Deus lhe pague

Igreja Renascer é condenada por não cobrir cheque de empregada

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4 de janeiro de 2006, 10h53

A Igreja Apostólica Renascer em Cristo foi condenada a pagar indenização de R$ 50 mil por dano moral a uma ex-empregada. Motivo: a igreja pegou um cheque emprestado da trabalhadora, com a promessa de pagá-lo assim que fosse compensado. Como não cobriu o valor, a empregada teve seu nome incluído nos cadastros de restrição ao crédito, além de ser cobrada pelos credores no local de trabalho.

A indenização foi concedida pela 36ª Vara do Trabalho de São Paulo e confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Para os juízes, o empregador que não cumpre promessa assumida com empregado pratica lesão de dupla natureza: moral e material.

A decisão da 8ª Turma do TRT paulista foi unânime. Os juízes mantiveram a condenação da Igreja Renascer para pagar indenização à ex-empregada no valor de R$ 50.400,00. Cabe recurso.

Segundo os autos, a trabalhadora prestava serviço à igreja como ajudante geral. A direção pediu que a empregada emprestasse alguns cheques, com a promessa de ressarcimento. O acordo não foi cumprido e o nome da trabalhadora acabou no rol de devedores. Testemunhas confirmaram que o pagamento de despesas com cheques de empregados era praxe da igreja.

O juiz Rovirso Aparecido Boldo, relator do recurso no TRT paulista, entendeu que mais grave que a requisição dos cheques, é a “promessa não cumprida de que a empresa proveria fundos para fazer frente às despesas, sujeitando os empregados a constantes situações de cobrança no local de trabalho”.

Para o relator, a Igreja Renascer, “detentora de notória capacidade financeira, proprietária de canais de televisão e emissoras de rádio (CPC, art. 335), não se peja em dizer que não se ‘vislumbra nos autos a prova da ocorrência de prejuízos de ordem material e moral’ sofridos pela trabalhadora”.

“A compra a crédito constitui realidade do trabalhador assalariado, e a inserção do seu nome em órgãos de controle financeiro traduz medida que restringe, inclusive, a aquisição de bens de primeira necessidade, tais como, os alimentícios”, observou o juiz.

RO 02048.2003.036.02.00-2

Leia a íntegra da decisão

Recurso Ordinário

Recorrente: Igreja Apóstolica Renascer em Cristo

Recorrido: Risoneide da Silva Ribeiro

Origem: 36ª Vara do Trabalho de São Paulo

EMENTA: PAGAMENTO DE DESPESAS DA EMPRESA COM CHEQUES DO EMPREGADO. PROMESSA DE PROVISÃO DE FUNDOS NÃO CUMPRIDA. INSERÇÃO DO NOME DO TRABALHADOR EM ÓRGÃOS DE CONTROLE FINANCEIRO (BANCO CENTRAL, SERASA, SPC). DANO MORAL E MATERIAL CONFIGURADOS. A constatação de que despesas correntes da empresa eram pagas com cheques solicitados dos empregados, sob a falsa promessa de posterior provisionamento de fundos, sujeitando o trabalhador a constantes cobranças de credores no local de trabalho, bem como a inserção no cadastro de inadimplentes, importa lesão de dupla natureza, tanto moral como material.

A compra a crédito constitui realidade do trabalhador assalariado, e a inserção do seu nome em órgãos de controle financeiro traduz medida que restringe, inclusive, a aquisição de bens de primeira necessidade, tais como, os alimentícios. O aspecto imaterial da lesão se constata pela repercussão desses fatos na auto-estima do trabalhador, tanto no meio social em que vive, como em razão da boa reputação que tenta manter à custa de seu trabalho.

Contra a sentença que julgou procedente em parte o pedido, recorre a ré argüindo a nulidade da sentença por julgamento ultra petita. No mérito, alega que não há prova do trabalho em mais de 30 feriados durante o contrato de trabalho; que o dano moral e material não restou comprovado; que a autora não estava sujeita à jornada normativa de 08 horas para fazer jus ao piso da categoria; que o reconhecimento de vínculo empregatício elide o pagamento de indenização por seguro-desemprego; que não há elementos de convicção acerca da dispensa imotivada; que os pedidos deferidos não se referem às cláusulas normativas apontadas, e que multa normativa é devida ao sindicato convenente.

Contra-razões da autora às fls. 138/144.

Manifestação do Ministério Público do Trabalho à fl. 146.

V O T O

Presentes os pressupostos de admissibilidade (fls. 134/135), conheço do recurso.

Feriados em dobro

A insistência da ré quanto ao suposto julgamento além do pedido beira à má-fé. A sentença é clara o bastante ao expressar o deferimento do pagamento em dobro dos feriados trabalhados, seguido da expressão “postulado na exordial” (fl. 109). Provocado em embargos de declaração, o Juiz reitera que a limitação do dispositivo estava fixada na fundamentação (fl. 120). Tudo muito claro e sem qualquer risco de excedimento na extensão da reparação.

Dano Moral

A fidelidade em relação aos documentos juntados à inicial traduz matéria sobre a qual se operou a preclusão, pois a defesa se limitou a negar que houvesse prova da requisição de cheques pela ré (item 60, fl. 99), restando silente quanto à idoneidade dos documentos. Nesse contexto, a ação de cobrança ajuizada em face da autora e da ré (fls. 17/18), seguida do mandado de citação (fl. 21), ratifica a afirmação da testemunha de que o pagamento de despesas ordinárias com cheques de empregados constituía praxe da reclamada (Marines do Santos, fl. 87). Situação que mais se agrava pela promessa não cumprida de que a empresa proveria fundos para fazer frente às despesas, sujeitando os empregados a constantes situações de cobrança no local de trabalho (Marines do Santos, fl. 87).

A ré, detentora de notória capacidade financeira, proprietária de canais de televisão e emissoras de rádio (CPC, art. 335), não se peja em dizer que não se “vislumbra nos autos a prova da ocorrência de prejuízos de ordem material e moral sofridos pela recorrida” (fl. 128).

A autora é trabalhadora de modesta qualificação profissional (ajudante geral) e a inserção de seu nome em órgãos de restrição de crédito (fl. 14), justamente pela dívida assumida em nome da ré (fl. 18), tem efeitos nefastos em seu meio social.

Diante de tal quadro, R$ 50.400,00 reflete valor que não expressa por completo a reparação e o caráter repressivo coerente com os fatos narrados, seja em razão da indesejável reverberação na vida da trabalhadora, seja pelo procedimento da ré em pagar despesas próprias com cheques de empregados; todavia, diante do princípio da inércia e proibição da reformatio in pejus, impõe-se sua manutenção.

Diferenças Salariais

A alegação de que a autora estava sujeita à jornada ordinária de 6 horas é novidade em sede recursal, da qual não conheço, eis que a defesa, nesse tópico, negou a existência de diferenças salariais por não configurado o vínculo empregatício (item “g”, fl. 95).

Rescisão contratual

Reconhecida a relação de emprego, estava a cargo da ré a prova dos fatos, cuja materialização documental seria essencial. A autora manteve contrato de mais de três anos (09/02/00 a 03/10/2003). Assim, a submissão do pedido de demissão ou recibo de quitação às formalidades legais era requisito de validade (CLT, art. 477, § 1º). Em face da omissão, verossímil a alegação da autora de que a extinção do contrato teve a iniciativa da ré.

Quanto ao argumento de que o reconhecimento de vínculo empregatício não gera direito à indenização, exsurge a desconsideração do descumprimento de uma obrigação pela ré (ausência de registro na CTPS). Essa omissão não pode servir de escusa para o não pagamento das verbas rescisórias a tempo e modo, bem como a entrega regular dos documentos bastantes para que o ex-empregado aufira o seguro-desemprego. As cominações se justificam em razão do risco assumido pela defesa em atribuir natureza diversa à relação originariamente trabalhista.

Multas Normativas

O questionamento quanto ao beneficiário das multas normativas desconsidera o conteúdo das cláusulas que se dividem em regras jurídicas e contratuais. Aquelas, “geram direitos e obrigações que irão se integrar aos contratos individuais de trabalho das respectivas bases representadas”; estas “criam direitos e obrigações para as respectivas partes convenentes” (Maurício Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho, Ed. LTR, 2002, p. 1361). Assim, ao se estabelecer piso salarial (cláusula 2ª), cesta básica (cláusula 4ª), vale-refeição (cláusula 5ª) ou horas extras com adicional de 100% (cláusula 6ª, fls. 22/23), a parte prejudicada por eventual descumprimento não pode, nem por hipótese, ser o sindicato, senão os trabalhadores representados. O mesmo não ocorre nas cláusulas que fixam o prazo para recolhimento das contribuições sindicais (cláusula 53ª) ou da contribuição confederativa dos empregadores (cláusula 56ª, fl. 28).

A ré tem razão, contudo, quanto ao número de cláusulas infringidas, uma vez que a condenação não versa sobre a concessão da cesta básica (cláusula 4ª), vale-refeição (cláusula 5ª, fl. 22), nem dispensa por justa causa (cláusula 33ª, fl. 26) limito, pois, as multas normativas pelo descumprimento de três cláusulas (2ª, 3ª e 6ª).

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso para limitar as multas normativas pelo descumprimento de três cláusulas normativas (reajuste normativo, piso salarial e pagamento de horas extras).

Mantenho o valor da condenação.

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

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