Comentário genérico

Justiça rejeita ação de delegado da PF contra rádio CBN

Autor

4 de setembro de 2005, 10h04

Apenas fatos graves, que causam sofrimento duradouro, podem ser reparados com indenização por danos morais. Com esse entendimento a juíza Claudia Lúcia Fonseca Fanucchi rejeitou o pedido de indenização e extinguiu a ação do delegado de Polícia Federal André Luiz Previato Kodjaoglanian contra a rádio Excelsior, razão social da rádio CBN.

O motivo da ação foi o programa “Liberdade de Expressão” que foi ao ar no dia 15 de fevereiro deste ano. Na ocasião, ao discutir o assassinato da freira Dorothy Stang, o comentarista Carlos Heitor Cony afirmou: “A Polícia Federal é um cancro na vida nacional. A verdade é essa, não é? O que a gente sabe da Polícia Federal é que, quando não é ineficiente, ela é corrupta. Então, realmente, não dá nenhuma garantia”.

A rádio CBN, representada pelo advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, do escritório Camargo Aranha Advogados Associados, apresentou contestação, argüindo, em preliminar, a ilegitimidade ativa do delegado, que estaria agindo como verdadeiro representante de entidade de classe. Segundo a defesa, a legitimidade para propor a ação caberia à Fenapef — Federação Nacional dos Policiais Federais.

No mérito, alegou que o comentarista Carlos Heitor Cony agiu amparado pelo interesse coletivo e direito constitucional de crítica e livre manifestação do pensamento. Disse que os comentários foram vinculados ao contexto fático que estava sendo discutido e fiel à triste realidade do país.

De acordo com a juíza, “o autor pode ter experimentado aborrecimento em decorrência do aludido comentário. Tal fato, porém, não tem a gravidade extrema que causaria danos morais”. Ela afirmou, ainda, que caso o delegado tivesse razão, toda crítica tecida a respeito de determinada classe profissional geraria danos morais a todos os seus integrantes.

No dia 15 de agosto passado, o juiz Clóvis Ricardo de Toledo, da 19ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, rejeitou ação de um grupo de delegados contra a CBN sobre a mesma questão, defendendo que as ações por dano moral não podem ser banalizadas.

Leia a íntegra da sentença

P O D E R J U D I C I Á R I O

SÃO PAULO

41ª VARA CÍVEL CENTRAL

Processo nº 000.05.050636-6

Vistos.

ANDRÉ LUIZ PREVIATO KODJAOGLANIAN, qualificado à fl. 03, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais em face de RADIO EXCELSIOR LTDA, igualmente qualificada à fl. 03. Alegou, em síntese, que é Delegado de Polícia Federal, sendo que, no programa “Liberdade de Expressão”, levado ao ar em 15/02/2005, o comentarista Carlos Heitor Cony fez agressões aos policiais federais do país, indistintamente, reputando-os ineficientes e corruptos. Em razão disto, sofreu danos morais. Explicitou textos normativos, doutrina e jurisprudência. Com esses e outros fundamentos, pleiteou pela procedência da ação, condenando-se a Ré no pagamento de indenização, a título de danos morais, na publicação da sentença, em meio de comunicação que for indicado pelo Autor, bem como nos ônus da sucumbência (fls. 03/12). Veio esta peça acompanhada de documentos (fls. 13/19).

Citada (fl. 40), a Requerida apresentou contestação, argüindo, em preliminar, a ilegitimidade ativa do Requerente, que estaria agindo como verdadeiro representante de entidade de classe. A eventual legitimidade caberia à Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF). No mérito, aduziu, em resumo, que o comentarista Carlos Heitor Cony agiu amparado pelo inegável interesse coletivo e direito constitucional de crítica e livre manifestação do pensamento. Os comentários foram vinculados ao contexto fático que estava sendo discutido e fiel à triste realidade do país. Invocou textos normativos, doutrina e jurisprudência. A indenização por danos morais seria incabível, bem como a publicação da sentença pleiteada pelo Autor. Com esses e outros fundamentos, requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa, ou, no mérito, a improcedência da ação, condenando-se o Requerente nos ônus da sucumbência (fls. 42/59). Veio esta peça acompanhada de documentos (fls. 60/69).

Houve réplica (fls. 71/78) e tréplica (fls. 131/139).

É a síntese do necessário.

Fundamento e decido.

Trata-se de ação de indenização por danos morais pela qual o Autor, Delegado de Polícia Federal, aduz que sofreu danos morais em decorrência de declaração afirmada em programa de rádio da Ré.

Oportuno e conveniente o julgamento da lide no estado, dentro do livre arbítrio traçado no art. 130 do Código de Processo Civil, sendo desnecessária à solução da lide maior dilação probatória. Passo, assim, ao julgamento antecipado do feito, de acordo com o artigo 330, do Código de Processo Civil.

Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa.

Como é evidente, as condições da ação devem ser aferidas de acordo com os fatos narrados, em tese, na petição inicial. Assim, o Requerente tem direito de se socorrer do Judiciário se afirma, teoricamente, que sofreu um dano moral, que teria sido causado pela Ré. Portanto, possui legitimidade para buscar a reparação.

O mais alegado é matéria de mérito, que passo a analisar.

Pelo que consta nos autos, o comentário levado ao ar pela Ré, que teria causado dano moral ao Autor, é o seguinte, como narrado na inicial (fl. 04): “…ela é ineficiente em todo o Brasil… A Polícia federal, ela é um cancro na vida nacional. A verdade é essa, não é? O que a gente sabe da Polícia Federal é que quando não ineficiente, ela é corrupta. Então, realmente, não dá nenhuma garantia”.

Como se denota de tal comentário, não houve nenhuma afirmação direta ao Autor. Trata-se de crítica à Instituição Polícia Federal, como um todo, não havendo ataques pessoais ou diretos.

Assim, inconsistente a afirmação do Requerente que teria sofrido danos morais.

Os aborrecimentos sofridos por ele não têm gravidade suficiente para causarem tal espécie de dano.

É pressuposto da existência destes a turbatio animi. No ensinamento de CARLOS ALBERTO BITTAR, consiste nas “perdas valorativas internas ou externas, ou seja, repercussões negativas na consciência, ou na sociedade ou no mundo fático, ocorridas na posição do lesado” (“Reparação Civil por Danos Morais”, 1ª ed., 1.993, pág. 36, Revista dos Tribunais).

Assim, apenas fatos graves, que ofendem seriamente a alma humana, causam danos morais. Trata-se de fatos causadores de sofrimento duradouro.

Ora, não se pode afirmar a existência de tal sofrimento devido a um comentário jornalístico que não diz respeito diretamente à pessoa.

O Autor pode ter experimentado aborrecimento em decorrência do aludido comentário. Tal fato, porém, não tem a gravidade extrema que causaria danos morais.

Ressalte-se que, caso o Requerente tivesse razão, toda crítica tecida a respeito de determinada classe profissional ensejaria danos morais a todos os seus integrantes. Não é razoável que isto ocorresse.

Percebe-se que o comentário não é hábil para causar marca permanente na esfera psíquica de alguém. Não causa nenhum sofrimento extremo e duradouro à pessoa humana.

Sua reputação ilibada jamais foi posta em dúvida de forma concreta.

Nada se alegou de concreto a esse respeito; não foram descritos fatos determinados a esse respeito, devidamente delimitados no tempo e no espaço. Em verdade, como já dito, o comentário não se referiu diretamente ao Requerente, de maneira clara e objetiva.

Dessa forma, os fatos narrados pelo Autor na inicial foram aborrecimentos sem gravidade suficiente para implicarem turbatio animi.

Ademais, nota-se que o conteúdo da matéria encontra-se em linguajar compatível com o que se exige da imprensa em um Estado Democrático, não podendo ser considerado ofensivo à honra e moral do Requerente, que possui sua vida particular, suas atitudes e sua conduta, não afetadas pelas declarações descritas acima.

A este respeito, já se decidiu que “linguajar jornalístico cáustico apropriado à ênfase na exposição de um ponto de vista. Tratamento de fatos com rigor, utilizando-se do jargão pertinente que não traduzem abuso do poder de imprensa” (AC nº 232.167-1, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator o Des. Walter Theodósio, citado por Rui Stoco, in Responsabilidade Civil, pág. 467, Editora RT).

É o quanto basta para se rejeitar a pretensão do Requerente.

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE esta ação de indenização por danos morais que ANDRÉ LUIZ PREVIATO KODJAOGLANIAN, qualificado na inicial, moveu contra RADIO EXCELSIOR LTDA, igualmente qualificada na exordial.

Condeno o Autor no pagamento das despesas processuais, reajustadas do desembolso, e honorários advocatícios, fixados em 20% (vinte por cento) do valor da causa, atualizado desde a distribuição, de acordo com o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil. Em conseqüência, JULGO EXTINTO o processo, na fase de conhecimento, com fundamento no artigo 269, I, do mesmo diploma processual.

P. R. I. C. e, oportunamente, arquivem-se.

São Paulo, 02 de agosto de 2005.

Claudia Lúcia Fonseca Fanucchi

Juíza de Direito Titular

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!