Atraso dos papéis

Advogado de Ivo Noal acusado de falso testemunho é absolvido

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4 de dezembro de 2006, 19h16

O advogado Newton Azevedo, de São Paulo, foi absolvido da acusação de falso testemunho num dos processos contra Ivo Noal, seu cliente. A sentença que o declarou inocente transitou em julgado em julho de 2004.

Azevedo foi denunciado pelo Ministério Público Federal de São Paulo por falso testemunho em novembro de 2000. Ele, que atuou como advogado de Ivo Noal, acusado de envolvimento com o jogo do bicho e de sonegação fiscal, foi chamado a depor como testemunha do seu cliente. Em juízo, garantiu que não existia qualquer autorização judicial para a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Noal. Como testemunha, ele não podia mentir e, para o MPF, o que disse foi uma mentira: a quebra dos sigilos fora autorizada em junho de 1994.

O despacho autorizando a quebra, no entanto, ficou perdido em algum canto. Só foi anexado aos autos 19 de abril de 2000, dois meses depois do depoimento de Azevedo. O MPF levou o caso à 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo e Azevedo se viu alvo de ação penal. De instância a instância, Azevedo foi até o Supremo Tribunal Federal para pedir que a ação contra ele fosse trancada. Mais uma tentativa frustrada.

Os argumentos de Azevedo não convenceram a relatora na 1ª Turma do STF na época, a ministra Ellen Gracie. Para ela, se houve ou não o falso testemunho é uma questão que deveria ser apurado na ação penal, com a análise de provas. Acompanhada pela maioria dos ministros, Ellen Gracie ainda se disse não sensibilizar com o possível atraso (de seis anos) do cartório para juntar a autorização da quebra dos sigilos no processo. “Eu não consigo acreditar só na palavra dele de que nunca tenha tido qualquer ciência”, disse a ministra.

Essa palavra também não serviu para embasar a decisão do juiz Silvio Luís Ferreira da Rocha, da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo. O que Rocha considerou para absolver Newton foram os fatos. Até 11 de abril de 2000, não há provas de que a autorização da quebra dos sigilos tenha sido juntada ao processo. Portanto, não há provas de que o advogado-testemunha de Ivo Noal soubesse disso.

O juiz também levou em conta a irrelevância jurídica da informação. “Não há possibilidade de ordem verbal determinando a quebra do segredo bancário e fiscal, de modo que ou a ordem existe e está documentada ou ela não existe e, conseqüentemente, não se encontra fundada em documento, não se prestando o depoimento da testemunha para elucidar essa questão.”

O MPF recorreu da sentença ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O recurso foi negado pela 5ª Turma do TRF-3. Em julho de 2004, enfim, transitou em julgado. Dessa acusação, Newton Azevedo é inocente.

Veja a decisão

Quinta Vara Criminal Federal

Ação Penal – autos n° 2000.61.81.006918-1

Réu: NEWTON AZEVEDO

Vistos.

Relatório

Ministério Público Federal, no uso de suas atribuições, ofereceu denúncia, recebida em 9 de novembro de 2000 (fls.15-16), contra NEWTON AZEVEDO — brasileiro, casado, advogado, RG n.° 4.308.173 —, na qual acusa-o de cometer o crime descrito no artigo 342, § 1°, do Código Penal, porque, no dia 18 de fevereiro de 2000, nesta cidade e Subseção Judiciária de São Paulo, na Sala de Audiências da Oitava Vara Criminal Federal, onde se encontrava presente a Excelentíssima Juíza Federal, Doutora Adriana Pileggi de Soveral, o ora acusado, então na qualidade de testemunha de defesa de Ricardo Noal, réu nos autos do processo n.° 98.0101635-3, prestou declaração falsa ao dizer, espontaneamente, que não havia qualquer decisão judicial autorizando a quebra de sigilo bancário e fiscal de Ricardo Noal, quando, na verdade, havia decisão judicial nesse sentido.

O réu foi citado (fls.23, verso), interrogado (fls.27-30) e apresentou defesa prévia (fls.32-48).

Não foram arroladas testemunhas pelas partes.

Ministério Público Federal, na fase prevista no artigo 499 do Código de Processo Penal requereu expedição de ofício ao Tacrim e oitiva, como testemunhas do Juízo, do Delegado Diretor do Dipo e do Promotor de Justiça que acompanhou toda a investigação realizada, o que foi deferido e, depois, negado em decisão de reconsideração (fls.83-84).

Com a vinda da resposta ao ofício expedido (fls.101-105), as partes apresentaram alegações finais.

O Ministério Público Federal pediu fosse a ação penal julgada procedente (fls.107-110). Disse ter restado comprovado que as afirmações feitas pelo réu foram inverídicas, eis que rechaçadas pelos documentos que instruem a ação penal e que demonstram que houve decisão judicial determinando a quebra do sigilo bancário e fiscal de Ricardo Noal. Para o parquet, a versão de que o réu apenas tomou conhecimento da decisão da quebra de sigilo bancário em 19 de abril de 2000, com a juntada naqueles autos da referida decisão, está em desacordo com as demais provas carreadas aos autos. O réu atuou como advogado de Ricardo Noal nos autos que tramitaram perante a Justiça Estadual, desde a fase do inquérito policial, sendo de seu total conhecimento a existência de decisão judicial que autorizava a quebra do sigilo bancário e fiscal de seu cliente. Não é crível, prossegue o Ministério Público Federal, que o réu, como advogado, desconhecesse um fato tão importante como este.

O réu em suas alegações finais pediu fosse a ação julgada improcedente (fls.113-127). Alegou, em seu favor, a atipicidade da conduta, pois, quando ouvido em juízo, ainda não havia sido juntado aos autos a decisão que determinara a quebra do sigilo bancário e fiscal de Ricardo Noal, e cujo conteúdo o réu desconhecia. Portanto, não mentiu em juízo. Disse, ainda, que a decisão que decretou a quebra de sigilo bancário e fiscal foi declarada nula pela magistrada que tomou o seu depoimento, o que demonstra que as suas palavras não tiveram qualquer relevância jurídica para o deslinde do caso.

Os autos vieram conclusos para sentença.

Fundamentação

Ricardo Noal foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 1°, I, da Lei n° 8.137/90, por quatro vezes, perante a Oitava Vara Criminal Federal, acusado de, nos anos de 1992, 1993, 1994 e 1995, ter suprimido o pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Física – IRPF, referente aos anos-base 1991, 1992, 1993 e parcialmente 1994 (f1.37). A denúncia teria se baseado em elementos investigatórios realizados pela Justiça do Estado de São Paulo nos autos do processo 177/97, que apurou a participação de Ricardo Noal e outras pessoas nos ilícitos de “jogo do bicho”, contrabando de armas e tráfico de entorpecentes.

A defesa do réu Ricardo Noal sustentou a inexistência de ordem judicial autorizando o levantamento do segredo bancário e fiscal dos dados do acusado, e arrolou como testemunha o réu, NEWTON AZEVEDO, que teria atuado como advogado de Ricardo Noal naquele procedimento.

Em juízo, como testemunha de defesa, Newton Azevedo, declarou:

“… que tem certeza de que não houve qualquer autorização judicial para quebra do sigilo bancário e fiscal dos envolvidos” (f1.11).

O réu NEWTON AZEVEDO, para o Ministério Público Federal, teria cometido o crime de falso testemunho, pois o sigilo bancário e fiscal de Ricardo Noal foi levantado em 10 de junho de 1994, pelo Meritíssimo Juiz de Direito Corregedor do Departamento de Inquéritos Policiais, que, no ofício do Delegado de Polícia Diretor, representando pela quebra do sigilo bancário e fiscal, teria exarado a decisão:

” Defiro. Providencie-se” (fl.07).

O réu NEWTON AZEVEDO, por sua vez, defende-se com o argumento de que o referido ofício somente foi juntado nos autos do processo crime 177/97 em 19 de abril de 2000 (f1.06), portanto em data posterior ao seu depoimento judicial, de modo que não prestou falso testemunho, pois, até então, não sabia da existência da referida ordem levantando o segredo sobre os dados bancários e fiscais de Ricardo Noal.

O ofício de f1.06 (1543/2000/reservado), datado de 11 de abril de 2000, encaminhou ao Juiz que cuida do processo que tramita na Justiça Estadual cópia da decisão que determinou a quebra de sigilo bancário e fiscal do denunciado Ricardo Noal.

Embora o segredo sobre os dados bancários e fiscais de Ricardo Noal tenha sido levantado em 10 de junho de 1994, por decisão proferida pelo então Magistrado Diretor do Departamento de Inquéritos Policiais, não há provas nos autos de que o referido ofício tenha sido juntado no processo que tramitou na Justiça Estadual em data anterior a 11 de abril de 2000. Também não há provas nos autos de que o réu NEWTON AZEVEDO tinha conhecimento da existência da decisão que quebrara o sigilo bancário e fiscal de Ricardo Noal, o que permitiria concluir que ele, ao depor em juízo, teria mentido. As datas do ofício e da respectiva juntada militam em favor da tese de que NEWTON AZEVEDO não sabia que havia sido ordenada a quebra do sigilo bancário e fiscal de Ricardo Noal.

Além disso, o testemunho de NEWTON AZEVEDO, a respeito da inexistência de ordem judicial autorizando o levantamento do segredo dos dados fiscais e bancários de Ricardo Noal, era absolutamente irrelevante para o deslinde da causa, na medida em que, se houve a ordem, ela, por ser escrita, deveria estar documentada. Deveria haver, como de fato havia, documento que a comprovasse. Assim como o possível falso testemunho não incidiu sobre circunstância juridicamente relevante, não houve crime. Colhe-se de Julio Fabbrini Mirabete o seguinte ensinamento:

Para que se caracterize o crime de falso testemunho é necessário que a falsidade verse sobre circunstância juridicamente relevante, de modo que impossibilite ou dificulte a atividade judiciária em sua finalidade de aplicar corretamente a lei. Se o depoimento falso em nada pode influir na decisão da causa, se não há possibilidade de prejuízo, se não há potencialidade lesiva, não há crime de falso testemunho.

Insisto nesse ponto: não há possibilidade de ordem verbal determinando a quebra do segredo bancário e fiscal, de modo que ou a ordem existe e está documentada ou ela não existe e, conseqüentemente, não se encontra fundada em documentos, não se prestando o depoimento de testemunha para elucidar essa questão. Logo, o depoimento incidiu sobre circunstância juridicamente irrelevante, já que a dúvida somente poderia ser dirimida com a requisição e exibição da ordem que determinara a quebra do sigilo bancário e fiscal.

Portanto, a ação penal deve ser julgada improcedente.

Dispositivo

Posto isso, julgo improcedente a ação penal movida pelo Ministério Público Federal contra NEWTON AZEVEDO —, brasileiro, casado, advogado, RG n° 4.308.173 — para absolvê-lo da acusação de estar incurso nas penas do artigo 342, § 1°, do Código Penal, com fundamento nos artigos 386, III e VI, do Código de Processo Penal.

Transitada em julgado, arquivem os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 7 de março de 2003.

SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA

Juiz Federal

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