Propriedade intelectual

Utilização mínima de trecho de música não fere direitos autorais

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11 de março de 2004, 11h41

A Corte de Apelação americana do Nono Circuito acaba de proferir importante decisão em um rumoroso caso de acusação de violação de direitos autorais envolvendo o grupo musical The Beastie Boys e o compositor James Newton. Tratou-se de um caso de sampling, ou, na tradução livre para o português “amostrear”, isto é, inserir uma amostra, um pequeno trecho ou parte de uma composição musical em outra. Na questão em testilha, o autor da ação, que é compositor e intérprete da música de jazz intitulada “Choir”, de 1981, processou a banda musical sob a alegação de infração de copyright por ter utilizado repetidas vezes trechos de sua música na faixa “Pass the Mic” do grupo de rock.

Feita a perícia, constatou-se que o tempo de utilização foi de apenas 6′ (seis segundos) e o trecho continha apenas 3 (três) notas musicais. O advogado do grupo musical alegou em sua defesa que esta utilização se insere na “prática comum e genérica de uso de uma seqüência de três notas” em todo o mercado musical mundial.

O Tribunal norte-americano rejeitou as alegações de violação de direitos autorais do compositor, sob o fundamento de que houve apenas utilização mínima do sample (amostra). Na sentença, a juíza considerou:

“Newton se encontra em frágil posição para argumentar que as similaridades entre as duas obras musicais são substanciais ou que o público ouvinte em geral reconheceria uma apropriação.”

O sampling é bastante comum na música moderna, especialmente após a adoção dos multi-teclados na década de 80, que emulam uma infinidade de sons, até da natureza. Mais comum no gênero rap (do inglês, rhythm and poetry), a prática sempre suscitou paixões intelectuais e questões jurídicas mundo afora, ensejando complexas ações judiciais com o objetivo de alcançar indenizações pelo suposto uso desautorizado dos trechos “sampleados”. O problema se situa na difícil possibilidade de detecção do que efetivamente seja uma apropriação desautorizada de determinado(s) trecho(s) de fonograma(s) musicais, em função da existência, em diversas legislações específicas de direito autoral em vigor ao redor do mundo, de dispositivos lenientes, quer fundados no conceito do fair use da lei americana (Copyright Act de 1976), quer por não constituir concretamente uma violação intelectual, dado o reduzido tempo de utilização do trecho musical. Sem mencionar a incontornável necessidade de perícia técnica, seja por outros compositores, maestros ou profissionais do mundo da música. E isso requer tempo e dinheiro.

Uma decisão como essa no caso Beastie Boys em absoluto não pacifica o setor, pois temos vivido uma fase baixa em termos de criatividade nas duas últimas décadas musicais, se comparadas aos exuberantes anos 70, que deram ao mundo pérolas como os Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, Yes, King Crimson, Genesis e tantos outros excelentes artistas, para ficarmos apenas no segmento pop. A massificação eletrônica da música, aliada à evolução tecnológica da era digital, que permite modificações, adaptações, inserções e apropriações ao toque de um botão, elevou a questão do sampling à ordem do dia nas questões judiciais envolvendo direitos autorais em todos os países do mundo em que o entretenimento tem posição importante na sociedade, trazendo a reboque ainda outros setores importantes que envolvem indiretamente a música, como as trilhas sonoras de cinema, as peças publicitárias de comerciais, documentários e outras produções audiovisuais em que trilhas musicais desempenham papéis-chave.

No Brasil são mais raros os casos de processos judiciais envolvendo sampling, à uma pela fraca divulgação das questões de Direito Autoral até mesmo no âmbito do Poder Judiciário, à duas pela inexistência de cursos jurídicos específicos tratando da matéria e afinal porque a comunidade artística em geral, além de temer movimentar-se na justiça contra grandes nomes do mercado, não tem confiança na justiça, em função da morosidade de tramitação dos processos e da capacidade de lobby das grandes gravadoras.

O fato é que ainda é muito difícil conceituar uma fronteira, a partir da qual a utilização de trechos musicais da obra de terceiros se insira concretamente no ambiente de violação de direitos, pois a lei brasileira não destaca minúcias como o número de compassos ou notas musicais que caracterizaria um plágio ou apropriação indébita para que um julgador possa emitir uma decisão. A questão acaba desaguando em longas, caras e muitas vezes inócuas perícias técnicas com o objetivo de resolver o litígio e que, mesmo assim, não resultam em sentenças satisfatórias.

Se e quando uma decisão judicial emanada do poderoso mercado americano de entretenimento versar efetivamente sobre um caso em que tenha realmente ocorrido uma violação e, como resultado, uma substancial indenização tenha sido paga à parte lesada, então teremos um paradigma capaz de influenciar um trend, um case-law que passe a fazer parte integrante dos repertórios de jurisprudência autoral conhecidos.

Por hora, o importante é lembrar que o grupo musical The Beastie Boys saiu-se duplamente vitorioso com essa absolvição, pois além de venderem muito mais CDs – e conseqüentemente ganharem muito mais dinheiro – no mercado mundial do pop-rock do que o Sr. Newton no reduzido e elitista mercado do jazz, escaparam de ter que pagar-lhe vultosa indenização, como certamente teriam sido compelidos a fazer em caso de condenação, consideradas as altas somas definidas por esse tipo de violação nas cortes americanas. (Com informações da International Law Office, Londres.)

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