Árvores de dinheiro

Adesão da Rússia ao Protocolo de Kyoto ajuda economia brasileira

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9 de outubro de 2004, 13h01

A adesão do presidente da Rússia ao Protocolo de Kyoto – tratado internacional em que os países comprometem-se a limitar a emissão de gases poluentes para a atmosfera — converteu-se em um dos fatos recentes mais importantes para o planeta.

Embora já contasse com a adesão de 126 países, para entrar em vigor, o acordo multilateral dependia da participação dos países que respondem por mais da metade da poluição industrial no mundo. Para isso, seria necessária a adesão dos Estados Unidos ou da Rússia. E nenhum dos dois países dava sinais de que poderiam aceitar a redução de sua produção industrial para atender à demanda ambiental.

Foi quando o presidente russo, Vladimir Putin, enviou o projeto de lei para o ingresso do país nas fileiras do Protocolo de Kyoto à câmara baixa do parlamento da Rússia, a Duma.

A atitude deu novo fôlego à corrida pela ratificação do documento. E fez aguçar os sentidos do mercado nacional de comércio de crédito de carbono. Se aprovado, o pacto pode resultar, dizem especialistas, na expansão de um nicho que representa um boom nas oportunidades de crescimento econômico do Brasil. Esse mercado garantirá lucros a quem proteger a natureza e o oxigênio por ela gerado.

Até agora, cinco ministros russos já deram parecer favorável à adesão ao pacto que visa estabilizar a emissão de gases provocadores do efeito estufa. Uma vez aprovado, o Protocolo de Kyoto entrará em vigor em 90 dias e deverá ser colocado em prática a partir de 2008. A ratificação russa é a segunda condição que precisa ser satisfeita para o aval final ao acordo: a de que a conta dos países signatários corresponda a 55% das emissões mundiais. Sem a Rússia, esse número chega a 44,2%. A primeira condição era a adesão de 55 países. Hoje, o projeto já conta com a assinatura de 126 nações.

A impulsão no comércio do chamado crédito de carbono, hoje feito informalmente, será provocada por uma conta matemática simples, baseada na regra da demanda e da procura. Já que o Brasil é um país em desenvolvimento e não está incluído na lista das nações para as quais o Protocolo fixa um limite de emissão do gás (listadas no Anexo I), ele pode vender sua “cota” para as empresas que, segundo o pacto, devem voltar aos índices de emissão de poluentes registrado em 1990.

Mas, como para todo jogo, o toma lá da cá ambiental precisa de regras. Caso contrário, o que significaria um excelente benefício ao Brasil, que possui condições climáticas favoráveis ao comércio, pode ir pelos ares. Para que o país mantenha sua competitividade no mercado, dizem especialistas, é fundamental que os órgãos gestores, no caso o Ministério de Ciências e Tecnologia, lapide questões regulatórias sobre o tema.

De um lado, o coordenador da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, José Domingos Gonzalez Miguez, defende que tais normas já foram estabelecidas. Segundo ele, o projeto brasileiro já está pronto para quando a ratificação entrar em vigor. “Não tem sentido falar que estamos atrasados. Pelo contrário, estamos um passo a frente” dos outros países. “O Brasil foi o primeiro país a definir quem era a instituição responsável pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”, diz.

O chamado MDL é um mecanismo de auxílio que estabelece a implantação de projetos específicos que visem o desenvolvimento sustentável. Ele funciona como um regulador de projetos de empresas interessadas na redução de CO² e é constituído de três graus de aprovação: a validação e o registro da proposta, por meio da verificação de sua adequação com os Protocolos de Kyoto e Marakesh, a autorização do governo e a certificação de que ele contribui para o desenvolvimento sustentável.

A discussão tributária é, para Miguez, secundária. “Na verdade, o produto não é um título, é uma unidade contábil de tonelada de CO²”, colocada em um banco de dados da ONU. A negociação deve ser, segundo ele, tratada como investimento externo direto e “já existem canais para este fim”. A legislação do Banco Central, afirma, já cobre todos os aspectos da comercialização. “Não precisamos criar nada novo”, diz o secretário.

Para advogados especialistas em Direito ambiental, no entanto, essas regras não são tão claras quanto Miguez afirma. Segundo eles, ainda falta clareza sobre as normas tributárias e contábeis, sobre o registro de capital estrangeiro, e até em questões como o registro da compra e venda no Banco Central. A normatização para as transações comerciais, concorda Eduardo Gonçalves, do Barretto Ferreira, Kujawski, Brancher e Gonçalves Sociedade de Advogados, existe. “Mas ela precisa ser trabalhada”, diz.

O projeto desenvolvido pelo MDL já concretizou aspectos importantes para a formalização do comércio do crédito de carbono, concorda Roberta Chaves Sá Barbosa, do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. Mas, para ela, a resolução ainda não está muito regulamentada. “Não foram definidos, ainda, todos os trâmites”. E é preciso que tais normas sejam efetivamente definidas, diz, “para que o Brasil não perca o trem do desenvolvimento”.

O cenário atual apresenta contratos bilaterais na compra e venda de crédito de carbono pelas empresas. Há dinheiro do Banco Central sendo injetado no país. Governos fazem leilões para comprar o crédito. Mas não existe um mercado estabelecido ou bolsa para a negociação – o que há são estudos da Comissão de Valores Imobiliários (CVM) no sentido de definir meios para o efetivo comércio.

O Brasil é um fornecedor em potencial da “mercadoria” por possuir condições climáticas idéias para ser negociador de carbono. Os países integrantes do Anexo I, nações industrializadas e com registro de alta renda per capita devem, de acordo com Kyoto, reduzir a emissão do gás até os padrões da década de 90. Há, assim, uma ótima oportunidade para as empresas brasileiras que decidirem aderir ao MDL. Além da contribuição ambiental, elas melhoram a capacidade de produção, reduzem os insumos e ganham com a venda do crédito.

Vale lembrar, no entanto, que o Protocolo de Kyoto é muito mais um acordo de cavalheiros do que um documento de regras impostas. Não existe previsão de penalidade para os países que descumprirem o acordo, mesmo porque a criação de um órgão de fiscalização isento é teoricamente inviável. E que o governo russo é conhecido como o “pêndulo de Kyoto”. Uma hora, o presidente Putin sinaliza pela adesão e dá indícios de apoio à Europa, maior potência incentivadora do acordo. No momento seguinte, assessor econômico de Putin, Andrei Illarionov, diz que a ratificação é prejudicial à Rússia. Melhor fazer como São Tomé e só acreditar “vendo”.

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