Um sonho de liberdade

STF decidirá se réu pode ser preso antes da sentença final

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28 de novembro de 2004, 9h52

O réu pode ficar preso antes do trânsito em julgado da sentença condenatória? A pergunta será respondida pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu uniformizar o entendimento sobre a questão. Os ministros irão discutir se é efetivamente razoável aplicar a pena ao réu em casos em que ainda há possibilidade de recursos. Membros da comunidade jurídica entrevistados pela revista Consultor Jurídico apresentam argumentos divergentes sobre o tema.

A inclinação para que haja solução definitiva sobre a questão partiu do julgamento de Habeas Corpus de um acusado de tentativa de homicídio duplamente qualificado, que pretende suspender o decreto de prisão. O relator do processo, ministro Eros Grau, negou o pedido, mesmo diante da existência de Recurso Especial em tramitação no Superior Tribunal de Justiça.

Na ocasião, Carlos Ayres Britto pediu vista dos autos. Na semana passada, ele sugeriu que a questão fosse levada ao Plenário, já que a jurisprudência do Supremo, em sua nova composição de ministros, não é uniforme sobre o tema. “Há decisões proferidas por essa Primeira Turma no sentido de que a prisão do réu só é possível após o trânsito em julgado da condenação ou nas estritas hipóteses cautelares taxativamente previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, assim como há julgados da Segunda Turma que entendem que os recursos especial e extraordinário, nem por se privarem do efeito suspensivo, deixam de viabilizar a imediata prisão do réu”, explicou Ayres Britto.

Para a procuradora de Justiça de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, “sempre expediram mandados de prisão quando proferida a sentença condenatória”. Esperar o fim do julgamento para decretar a prisão pode, segundo ela, acarretar em “prejuízo da punição”, já que um processo criminal, no Brasil, demora anos a fio até ser concluído. Além disso, há de se levar em conta a possibilidade de fuga do réu. “Sou absolutamente favorável à prisão. O réu se compromete a comparecer perante o juiz quando ainda não foi expedida a condenação. Depois de dada a sentença, foge imediatamente”, afirma.

Um dos casos que embasa os argumentos dos defensores da prisão preventiva antes da conclusão da sentença condenatória é o do promotor Igor Ferreira da Silva, condenado a 16 anos e 4 meses de prisão pelo assassinato da sua mulher e do bebê que ela esperava. Apesar de decretada a pena, ele fugiu e continua em liberdade. Outro exemplo é o do coronel Ubiratan Guimarães, condenado a 6 anos pelo massacre do Carandiru — 111 presos foram mortos. A pena chega a mais de 600 anos, mas ele continua em liberdade, foi eleito deputado estadual e pode, agora, contar com foro privilegiado num hipotético novo julgamento.

De acordo com a promotora de Justiça de São Paulo, Cláudia Mac Dowell, “o tempo da pena pode pesar contra” e ser decisivo no deferimento do pedido de liberdade provisória. A quantidade de anos ao qual o réu é condenado torna, assim, “plenamente justificável” a prisão cautelar do acusado de delito, já que na longevidade da condenação também está fundado o receio de fuga — artigo 312 do Código de Processo Penal. Do contrário, argumenta, “colocaríamos o nariz de palhaço. Suponhamos que ele [o réu] seja condenado e possa aguardar em liberdade. Num momento seguinte, o tribunal decide manter a sentença e, então, cadê ele? Ele pode fugir”.

De acordo com o artigo 312 do CPP, a prisão cautelar só cabe antes do trânsito em julgado da sentença quando está presente a possível violação da garantia de ordem pública, econômica, da conveniência da instrução criminal ou da aplicação da lei penal. O mandado de prisão seria aplicável na hipótese de o suspeito vender tudo para fugir do país, ameaçar testemunhas para evitar provas ou ser extremamente perigoso para a sociedade, por exemplo.

Somente com esses requisitos, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Marco Antônio Nahum, é que “a prisão se justifica”. De outra maneira, estaria caracterizada a ofensa ao “princípio da presunção da inocência”, diz. Nahum se apóia no artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual uma pessoa só é considerada definitivamente culpada depois de a sentença condenatória ser julgada. “Enquanto o processo pende de recurso, ele pode ser absolvido. Você vai prender só porque a pessoa pode eventualmente ser condenada?”, questiona.

A lentidão da Justiça brasileira, que pode levar mais de dez anos para proferir a sentença definitiva em um processo, é da mesma forma combatida pelo desembargador. “A impunidade pode se caracterizar pela demora, mas não se pode colocar em risco a liberdade do cidadão por culpa da estrutura lenta que temos no Judiciário”, diz.

A falta de celeridade do Judiciário pode, para o professor Luiz Flávio Gomes, provocar efeito contrário caso a prisão seja decretada. “Não tem cabimento um réu que pode supostamente ser inocente aguardar preso um julgamento que pode se estender por anos”. Para ele, a “prisão antes do trânsito em julgado só deve ocorrer em caso de extrema necessidade. Caso contrário, é melhor que o [réu] fique solto, porque ele ainda é presumido inocente”, afirma. A solução estaria, segundo ele, num “Estado mais atuante, efetivo e que faça cumprir a determinação judicial”.

O argumento da impunidade também é visto com restrição pelo professor de Direito Processual e Penal da PUC do Rio de Janeiro, Ivan Santiago. “Não se pode atribuir a existência do crime somente à falta de pena. Fazer isso é querer ignorar o contexto sócio-econômico em que vivemos”, diz.

Da mesma forma, as prisões cautelares não devem, segundo ele, ser aplicadas de forma desenfreada. “A correção de uma prisão cautelar sem fundamento, sem respaldos legais, é muito mais desmoralizante do que o contrário”, já que, “se existem recursos pendentes, há possibilidade de mudança do quadro”, afirma.

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