Questão de prerrogativa

É ilegal exigir agendamento de visita de advogado a preso

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2 de dezembro de 2005, 10h22

O Poder Público não pode exigir, por meio de ato administrativo, agendamento prévio para permitir que os advogados visitem seus clientes presos. Com este entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou ilegal portaria do estado de Mato Grosso que exigia o agendamento.

A Portaria 15/2003/GAB/SEJUSP, da Secretaria de Segurança e Justiça de Mato Grosso, estabeleceu prazo de 10 dias para atender a pedido de entrevistas entre advogados e clientes presos. O secretário de segurança analisava os requerimentos e decidia se acolhia ou não o pedido.

A OAB de Mato Grosso entrou com ação judicial contra a norma. Com o tempo, e por causa do alvoroço que a norma administrativa causou entre os advogados criminalistas de Mato Grosso, a Secretaria de Segurança e Justiça do estado foi deixando de adotar o procedimento.

O processo chegou ao STJ e os ministros consideraram que é direito do preso a entrevista pessoal com o seu advogado. Qualquer restrição a esse direito precisa vir expressa em lei, segundo o princípio constitucional da reserva legal. A decisão foi unânime.

A Turma entendeu que esta questão burocrática “macula o direito do preso”. A relatora, ministra Eliana Calmon, também considerou que, “da mesma forma, tais restrições ferem o direito do advogado de comunicar-se livremente com os seus clientes”.

“Qualquer tipo de restrição a esses direitos, seja o indeferimento da vista por falta de requerimento ou de fundamentação do pedido, bem como pelo retardamento da entrevista em razão de agendamento ou conveniência da administração carcerária, haveria de ser prevista em lei, não podendo ter validade a portaria em questão. Ademais, não pode haver restrição a direitos, a não ser por lei em sentido formal e material, conforme preconizado em julgados desta Corte”, concluiu a ministra Eliana Calmon.

Para o advogado Eduardo Mahon, que atua no estado, “o que vinha acontecendo era uma tentativa de menosprezar os direitos dos advogados. O advogado que chega ao presídio tem de ter o direito de entrar e conversar com seu cliente sem ter de passar por essa burocracia. No STJ, essa prerrogativa foi garantida”.

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Leia a íntegra da decisão do STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 673.851 – MT (2004⁄0096396-1)

RECORRENTE: ESTADO DE MATO GROSSO

PROCURADOR: ADÉRZIO RAMIRES DE MESQUITA E OUTROS

RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DO ESTADO DO MATO GROSSO

ADVOGADO: MAURÍCIO BEARZOTTI DE SOUZA E OUTROS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto, com base no permissivo constitucional da alínea “a”, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, proferido em mandado de segurança, que, por maioria de votos, considerou ilegal a Portaria 15⁄2003⁄GAB⁄SEJUSP, da Secretaria de Estado de Segurança e Justiça do Estado de Mato Grosso, que exigiu prévio agendamento de entrevistas entre advogados e clientes presos, impondo prazo de 10 (dez) dias para atendimento ao pedido formulado.

Alega o recorrente violação do art. 41, IX, da Lei 7.210⁄84 e 7º, III e VI, “a”, da Lei 8.906⁄94, uma vez que foi dada a esses dispositivos interpretação incompatível com o real sentido da norma, não tendo a Portaria mencionada afrontado os referidos preceitos.

Com as contra-razões, subiram os autos.

Relatei.

RECURSO ESPECIAL Nº 673.851 – MT (2004⁄0096396-1)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE: ESTADO DE MATO GROSSO

PROCURADOR: ADÉRZIO RAMIRES DE MESQUITA E OUTROS

RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DO ESTADO DO MATO GROSSO ADVOGADO: MAURÍCIO BEARZOTTI DE SOUZA E OUTROS

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): Segundo o voto condutor do acórdão é ilegal o art. 5º da Portaria 15⁄2003⁄GAB⁄SEJUSP, questionado no especial. O referido artigo estabelece que:

ao detento que estiver sob a custódia estatal é garantido o direito de “entrevistar-se com seu advogado, desde que seja feito com prévio agendamento, mediante requerimento fundamentado, escrito ou oral, dirigido à Direção do estabelecimento prisional, a qual designará data e horários para o atendimento reservado dentro dos 10 (dez) dias subseqüentes, observando-se sempre a conveniência da direção, bem como a segurança da unidade, do advogado, servidores e demais detentos”.

(Fl. 91)

Sustenta o ESTADO DE MATO GROSSO que o entendimento do Tribunal a quo, ao considerar ilegal a referida norma, decorreu de má interpretação dos arts. 41, IX, da Lei 7.210⁄84 e 7º, III e VI, “a”, da Lei 8.906⁄94, pois a Portaria não é incompatível com os dispositivos citados.

Entendo, preliminarmente, que não tem pertinência, para o deslinde da querela, o disposto no inciso VI, “a”, do art. 7º da Lei 8.906⁄94, uma vez que trata a norma de hipótese diversa da dos autos. Refere-se ao direito do advogado de ingressar “nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados”, coisa inteiramente distinta da tratada na Portaria.

Veja-se o teor das demais normas citadas:

Lei 7.210⁄84:

Art. 41 – Constituem direitos do preso:

(…)

IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado

Lei 8.906⁄94:

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

Entendo que a Portaria estadual é, de fato, incompatível com as normas federais acima transcritas, uma vez que foram estabelecidas restrições não previstas em lei para a entrevista do advogado e seu cliente preso, tais como: prévio agendamento; requerimento fundamentado; e lapso de espera de até 10 (dias), observando-se a conveniência da direção.

Ora, é direito do preso a entrevista pessoal com o seu advogado (art. 41 da Lei 7.210⁄84), de modo que qualquer restrição a esse direito há de vir expresso em lei, segundo o princípio constitucional da reserva legal. Um ato administrativo que impede ou retarda tal entrevista por questões burocráticas, como prévio agendamento e requerimento do advogado, macula o direito do preso.

Da mesma forma, tais restrições ferem o direito do advogado de comunicar-se livremente com seus clientes (art. 7º, III, da Lei 8.906⁄94). Observe-se que a intenção da lei foi tão “desburocratizante” que admitiu tal entrevista até mesmo ao preso que não outorgou procuração ao advogado, ou seja, resguardou o direito, mesmo àqueles que não formalizaram o contrato de prestação de serviço com o advogado.

Qualquer tipo de restrição a esses direitos, seja o indeferimento da vista por falta de requerimento ou de fundamentação do pedido, bem como pelo retardamento da entrevista em razão de agendamento ou conveniência da administração carcerária, haveria de ser prevista em lei, não podendo ter validade a Portaria em questão.

Ademais, não pode haver restrição a direitos, a não ser por lei em sentido formal e material, conforme preconizado em julgados desta Corte:

DIREITO ADMINISTRATIVO. INTELIGÊNCIA DA LEI N. 3.820⁄69 E DECRETO N. 20.377, DE 1931 E DA LEI N. 5.991⁄73.

A restrição de direitos só tem eficácia quando expressamente definida em lei.

Inexistindo, nas drogarias, o manuseio de drogas para o fim de manipulação de formulas medicamentosas, mas, apenas, a exposição e venda ao publico de medicamentos prontos e embalados, a lei dispensa, para o exercício da atividade dessa espécie de mercadoria, a responsabilidade direta do próprio farmacêutico.

O mero oficial de farmácia, desde que devidamente inscrito no Conselho Regional respectivo, pode exercer as atividades típicas de drogarias (lei n. 5.991⁄73), para os quais a lei não exige o grau universitário. Súmula 120-STJ.

Recurso provido. Decisão unânime.

(REsp 77.276⁄SP, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, julgado em 05⁄02⁄1996, DJ 26⁄02⁄1996, p. 3972)

ACIDENTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO AUDITIVA. NEXO CAUSAL. LEI 6367⁄76 E DECRETO 79037⁄76.

1. A lei acidentaria não pode ser alterada pelo decreto que a regulamenta.

2. O anexo III ao Dec. 79037⁄76 não prevalece sobre a lei 6367⁄76, impondo restrições aos direitos nela concedidos.

3. É devido o beneficio acidentário quando estabelecido o nexo causal entre a lesão auditiva e a agressividade do ambiente laboral.

4. Recurso conhecido e provido.

(REsp 10.922⁄RJ, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 01⁄04⁄1992, DJ 01⁄06⁄1992, p. 8033)

Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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