Vigilância permanente

Empresa pode vasculhar computador usado por empregado

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26 de fevereiro de 2006, 7h00

É direito e dever do empregador manter vigilância sobre tudo o que acontece no local de trabalho, inclusive vigiar os computadores usados pelos funcionários. Com base neste entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) aceitou como prova válida de falta grave e-mails e documentos encontrados em computador da empresa.

Uma assistente de importação e exportação da Kenpack Soluções em Embalagens entrou com processo na 2ª Vara do Trabalho de Diadema (SP), sustentando que seriam ilícitas as provas apresentadas pela empresa para justificar sua demissão por justa causa.

De acordo com a ação, uma testemunha presenciou a reclamante recebendo um “fax suspeito”. Interpelada, ela teria se recusado a mostrar ou explicar o teor do documento. Ao examinar um computador de sua propriedade, a Kenpack encontrou arquivos comprovando que a assistente repassou informações sigilosas a um ex-empregado, que trabalhava para empresa concorrente.

A assistente foi demitida por justa causa por cometer “falta gravíssima, contrariando expresso dispositivo do contrato de trabalho, avençado por escrito”, tendo repassado segredos comerciais para a concorrência.

A Justiça de primeira instância entendeu que as provas foram obtidas “com flagrante desrespeito ao comando constitucional que protege o sigilo das comunicações” e determinou que a Kenpack pagasse todos as verbas e indenizações devidas nas demissões sem justa causa. A empresa, então, recorreu ao TRT-SP.

Segundo o juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do recurso no tribunal, a empresa tem o “direito-dever de manter vigilância sobre tudo o que acontece no local de trabalho. Até porque poderá responder por eventuais ações de seus empregados e que atinjam terceiros”.

Para Almeida, “o empregador pode vigiar, impedir e punir as atitudes inconvenientes. Confere-se esse direito de vigiar porque existe o conflito de dois interesses: o individual e o coletivo. E entendo que nesses casos o coletivo tem de ser privilegiado”.

Para ele, ao vasculhar o computador utilizado por seu empregado, a empresa não quebra o sigilo de correspondência, “até porque, a rigor, tanto o computador como os assuntos nele armazenados eram de propriedade da reclamada”.

A 1ª Turma do TRT-SP, por unanimidade de votos, acompanhou o juiz Bolívar de Almeida “para considerar justa a demissão tendo em vista a gravidade da falta cometida pela reclamante”. A decisão vai ao encontro da recente jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Ano passado, a 1ª Turma do Tribunal decidiu que o empregador pode monitorar as mensagens enviadas a partir do e-mail de trabalho.

Leia a íntegra da decisão do TRT-SP

RO 02771.2003.262.02.00-4

RECURSO ORDINÁRIO DA 02ª VT DE DIADEMA.

RECORRENTE: KENPACK SOLUÇÕES EM EMBALAGENS LTDA.

RECORRIDO: MICHELI GALARDI DE MENESES.

EMENTA: “Não se constitui prova fraudulenta e violação de sigilo de correspondência o monitoramento pelo empregador dos computadores da empresa. E-mail enviado a empregado no computador do empregador e relativo a interesses comerciais da empresa não pode ser considerado correspondência pessoal. Entre o interesse privado e o coletivo de se privilegiar o segundo. Limites razoáveis do entendimento do direito ao sigilo. Apelo provido.”

R E L A T Ó R I O

Inconformada com a r. sentença de fls. 140/142 que julgou procedente a reclamação trabalhista recorre a Reclamada pela via ordinária às fls. 147/163, sustentando que a r. sentença deva ser reformada e reconhecida a justa causa para a rescisão. E indeferido as verbas rescisórias, a multa por atraso no pagamento, a expedição de ofício ao Ministério Público, tendo em vista não haver qualquer irregularidade para que haja a intervenção deste.

Feito instruído, conforme ata de fls. 60/62, com depoimento pessoal da Reclamante e de duas testemunhas, uma convidada pela Autora e outra pela Ré. Encerrada instrução processual. Juntados documentos com a inicial e com a defesa.

Custas processuais e depósito recursal pela Reclamada, comprovado seu recolhimento às fls. 164/167. Prazo e valores corretos.

Tempestividade das razões do recurso, também observada.

Regularmente intimada a Reclamante apresentou contra-razões às fls. 170/173 a tempo e modo.

Procuração acostada às fls. 07 pelo Autor e fls. 144 pela Ré.

Dispensada remessa dos autos ao douto Ministério Público do Trabalho para atuação como custus legis, por não configuradas nenhuma das hipóteses do Provimento 01/2005 da CGJT.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do recurso. Bem feito e aviado preenchendo, assim, os pressupostos de admissibilidade.

V O T O

Dou provimento ao apelo da Reclamada.

A uma, é meu entendimento que a correspondência não particular, referente aos negócios do empregador e dirigida aos funcionários da empresa pertence, também, à própria empresa. É seu direito-dever manter vigilância sobre tudo o que acontece no local de trabalho. Até porque poderá responder por eventuais ações de seus empregados e que atinjam terceiros. E qualquer que seja a forma de comunicação. Correspondência particular é aquela dirigida ao empregado – e não à empresa – e tenha como conteúdo assuntos que somente dizem respeito aos missivistas. O que não é, certamente, a hipótese do presente processo.

A duas, os meios modernos de comunicação, fax, e-mails e outros, usados de forma errada podem ocasionar graves danos. E têm a qualidade de rápida propagação da comunicação. Diversas listas de internet já foram processadas, até mesmo pelo Ministério Público, tendo-se em consideração ofensas ou proselitismo criminoso. O direito à privacidade e ao sigilo não pode ser exercido contra a sociedade. Ou por uns indivíduos contra outros. Até porque a internet é pública e permite vazamento, provocado ou ocasional, de seu conteúdo. Não se pode afirmar taxativamente que exista segurança absoluta de sigilo nesse moderno e eficiente meio de comunicação. Ademais é cediço na doutrina e na jurisprudência que o empregador pode vigiar, impedir e punir as atitudes inconvenientes, como ofensas, sites pornográficos, ameaças, etc., provenientes do uso indevido dos computadores por seus empregados. E se confere esse direito de vigiar porque que existe o conflito de dois interesses. O individual e o coletivo. E entendo que nesses casos o coletivo tem de ser privilegiado.

O caso em espécie é de descoberta acidental pelo empregador que a Autora cometera falta gravíssima, contrariando expresso dispositivo do contrato de trabalho, avençado por escrito, e repassava segredos comerciais da Reclamada para empresa concorrente. A testemunha da Reclamada presenciou a chegada de um fax suspeito, interpelou a Autora que se recusou a responder, e, então, xerocopiou o documento e o submeteu aos superiores. A Reclamada providenciou a abertura do computador de sua propriedade e que era de uso de outro funcionário, que se demitira da empresa, e comprovou a comunicação e entrega de segredos comerciais pela Autora a esse não mais empregado. Estabeleceu-se, fartamente, o conluio entre os dois em prejuízo da Reclamada. Autorizada pela quebra de confiança a Ré considerou justificada a demissão. E de fato o foi. O computador era da Reclamada e de uso exclusivo para os seus negócios. As informações obtidas eram relativas aos negócios da empresa. Não foi usado qualquer meio próprio, ou violento para a obtenção das provas que incriminavam a Reclamante. Apenas foi aberto o computador devolvido por força da demissão do outro participante na ação. Nada, pois, que autorizasse, como entende a r. decisão que reformo, estar a Reclamada agindo de forma ilícita. E nem ética. Muito menos quebrado o sigilo legal da correspondência pessoal da Autora. Na exuberância da fundamentação teríamos que a quebra do sigilo empresarial somente pode se dar com autorização judicial. Mas, não é o fato. Não existe quebra de sigilo porque o assunto era comum ao empregador e ao empregado. Com o raciocínio do absurdo, na suspeita de disparatada ação de um seu empregado, não poderia a empresa prevenir e evitar uma ocorrência séria, como agressão ou morte praticada por ação desatinada. A Reclamante era uma funcionária diferenciada. Como assistente de importação e exportação detinha conhecimentos de segredos estratégicos e táticos da empresa. E tinha compromisso expresso de sigilo. E de tanto não se preocupou ao ceder, sem permissão, os dados que dispunha em razão do cargo ocupado.

A r. decisão que reformo não considera que os fatos alegados em defesa não são verdadeiros. Apenas afirma que as provas foram obtidas com flagrante desrespeito ao comando constitucional que protege o sigilo das comunicações. Assim, o desfecho da lide está circunscrito a se decidir se o empregador pode, ou não, utilizar a correspondência negocial, não a privada, existentes no local de trabalho, na defesa de seus interesses. E se a abertura de um computador da empresa se constitui em quebra de sigilo de correspondência. Entendo que pode ser usado e que não se constitui quebra de sigilo. Até porque a rigor, tanto o computador como os assuntos nele armazenados eram de propriedade da Reclamada.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra dou provimento ao apelo da Reclamada para considerar justa a demissão tendo em vista a gravidade da falta cometida pela Reclamante, agravado com a responsabilidade decorrente do alto cargo que ocupava. E julgo totalmente improcedente a ação.

Custas em reversão pela Autora, no valor já determinado.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

01/12/2005

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