Crime organizado

Juiz autoriza grampo na imprensa a pedido da Polícia e MP

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11 de dezembro de 2005, 3h34

O sistema de monitoramento telefônico do governo do Estado do Espírito Santo, conhecido como Guardião, foi utilizado para interceptar telefonemas de jornalistas e funcionários da Rede Gazeta (afiliada da Globo que compreende também a rádio CBN local e o jornal A Gazeta), em abril deste ano. A notícia foi divulgada neste final de semana pelos próprios veículos atingidos. O número central (PBX) do edifício onde funciona o grupo de comunicação foi informado à justiça como sendo de uma empresa de fachada.

Segundo A Gazeta, as interceptações foram autorizadas pela 4ª Vara Criminal de Vila Velha e prorrogadas com aval do desembargador Pedro Valls Feu Rosa. Elas seriam utilizadas no processo de investigação do assassinato do juiz Alexandre Martins. No entanto, a autorização contraria a Constituição — que garante ao jornalista manter a fonte em sigilo. O desembargador divulgou uma nota dizendo ter sido induzido a erro pelo Ministério Público e pela polícia. O fato de o grampo não só ter sido mantido como ter sido provocado leva à crença de que o alvo da interceptação era mesmo a imprensa.

Segundo o secretário de Segurança do estado, a troca dos números foi uma tentativa do crime organizado de desestabilizar toda apuração séria feita na investigação para descobrir quem matou o juiz capixaba Alexandre Martins. Pelo menos é que está publicado no site da Gazeta.

O pedido do grampo foi assinado no dia 23 março deste ano, pela delegada Fabiana Maioral e pelos promotores Ivan Soares de Oliveira Filho e Marcelo Zenkner. Documentos obtidos pela Rede Gazeta mostram um relatório do Núcleo de Repressões às Organizações Criminosas, informando o número central da Rede Gazeta — que foi grampeado — como sendo de uma empresa de fachada utilizada pelo traficante Fernando de Oliveira Reis, o Fernando Cabeção, já condenado pela justiça por ter intermediado a morte do juiz Alexandre.

Apesar de constar no relatório como sendo um telefone da empresa de fachada conhecida como Telhauto, o número telefônico é de propriedade da Rede Gazeta e da central de celular para as ligações recebidas e feitas pela Rede. Desta forma, fica evidente que todos os telefonemas recebidos e feitos por jornalistas das redações da Rádio CBN, jornal A Gazeta e TV Gazeta, além dos demais profissionais de outros departamentos, foram interceptados.

O monitoramento telefônico estava sendo feito, para efeitos legais, na empresa Telhauto, quando na verdade os grampeados eram os jornalistas e funcionários da Rede Gazeta.

Em função desta violação, a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e o Sindijornalistas do Espírito Santo emitiram nota de repúdio, publicada neste sábado nos jornais, condenando com veemência as escutas telefônicas. Por isso, a Fenaj decidiu encaminhar a denúncia, os documentos e os CDs com as escutas telefônicas ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos e às demais autoridades de direitos humanos do Brasil e do Mundo. “Eu acho isso um fato muito grave. O que aconteceu no Espírito Santo deve ser repudiado pela sociedade brasileira pelo crime de violação da liberdade de imprensa e sigilo das fontes”, disse o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade, acrescentando que não tem conhecimento de fato semelhante em nenhum Estado brasileiro.

O presidente do Conselho Administrativo da Rede Gazeta, Carlos Fernando Lindemberg Filho, condenou com veemência os grampos feitos em jornalistas e funcionários da Rede. “Em 43 anos de trabalho com jornalistas, eu nunca vi coisa igual. Precisamos saber que trama foi essa. Acho que é um momento da Fenaj, sindicato e imprensa exigir uma investigação. Nós precisamos proteger as nossas fontes e os nossos jornalistas, física e juridicamente. É muito lamentável esse fato”, destacou Cariê.

Por sua vez, o Secretário de Segurança Pública, Rodney Rocha Miranda, disse que houve um erro no pedido de escuta, uma vez que a solicitação foi referente a um possível telefone pertencente à empresa Telhauto, quando na verdade o telefone pertence à Rede Gazeta. “Esse fato nos preocupa muito. Eu vou mandar investigar isso com profundidade. Primeiro com os delegados que pediram a quebra do sigilo — Danilo Baihense e Cláudio Vitor —, afinal, quando eles constataram que o telefone não era da Telhauto, mas sim da Rede Gazeta, isso deveria ter sido imediatamente comunicado à Secretaria de Segurança”, disse Rodney.

O secretário ainda informou que no dia 28 de março, cinco dias após a emissão do relatório da Polícia Civil, que pede a quebra dos sigilos telefônicos, encaminhou o documento ao Tribunal de Justiça para as providências do caso. E que a partir daí todas as providências foram tomadas pelos delegados Cláudio Vitor e Danilo Bahiense, que foram solicitados para trabalhar nas investigações da morte do juiz Alexandre Martins pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa.

O desembargador e relator do processo na Justiça, Pedro Valls Feu Rosa, informou, por nota, que foi induzido ao erro, porque autorizou a interceptação telefônica acreditando que se tratava da empresa Telhauto. Disse ainda que repudia toda e qualquer prática que venha coibir o exercício do jornalismo, que segundo ele, é essencial para a própria raça humana.

Em nota, a Rede Gazeta demonstra sua indignação e pede apuração e punição a todos os envolvidos na escuta ilegal.

Confira a íntegra nota:

“Indignação é pouco para definir o sentimento da Rede Gazeta diante da gravíssima revelação de que a empresa foi alvo de um grampo telefônico. Mais que indignados, os profissionais da Rede estão assustados com a facilidade com que pedidos de escutas telefônicas são feitos e aceitos pelas autoridades. Não se discute a necessidade da existência de ferramentas para o combate à criminalidade. Mas não é admissível que essas ferramentas sejam usadas de maneira leviana. Não é possível admitir que quebras de sigilo telefônicos sejam feitas sem nenhuma checagem, uma tarefa que levaria apenas alguns segundos. Não foi apenas a Rede Gazeta a atingida neste episódio. Foi uma instituição democrática. A preservação da liberdade de imprensa e do sigilo da fonte é preceito da democracia. É por isso que as autoridades precisam responder imediatamente às inúmeras perguntas surgidas a partir desse episódio. É preciso saber em que condições o grampo foi autorizado, o que foi gravado, quem teve acesso às gravações, por que é tão grande a fragilidade na autorização dos grampos. É preciso, enfim, esclarecer o caso em sua totalidade. Não apenas porque os jornalistas tiveram seu sigilo quebrado, mas também porque ficaram expostos todos os telespectadores, ouvintes, leitores e fontes de informação que entraram em contato e depositaram sua confiança na Rede. O pior é constatar que essa exposição, essa quebra da privacidade foi amparada e sustentada por órgãos oficiais. É duro e triste. A Rede Gazeta quer a apuração de todos os fatos. E vai tomar todas as providências, inclusive judiciais, para reparar o tratamento indigno de que foi alvo”.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB/ES), Agesandro da Costa Pereira, afirmou neste sábado que se reunirá com o Sindicato dos Jornalistas do Estado e com os profissionais da área da Rede Gazeta para discutir a quebra do sigilo telefônico. O presidente considera um atentado o que ocorreu, mas somente irá se pronunciar após esta segunda-feira, quando terá conhecimento detalhado sobre a escuta telefônica.

“Tenho apenas uma notícia vaga de que esse atentado ocorrreu. As providências dependerão da apuração dos fatos que ainda não estão muito claros”, disse.

O delegado Danilo Bahiense informou que não teve conhecimento do grampo na Rede Gazeta e disse que o desembargador Pedro Valls Feu Rosa é quem tem que falar sobre o caso.

Informações transcritas do jornalA Gazeta.

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