Investigar é preciso

Limite de poder do MP prejudica defesa dos direitos fundamentais

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26 de julho de 2004, 19h55

O desafio de acomodar um Poder Executivo fortalecido e personificado na figura do Presidente da República, dentro de um enquadramento das regras constitucionais e legais derivadas da separação de poderes, permanece formidável mesmo após 215 anos da criação do regime presidencialista pelos Estados Unidos, pois como destacam os norte-americanos, os poderes presidenciais continuam “latentes na circulação sangüínea do governo”.

A magnitude, complexidade e conseqüência do conflito entre a personificação da Presidência e a necessária impessoalidade no cumprimento das regras constitucionais comprovam que o Presidente da República ocupa um cargo que não pronta e facilmente é assimilado ou controlado pelos demais poderes.

Nesse contexto, a mais importante tarefa na prática institucional é cumprir o mandamento constitucional básico, que determina ao Chefe da Nação e demais autoridades a total submissão às leis e a necessidade de respeitar o complexo mecanismo de freios e contrapesos existentes em um Estado Democrático.

O Presidencialismo brasileiro, nesse aspecto, foi extremamente sábio, pois além dos clássicos mecanismos de freios e contrapesos existentes na tripartição de poderes, estruturou o Ministério Público como Instituição de defesa da Sociedade, garantindo-lhe total independência para zelar pelo cumprimento das leis e defender o interesse geral, dando-lhe nossa Carta Magna relevo de instituição permanente e essencial à função jurisdicional.

Para poder cumprir seu importante papel no regime democrático, a Constituição Federal enumerou diversas funções institucionais ao Ministério Público, entre elas, a promoção privativa da ação penal; o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionalmente assegurados, a expedição de notificações nos procedimentos administrativos de sua competência e a requisição de informação e documentos para instruí-los, a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e o exercício do controle externo da atividade policial.

Além disso, o texto constitucional permitiu à legislação ordinária a fixação de outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional. Ao erigir o Ministério Público como garantidor e fiscalizador da separação de poderes e, conseqüentemente, dos mecanismos de controles estatais (CF, art. 129, II), o legislador constituinte conferiu à Instituição função de resguardo ao status constitucional do cidadão, armando-o de funções, garantias e prerrogativas que possibilitassem o exercício daquelas e a defesa destes.

Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos – inherent powers –, pela qual no exercício de sua missão constitucional enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas (Myers v. Estados Unidos – US 272 – 52, 118), consagrando-se, dessa forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da Constituição Federal.

Entre essas competências implícitas, parece-nos que não poderia ser afastado o poder investigatório criminal dos promotores e procuradores, para que, em casos que entenderem necessário, produzam as provas necessárias para combater, principalmente, a criminalidade organizada e a corrupção, não nos parecendo

razoável o engessamento do órgão titular da ação penal, que, contrariamente ao histórico da Instituição, teria cerceado seus poderes implícitos essenciais para o exercício de suas funções constitucionais expressas.

Não reconhecer ao Ministério Público seus poderes investigatórios criminais implícitos, corresponde a diminuir a efetividade de sua atuação em defesa dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, cuja atuação autônoma, conforme já reconheceu nosso Supremo Tribunal Federal, configura a confiança de respeito aos direitos, individuais e coletivos, e a certeza de submissão dos Poderes à lei.

Obviamente que o poder investigatório do Ministério Público não é sinônimo de poder sem limites ou avesso a controles, mas sim derivado diretamente de suas funções constitucionais enumeradas no artigo 129 de nossa Carta Magna e com plena possibilidade de responsabilização de seus membros por eventuais abusos cometidos no exercício de suas funções, pois em um regime republicano todos devem fiel observância à Lei.

O que não se pode permitir é, sob falsos pretextos, o afastamento da independência funcional do Ministério Público e a diminuição de suas funções – expressas ou implícitas –, sob pena de grave perigo de retrocesso no combate ao crime organizado e na fiscalização à corrupção na administração pública, pois esse retorno à impunidade, como sempre alertado por Norberto Bobbio, gera a ineficiência e o descrédito na Democracia.

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