Liberdade da imprensa

Rede Globo não tem de indenizar medalhista brasileiro

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7 de setembro de 2005, 12h42

A imprensa, valendo-se de direito constitucionalmente assegurado, presta relevante serviço público ao levar e difundir junto à população notícias e informações de seu interesse. Com esse entendimento, o juiz Marco Aurélio Paioletti Martins Costa, da 27ª Vara Cível Central de São Paulo, negou pedido de indenização de Francisco Alava Ugarte contra a Rede Globo de Televisão. Ugarte pratica tiro esportivo e foi medalhista dos Jogos Pan-Americanos de 2003.

O esportista entrou com o pedido por causa de reportagem veiculada pela emissora no Jornal Nacional, nos dias 30 e 31 de julho de 1997. Ugarte alegou que foi difamado e que fatos ofensivos à sua reputação lhe foram imputados. Na reportagem, o atirador aparecia como comerciante “da morte sem barulho”, que vendia “ilegalmente silenciadores” de armas de fogo e que “com rapidez e perícia montava a morte silenciosa”. De acordo com a notícia, num “cofre secreto de sua empresa” foi encontrado “grande estoque de metralhadoras montadas e prontas para serem vendidas”.

Segundo Ugarte, a reportagem afirmava que ele estava sendo procurado por “comércio ilegal de silenciadores” e que sua documentação seria confusa, pois “num documento o exército o autorizava a montar armas e, em outro, o desautorizaria, com o argumento de que o projeto de metralhadoras nunca havia sido aprovado”.

A Rede Globo, representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, do escritório Camargo Aranha Advogados Associados, alegou na defesa que as reportagens jornalísticas trouxeram diversas entrevistas com fabricantes e distribuidores de armas legais e ilegais, com o intuito de mostrar como e quem opera com e sem autorização dos órgãos competentes.

A emissora agiu dentro dos limites da liberdade de imprensa constitucionalmente garantida e se limitou a filmar o esportista com uma micro-câmera, quando este atendia uma pessoa que se fazia passar por interessado na compra de silenciadores. Assim, a emissora não poderia se responsabilizar por declarações prestadas pelo próprio autor e depois desmentidas.

A Rede Globo também sustentou que a utilização de micro-câmera é procedimento jornalístico plenamente legal e ético, que tem em vista o interesse social.

De acordo com o juiz Martins Costa, a emissora, se utilizou do direito de informação constitucionalmente assegurado e “veiculou notícia acerca de venda ilegal de armas, baseada em informações obtidas junto aos órgãos competentes para proceder à investigação. Sendo que não foi proferida pelos repórteres da requerida, nenhuma ofensa gratuita ao autor”.

Para o juiz, não ficou caracterizada culpa da parte da Rede Globo, “que se valeu de informações obtidas junto às autoridades policiais, sem qualquer pré-julgamento”.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

JUIZ DE DIREITO DA 27ª VARA CÍVEL CENTRAL

PROC. Nº 000.03.093835-0 (1704)

VISTOS.

Francisco Alava Ugarte propôs Ação de Reparação de Danos Morais pelo rito Ordinário em face de Rede Globo de Televisão, através da qual o autor pretende a condenação da ré, no pagamento de indenização por alegados danos morais e materiais, em razão de veiculação de matéria difamatória.

Aduz o autor que, a empresa ré, veiculou no programa “Jornal Nacional”, dos dias 30 e 31 de julho de 1997, reportagens que difamaram o autor, imputando-lhes fatos ofensivos a sua reputação, tendo infringido o artigo 21, caput da Lei de Imprensa.

Que as matérias, afirmavam que o autor, antigo sócio gestor da pessoa jurídica Indústria e comércio de Máquinas e Peças Bilbao Ltda, vendia “a morte sem barulho”, vendia “ilegalmente silenciadores”, que “com rapidez e perícia montava a morte silenciosa”, que teria tido um “cofre secreto de sua empresa aberto”, onde foi encontrado “grande estoque de metralhadoras montadas e prontas para serem vendidas”, que ele estaria sendo procurado por “comércio ilegal de silenciadores”, bem como que a sua documentação seria confusa, pois “num documentos o exército lhe autorizava a montar armas e, em outro, o desautorizaria, com o argumento de que o projeto de metralhadoras nunca havia sido aprovado”.

Que, diante de tais acusações, foi instaurado processo criminal contra os jornalistas, Eduardo Faustini e Antônio Ferreira, que culminou com a procedência da acusação, contra o primeiro, reconhecida pelo Tribunal de Alçada Criminal, o animus difamandi, que porém foi declarada a extinção da punibilidade pela ocorrência de decadência e quanto ao segundo, ocorreu a prescrição pela demora na conclusão de diligências.

Por outro lado, o inquérito instaurado pela Polícia Federal, para apuração do suposto crime cometido pelo autor, teve seu arquivamento requerido pela Procuradoria da República, que foi acolhido pela Juíza Federal.

Que não ocorreu a decadência, com relação ao presente feito, pela inaplicabilidade do artigo 56 da Lei de Imprensa.

Aduz ainda que, em razão da ofensa, seus devedores passaram a não respeita-lo e deixaram de quitar suas dívidas.

Citada, a ré apresentou contestação (fls. 100/115), onde aduz que as matérias jornalísticas trouxeram diversas entrevistas com fabricantes e distribuidores de armas legais e ilegais, com o intuito de mostrar como e quem opera com e sem autorização dos órgãos competentes; que a requerida não agiu fora dos limites da liberdade de imprensa constitucionalmente garantida e que se limitou a filmar o autor através de uma micro-câmera, quando este atendia terceira pessoa que se fazia passar por interessado na compra de silenciadores, não podendo se responsabilizar por declarações prestadas pelo próprio autor e depois desmentidas.

Que a utilização de micro-Câmera é procedimento jornalístico plenamente legal e ético, tendo em vista os fins colimados e que a requerida não agiu senão com a única intenção de narrar fatos de interesse social, excluída a vontade de ofender (animus injuriandi), utilizando-se de seu direito de livre manifestação, constitucionalmente garantido.

Veio réplica (fls. 118/120), onde o autor impugnou os termos da defesa apresentada pela ré.

Realizou-se audiência de conciliação, instrução e julgamento (19.04.04 – fls. 136/144), onde foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo autor.

Houve audiência de continuação, realizada na data do dia 16.12.2004, a qual foi redesignada para o dia 19.07.2005, onde foi ouvida uma testemunha do autor.

As partes apresentaram alegações finais escritas.

É o relatório.

DECIDO.

Afasto a preliminar suscitada pela ré em sua contestação, posto que não ocorreu a prescrição. O prazo prescricional, aqui tratado, deve ser contado, tendo como termo a quo, a entrada em vigor do Novo Código Civil e não como feito pela ré.

Faz-se necessária a improcedência da demanda. Com efeito, o autor não demonstrou o animus difamandi, com o qual teria atuado a requerida na veiculação de reportagem.

A requerida, utilizando-se de seu direito constitucionalmente assegurado, de informação, veiculou notícia acerca de venda ilegal de armas, baseada em informações obtidas junto aos órgãos competentes para procederem à investigação. Sendo que não foi proferida pelos repórteres da requerida, nenhuma ofensa gratuita ao autor.

O tênue limite que separa o direito de informação, com o direito à intimidade, à vida privada e a honra, foi efetivamente observado pela requerida. Acrescente-se a isto, o fato de que o autor, por diversas vezes foi procurado pela ré, através do repórter (fls. 188), em sua residência e também no escritório, para ouvir suas declarações, porém sem obter êxito.

Nesta linha investigativa, presta, a requerida, nobre propósito de levar e difundir junto à população, notícias e informações, de valorosa utilidade.

Diga-se, irrelevante o fato do inquérito policial, que investigava a venda ilegal de armas, ter sido arquivado (fls. 65/68), pois o foi por insuficiência de provas e não por ausência materialidade do crime ou de sua autoria, o que vincularia o Juízo na esfera Cível.

Não ficou caracterizada a culpa da ré, que se valeu de informações obtidas junto às autoridades policiais, sem qualquer pré-julgamento.

Acresce a isto, o fato de que a requerida, através da captação de imagens com a utilização de micro-câmeras, se valeu de imagens onde o próprio autor, vendia armas a pessoa que se fazia passar por interessada, e ainda, dava declarações de que as vendia para a polícia.

Isto Posto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a ação de Reparação de Danos Morais pelo rito ordinário. Arcará a autora, com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da ação. Transitada em julgado arquivem-se os autos.

Publique-se, registre-se e intimem-se, cumpra-se.

São Paulo, SP, 23 de Agosto de 2005.

MARCO AURELIO PAIOLETTI MARTINS COSTA

Juiz de Direito

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