Direito de defesa

Ação não pode ser julgada sem ouvir testemunhas do acusado

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8 de junho de 2005, 20h30

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu liminar para suspender o andamento de um processo penal perante a 2ª Vara Federal Curitiba até que se decida sobre o pedido de Habeas Corpus apresentado pelo advogado Alberto Zacharias Toron. Para Toron, a competência para o julgamento do caso é da Justiça Federal de São Paulo.

Na decisão, o ministro Celso de Mello manifestou preocupação quanto à alegação do advogado de que o juiz paranaense já estaria para julgar o caso sem aguardar a produção de provas e depoimentos do acusado.

“O Estado não pode inverter a ordem ritual do processo penal de conhecimento, procedendo ao julgamento da causa penal com supressão da fase essencial da instrução probatória, notadamente no que se refere à inquirição das testemunhas arroladas pelo acusado”, afirmou o ministro.

Celso de Mello ressaltou que “o direito à prova traduz momento de expressiva concreção da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório”.

Leia a íntegra da decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 85.796-5 PARANÁ

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): SAMUEL SEMTOB SEQUERRA

PACIENTE(S): JAN SIDNEY MURACHOWSKY OU JAN SIDNEY MURACHOVSKY

IMPETRANTE(S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Cabe assinalar, na linha da jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria (RTJ 147/962, v.g.), que a outorga de provimento cautelar, em sede de “habeas corpus”, pressupõe a cumulativa ocorrência de dois (2) requisitos essenciais: de um lado, o “fumus boni juris”, evidenciado pela relevância jurídica da pretensão deduzida pelo impetrante, e, de outro, o “periculum in mora”, consistente na inevitabilidade ou irreversibilidade do dano resultante de eventual retardamento na efetivação da prestação jurisdicional.

O exame da presente impetração põe em evidência a relevância da fundamentação jurídica nela exposta, o que permite reconhecer a presença, na espécie, do pressuposto concernente ao “fumus boni juris”.

Impende verificar, portanto, para efeito da tutela cautelar ora postulada, se também concorre, no caso, o requisito pertinente ao “periculum in mora”.

Os ilustres impetrantes, com esse intuito, assim buscaram demonstrar, na espécie, a configuração objetiva desse pressuposto necessário ao deferimento da medida liminar pleiteada (fls. 26):

7.5. O ‘periculum in mora’ se reveste no fato de a ação penal estar sendo processada por autoridade manifestamente incompetente e que, embora não tenha qualquer justificativa para tanto, encerrou a instrução processual açodadamente (doc. 24), antes de ouvidas as testemunhas de defesa cuja designação no Juízo deprecado está marcada para os próximos dias 6, 7 e 08 de junho (doc. 25).

7.6. Com efeito, sem que as testemunhas de defesa tivessem sido ouvidas, o magistrado inicialmente apontado como coator, abriu vista para fins do artigo 499, do CPP, suprimindo a possibilidade de a defesa ouvir suas testemunhas, como se o que já houvesse, ou seja, apenas a prova produzida pela acusação fosse suficiente, numa clara demonstração de pré-julgamento do feito.

7.7. É por isso que o gravame que pesa sobre os pacientes é indiscutível. A ação penal chega ao seu fim e, caso a liminar não seja concedida, será julgada sem que este Excelso Pretório possa afirmar ou não a sua competência.

7.8. Eminentes Ministros, a concessão da medida liminar além de preservar os pacientes da ilegalidade a que estão sendo submetidos, não trará qualquer prejuízo à ação penal em discussão. Veja-se que são vários os delitos imputados e extenso o prazo prescricional. Ademais, toda a prova documental colhida pela Força Tarefa de Curitiba já se encontra juntada aos autos, não havendo qualquer prejuízo à colheita da prova. De outra parte, o prejuízo aos pacientes em serem julgados em uma ação penal eivada de nulidade em razão do desrespeito ao juiz natural, é manifesta.” (grifei)

Não obstante a norma inscrita nos §§ 1º e 2º do art. 222 do CPP, de um lado, e a jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 582/390 – RT 600/366), inclusive a desta Suprema Corte (RT 552/445), de outro, cumpre resguardar, em sua plenitude, a integridade da garantia constitucional do direito de defesa, em cujo alcance concreto compreende-se o direito do réu de apenas ser julgado, por seu juiz natural (RTJ 169/557 – RTJ 179/378-379 – HC 81.963/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO), depois que lhe tenha sido assegurada a possibilidade de produzir, dentre outros elementos de convicção, prova testemunhal em favor de seus interesses penais, muito embora – como todos sabemos – não caiba, ao acusado, provar sua própria inocência (RTJ 143/306-307 – RTJ 161/264-266 – RTJ 180/262-264).

Ao fazer tal observação, tenho presente, no contexto ora em exame, lapidar advertência constante do v. acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em passagem que vale transcrever, ante o seu indiscutível acerto: (…) CONFLITO ENTRE NORMA PROCESSUAL PENAL E NORMA CONSTITUCIONAL.

É evidente o cerceamento de defesa do apelante, pois nem norma processual penal expressa, como a dos §§ 1º e 2º do art. 222 do CPP, pode sobrepor-se ao princípio constitucional da amplitude da defesa, ainda que em nome da celeridade da instrução do processo de réu preso. Provimento de recurso. Decretação de nulidade do processo. Unânime.”(RJTJERGS 151/155, Rel. Des. NILO WOLFF – grifei)

Isso significa, portanto, que o Estado, tratando-se de “persecutio criminis”, não pode inverter a ordem ritual do processo penal de conhecimento (RT 542/458 – RT 600/427), procedendo ao julgamento da causa penal com supressão da fase essencial da instrução probatória, notadamente no que se refere à inquirição das testemunhas arroladas pelo acusado.

Em suma: o direito à prova — tal como assinala o magistério da doutrina (ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à prova no processo penal”, 1997, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 196/209, itens ns. 7.4 e 7.5, 2ª ed., 2004, RT; ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “Garantias Processuais nos Recursos Criminais”, p. 128/129, item n. 2, 2002, Atlas) — traduz momento de expressiva concreção da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório.

Por tais razões, e tendo em consideração, ainda, as alegações constantes da impetração, no ponto que concerne à caracterização do “periculum in mora” (possibilidade de prosseguimento da causa penal antes da devolução da carta precatória expedida para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa – v. fls. 26, itens ns. 7.5 a 7.8), defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o andamento do Processo-crime nº 2004.70.00.021778-1, ora em tramitação perante a 2ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba/PR (Seção Judiciária do Estado do Paraná).

A presente medida liminar não impedirá o regular cumprimento das cartas precatórias expedidas para efeito de inquirição das testemunhas arroladas pelos réus, ora pacientes.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de Curitiba/PR (Processo-crime nº 2004.70.00.021778-1), ao E. TRF/4ª Região (HC nº 2004.04.01.038321-3/PR) e ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.985/PR).

Publique-se.

Brasília, 6 de junho de 2005.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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