Cheque sem fundo

Nahas terá de pagar R$ 4 milhões a corretora da bolsa

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24 de novembro de 2005, 17h01

O empresário Naji Nahas terá de devolver à Walpires Corretora de Câmbio Títulos e Valores aproximadamente R$ 4 milhões do cheque sem fundo que usou para pagar em 1989, ações compradas na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Na época, a operação quebrou a bolsa e abalou o mercado financeiro em todo o país. A decisão é da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve integralmente a sentença de primeira instância.

Nahas apelou ao TJ alegando não responder pelo débito já que não dera ordem escrita para operações na bolsa. Disse não constar na sua ficha cadastral a validade para ordens verbais e que quem deveria responder pelo débito, se houvesse, seria a Corretora Progresso que assumiu a responsabilidade por qualquer débito oriundo das operações.

De acordo com os desembargadores da 4ª Câmara do TJ paulista, a autorização verbal para venda e compra na bolsa é legítima e procedimento de praxe do mercado. “Tal como bem decidido pela digna Juíza sentenciante, as operações em bolsa de valores prescindem de prova escrita e são feitas, pela agilidade do próprio processo, de forma verbal”, afirmou o relator do caso, desembargador Maia da Cunha.

Os desembargadores J.G.Jacobina Rabello, Carlos Teixeira Leite e Natan Zelinschi decidiram, ainda, que a dívida de Nahas não pode ser transferida a outra pessoa jurídica. “No que tange à responsabilidade da Progresso S/A também não tem razão o apelante”. Nahas fazia suas operações em nome da empresa, “circunstância que não tem o condão de invalidar as operações feitas em seu nome pessoal. Tal circunstância está longe de caracterizar a assunção de dívida pessoal do apelante, como bem reconhecido pela r. sentença apelada”. Representou a Walpires o advogado Amadeu Amaral de França Pereira.

Leia o acórdão

Cobrança. Corretora de Câmbio e Valores. Autorização verbal para venda e compra que se aceita e que se torna legítima pela reiteração de operações semelhantes há mais de dois anos. Praxe do mercado e uso entre os litigantes. Dívida do réu não transferida a outra pessoa jurídica. Correção monetária que deve ser aplicada desde o vencimento para não ocasionar prejuízo pela corrosão da moeda em tempo de inflação alta e diária. Lei 6899/91 que só veio formalizar e legalizar a jurisprudência existente naquela ocasião. Procedência bem determinada. Agravo retido e apelação improvidos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 263.646-4/1, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Nagi Roberto Nahas sendo apelada Walpires S/A Corretora de Câmbio, Títulos e Valores:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao apelo.

Leia o voto do relator

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença, cujo relatório se adota, que julgou procedente ação de cobrança, sustentando o réu apelante, em suma, além de apreciação e acolhimento do agravo retido para anular o processo por cerceamento de defesa, que não responde pelo débito cobrado por não ter dado ordem escrita para a realização das operações em bolsa, nem constar da sua ficha cadastral a validade para ordens verbais, e, que de todo modo quem deveria responder pelo débito, se houvesse, seria a Corretora Progresso que assumiu a responsabilidade por qualquer débito oriundo daquelas operações. Afirma, ainda, que a correção monetária somente poderia incidir a partir da Lei nº 6899/91.

Este é o relatório.

O agravo retido não merece provimento.

Confessadamente o laudo do assistente foi anexado aos autos fora do prazo, motivo pelo qual não estava o Magistrado obrigado a determinar a sua manutenção nos autos. O laudo do assistente, ou outra prova documental qualquer, juntado intempestivamente, pode ou não permanecer nos autos por ordem do juiz que preside o feito. Se não precisa ser considerado no julgamento, sob pena de não existir prazo para juntada do laudo, então motivo também não há para que fique no processo.

O apelo também não pode ser provido.

A r. sentença, da lavra da eminente Juíza de Direito, Dra. Cláudia de Lima Menge, com propriedade, discernimento e correta análise da prova, bem apreendeu e decidiu as questões controversas, ficando os seus fundamentos expressamente adotados como razão de decidir.

Os fatos remontam a 1989, quando o réu, por conta de um milionário cheque sem fundos, levou pânico e apreensão nas bolsas de valores, fato que ficou conhecido na época e ainda hoje é lembrado como o “caso Nahas”.

A ação é de cobrança e a alegação de que as operações não foram autorizadas por escrito ou verbalmente não se sustenta. Tal como bem decidido pela digna Juíza sentenciante, as operações em bolsa de valores prescindem de prova escrita e são feitas, pela agilidade do próprio processo, de forma verbal. O apelante firmou com a autora contrato para a realização de operações no mercado de opções, em que era conhecido por ser um dos maiores investidores individuais, bem como possuía ficha cadastral na corretora autora, a indicar que era seu cliente e que as opções e ordens de compra e venda era feitas verbalmente, segundo a praxe das operações de venda e compra de papeis e ações.

A assertiva de que a autorização estaria sujeita à menção da ficha cadastral, conforme o disposto no art. 1o da Instrução CVM 33, anexo IX, não procede. A ficha cadastral do apelante era de 1987, a significar que por dois anos operou com a ré mediante autorizações verbais, não havendo razão jurídica suficiente para que o costume e a praxe não valham apenas no momento em que é cobrado o débito resultante daquelas operações. Importante notar que a ficha está sem preenchimento no local apropriado (fls.22), e é lícito supor que se encontra a autora embuída de boa fé, ou então teria preenchido a ficha que se encontrava em seu poder para que dela constasse a autorização verbal.

Nessa linha de entendimento a jurisprudência já assentou que: “INTERMEDIÁRIO DE NEGÓCIO – Corretora de valores – Autorização verbal para realização de negócios por intermédio da empresa de corretagem – Atos negociais ratificados pela continuidade da prática de semelhantes ao longo do tempo de duração do mandato, segundo o estilo e uso do comércio” (STJ – AgRg. no AI nº 6.418 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Dias Trindade – J. 19.12.90 – DJU 25.02.91 – RT 672/225 – in Jurid XP, 15a Ed, Ementário Cível, Vol II).

No que tange à responsabilidade da Progresso S/A também não tem razão o apelante. A verificação do documento de fls. 24 revela apenas que o apelante autorizou a ré pudesse fazer as suas operações em nome daquela corretora, circunstância que não tem o condão de invalidar as operações feitas em seu nome pessoal. Tal circunstância está longe de caracterizar a assunção de dívida pessoal do apelante, como bem reconhecido pela r. sentença apelada.

A correção monetária, por outro lado, foi determinada corretamente pela r. sentença. A Lei nº 6899/91 veio apenas legalizar o que a jurisprudência antes já aceitava pacificamente, isto é, que a atualização da dívida, independentemente da distinção doutrinária sobre ser de valor ou de dinheiro, fosse feita a partir do momento em que devida, o que se decidia para evitar o enriquecimento ilícito do devedor em virtude da inflação que corroia o valor da moeda diariamente.

E mais não é necessário aduzir para a confirmação da r. sentença apelada, inclusive pelos seus próprios e bem deduzidos fundamentos.

Pelo exposto é que o meu voto nega provimento ao agravo retido e ao apelo e mantém, na íntegra, a r. sentença apelada.

Presidiu o julgamento o Desembargador J.G.Jacobina Rabello e dele participaram os Desembargadores Teixeira Leite (2º Juiz) e Natan Zelinschi (3º Juiz).

São Paulo, de novembro de 2005.

MAIA DA CUNHA

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