesmo desafio: escolher alguém para ocupar vaga aberta na corte máxima da Justiça. O ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso se aposenta compulsoriamente nesta quinta-feira (19/1). Na Suprema Corte, quem deixa a cadeira é a juíza Sandra O’Connor, que anunciou sua renúncia em julho de 2005. Teoricamente, as regras nos dois países são as mesmas: o presidente indica alguém e o Senado decide se aprova ou não. Na prática, existem notáveis diferenças nos dois sistemas de preenchimento do posto.

O sistema judiciário brasileiro foi inspirado no americano. O STF foi criado em 1890, um século depois da criação da Corte Suprema. A formação de ambos está expressa na Constituição de cada país — na americana, mais enxuta, e na brasileira, uma versão detalhada da americana. Na legislação dos Estados Unidos, não existem pré-requisitos para aquele que ocupará um lugar no tribunal máximo. Pela lei do Brasil, só pode chegar à instância máxima da Justiça o brasileiro nato que tiver entre 35 e 65 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada.

Na prática, o que se verifica é que, nem mesmo nos Estados Unidos, onde não existem pré-requisitos formais, o presidente ousa indicar alguém que não tenha o que aqui é chamado de notável saber jurídico. No Brasil, as únicas vezes que o Senado rejeitou uma indicação do presidente aconteceram quando foram indicadas pessoas cujo saber jurídico poderia ser questionado. Durante seu governo, o marechal Floriano Peixoto indicou um médico e três generais. Foram os únicos rejeitados pelos senadores até hoje.

Pela história dos tribunais supremos, percebe-se que tem sido uma tendência escolher quem tem formação jurídica. Hoje, todos os 11 ministros que integram o STF e os nove juízes que fazem parte da Corte Suprema são bacharelados em Direito. Ao contrário da Constituição do Brasil, a norte-americana não estabelece o número de juízes que devem ocupar o tribunal. Durante sua história, a Corte já teve de cinco a 10 ministros, até chegar no número nove.

Para produzir esta reportagem, a Consultor Jurídico contou com a colaboração do escritório Araújo e Policastro, que elaborou uma pesquisa sobre as diferenças entre a Corte Suprema e o STF. Também colaboraram com estudos e informações sobre o tema a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos e o advogado e professor de pós-graduação da Universidade Mackenzie João Antônio Wiegerinck.

Política

É demagogia dizer que as indicações para o STF não são ou mesmo que não deveriam ser políticas. Podem não ter a mesma intensidade que as americanas, mas há sim um caráter político nas indicações brasileiras. E nem poderia ser diferente, já que quem escolhe é um homem político. Inocência demais acreditar que o presidente não escolherá alguém cujos ideais lhe agrade. O que não significa que o escolhido defenderá ou terá a obrigação de defender os interesses do governo no tribunal.

À diferença do falso pudor brasileiro, em território norte-americano o teor político da escolha é escancarado e não é visto de uma maneira pejorativa. Além de a cultura ser diferente da brasileira, as disputas eleitorais são divididas entre apenas dois grandes partidos: o republicano e o democrata. As convicções de cada um são bem claras e distintas. Pelas qualidades e características do escolhido, não há como ignorar a qual partido ele agradará mais.

No Brasil, são 27 partidos, entre os mais influentes e os desconhecidos. Princípio e ideologias — quando existem — de cada um não são claros. Até os característicos ideais do PT viraram fumaça depois que o partido passou a ser situação e deixou de ser oposição. Por isso, fica difícil avaliar com qual partido o candidato para o Supremo simpatiza.

A influência do Executivo na composição da corte máxima do Judiciário é mais marcante nos Estados Unidos do que no Brasil. Lá, o presidente da República também escolhe o presidente da Corte Suprema.

Na corte americana, o cargo de presidente e de juiz é vitalício. Há a possibilidade de renúncia, aposentadoria ou impeachment (também possível no STF). Mas, em geral, os juízes ficam no tribunal até sua morte. Como não há idade mínima para integrar a Corte, os juízes podem permanecer mais de 40 anos no exercício da Justiça máxima. O mais novo escolhido para a Suprema Corte tinha 29 anos.

Aqui, o presidente do STF é escolhido por votação secreta, conforme determina o Regimento Interno do tribunal. No entanto, a tradição prevalece: os ministros sempre escolhem o ministro mais antigo no STF que não tenha presidido o tribunal ainda. O escolhido fica no cargo por dois anos. Aos 70 anos, os ministros são obrigados a se aposentar.

Há mais de 10 anos, o tribunal americano não tinha um novo integrante. E o último presidente da Corte permaneceu no cargo pro quase 20 anos. A renovação está acontecendo agora, com a morte do então presidente William Rehnquist, em setembro do ano passado, e a anunciada renúncia de Sandra Day O’Connor, em julho de 2005. Em setembro, John Roberts foi indicado por George W. Bush para ser o novo presidente da Corte, antes mesmo de assumir seu posto de juiz, na vaga aberta com a morte de Rehnquist. Está em curso a aprovação de Samuel Alito para substituir a juíza O’Connor.

No STF, a renovação é constante. Durante seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já nomeou quatro ministros: Eros Grau, Joaquim Barbosa (o primeiro negro a chegar ao Supremo), Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso. Com a aposentadoria de Velloso, a anunciada saída do ministro Nelson Jobim em março (atual presidente do Supremo) e a possível saída de Sepúlveda Pertence (possibilidade admitida por ele), Lula nomeará outros três ministros e se tornará o presidente que mais nomeou ministros para o Supremo em vigência da democracia.

O jogo de ilusão

Na onda de especulações no cenário político e jurídico brasileiro sobre quem ocupará a vaga de Velloso, a sociedade tem questionado o método de escolha estabelecido pela Constituição diante dos rumores de que Lula poderia escolher algum político do PT. Também neste caso, o questionamento é pouco pertinente. Em primeiro lugar, porque o presidente, Lula ou qualquer outro antes ou depois dele, naturalmente escolherá alguém com quem tenha afinidades, seja ele político ou não. Em segundo, porque cabe à oposição e à situação no Senado sabatinar o escolhido e analisar se a escolha foi boa ou não.

Em entrevista à Consultor Jurídico, o senador Jefferson Peres afirmou que a “a sabatina é ilusão”. Se de fato é, as críticas devem ser dirigidas aos senadores, que abdicam de um direito e um dever que a Constituição lhes reserva. Apesar das críticas ao método de escolha, a comunidade jurídica, a classe política e a sociedade são unânimes em afirmar que os ministros, em geral, são bem escolhidos.

O problema da sabatina é que não existem critérios objetivos. Fora a idade, os pré-requisitos definidos pela Constituição brasileira são vagos: notável saber jurídico e reputação ilibada. O saber pode ser comprovado pela publicação de livros, artigos, pelo bacharelado em Direito, entre outras coisas. A reputação também pode ser testada verificando os antecedentes e a vida pregressa do candidato.

Nos Estados Unidos, o jogo político é aberto. Existe a possibilidade de o indicado pelo presidente ser aprovado no primeiro dia, sem mais avaliações, desde que seja por unanimidade. Questões morais, opiniões políticas e pessoais, pontos de vista jurídicos são consideradas abertamente.

Na história americana, de cada cinco nomes indicados, quatro são nomeados. Das indicações não concretizadas, grande parte é rejeitada pelo Senado, algumas são retiradas pelo próprio presidente da República, outras são recusadas pelo escolhido e algumas poucas não são analisadas pelo Senado dentro do prazo e acabam caducando. No Brasil, apenas quatro indicados foram rejeitados em toda a história.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!