Subfaturamento nas importações

Ações fiscalizatórias não têm resultado prático na arrecadação

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13 de julho de 2005, 16h23

Mais uma vez a imprensa divulga, agora em relação a uma loja de artigos de luxo, que estariam sendo realizadas importações com indícios de subfaturamento “para pagar menos impostos”. Desta vez uma empresária, conhecida no país inteiro, foi detida pela Polícia Federal, por suspeita de sonegação.

Vivemos num Estado Democrático de Direito, razão pela qual preocupa-nos a possibilidade de que, mais uma vez, o Fisco possa laborar em equívoco, lavrando autos de infração de grandes proporções, caso não leve em conta certas regras básicas que norteiam a atividade tributária. Pode ser que, para criar desnecessária repercussão na mídia , fortalecer reinvidicações salariais de funcionários ou mesmo desviar a atenção do povo de outras questões, algumas autoridades se vejam tentadas a criar ações fiscalizatórias de grande repercussão na mídia e nenhum resultado prático na arrecadação.

Há poucos anos, diversas empresas importadoras, especialmente no ramo automotivo, foram acusadas de “subfaturamento” nas suas operações. Lavraram-se alguns autos de infração e uma determinada empresa, contra a qual se exigiam impostos e multas de cerca de US$ 300 milhões, conseguiu demonstrar a ilegalidade e os inúmeros erros da autuação, tendo a exigência sido afastada já no primeiro julgamento, na esfera administrativa.

Se há erros no caso de veículos importados, cujo preço de mercado pode ser conhecido com muita facilidade no mundo inteiro, parece-nos que avaliar ou arbitrar valor “de mercado” para confecções, acessórios ou jóias seja quase impossível, até porque há nessas mercadorias valores agregados de difícil quantificação, relacionados com as respectivas marcas ou “grifes”.

Um automóvel Mercedes é um automóvel Mercedes, aqui ou em qualquer lugar. Mas certos artigos de luxo têm preços diferenciados não só em função da marca ou “grife” que trazem de fábrica, mas também do lugar onde são vendidos no varejo. Eu mesmo comprei um relógio certa vez, com nota fiscal e tudo, numa loja do centro da cidade, pela metade do preço que me pediram num “shopping”. A loja da cidade não me “subfaturou”, mas apenas deixou de cobrar os custos que não tem por ser uma loja simples, administrada pelo próprio dono e seus familiares, localizada num prédio modesto.

O subfaturamento, seja na importação ou nas operações de mercado interno, passa, necessariamente, por duas etapas: primeira, o conluio que deve existir entre o adquirente e o fornecedor; segunda, a prova de que aquele tenha pago a este uma diferença entre o valor real da operação e o valor “subfaturado”.

Já observamos casos em que não havia qualquer prova razoável, seja do conluio, seja do pagamento da diferença. E, como é curial, cabe ao Fisco fazer a prova dos fatos que alega, não podendo a autuação basear-se em meros indícios ou presunções. Nesse sentido, há inúmeras decisões tanto de tribunais administrativos quanto judiciais, podendo ser citadas as seguintes:

“Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário.”

( 2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, acórdão 51.841, in “Revista Fiscal” de 1970 , decisão nº 69).

“Processo Fiscal – Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida.” (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in “Resenha Tributária” nº 8)

Invariavelmente, as autuações relacionadas com “subfaturamento” são precedidas de diversas diligências realizadas, sem que delas o contribuinte autuado tenha sido previamente notificado. Nesses casos, as provas assim obtidas podem ser questionadas, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, ordena que:

“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O chamado “princípio do contraditório e ampla defesa”, consubstanciado no dispositivo constitucional acima transcrito, não se compadece com qualquer mecanismo de procedimentos em que atos processuais se realizem sem a presença do acusado e sem que se lhe permita contraditar testemunhas ou “depoentes”.

A questão das diligências fiscais, ou “investigações” como gostam de usar os agentes do Fisco, está regulada no Código Tributário Nacional, cujo artigo 196 é bem claro:

“Art. 196 – A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.

Parágrafo Único – Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo.”

Aliás, caso o Poder Público insista em diminuir as possibilidades da defesa administrativa, seja reduzindo instâncias, seja condicionando o recurso a garantias, poderá, sendo tais questões levadas ao Judiciário, sofrer perdas enormes, caso seja condenado à sucumbência. Isso para não se falar na possibilidade (de que ninguém ainda se valeu) de vir o contribuinte injustamente autuado pleitear indenizações pelos prejuízos que a ação errada do Fisco possa lhe causar.

Isso demonstra que as tais “investigações” que o Fisco estaria realizando em relação a empresas acusadas de “subfaturamento” devem seguir normas legais específicas, sob pena de não terem nenhum valor.

Além disso, a empresa que possui contabilidade em ordem, amparada em documentação formalmente válida, tem a seu favor a presunção de legitimidade da escrituração, presunção essa que não se pode afastar com meras diligências administrativas unilateralmente produzidas.

A jurisprudência tem decidido que :

“Os esclarecimentos prestados pelo contribuinte só poderão ser impugnados pelos lançadores com prova clara ou indício veemente de falsidade ou inexatidão.” (TRF-5ª T., AC 52828-SP , em 5/10/81, DJU 12/11/81)

O Primeiro Conselho de Contribuintes , órgão de Segunda instância do Ministério da Fazenda , pela sua 2ª Câmara, em 6/5/81, no acórdão nº 102-18219 (DOUde 24/8/81) decidiu da mesma forma:

“PRESTAÇÃO DE ESCLARECIMENTOS – Os esclarecimentos prestados só poderão ser impugnados pelos lançadores com elemento seguro de prova ou indício veemente de falsidade ou inexatidão (decreto-lei n.5844/43, art. 79, parágrafo 1º ).

Diante de tudo o que foi exposto, qualquer empresa que esteja sendo acusada de “subfaturamento” nas suas importações deverá lançar mão de todos os mecanismos de defesa de que disponha, não podendo aceitar lançamentos baseados em meras suposições, indícios ou presunções.

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