Investigação criminal

MP não pretende substituir a polícia, diz Rodrigo Pinho.

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13 de julho de 2004, 14h44

O procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho, já firmou sua posição: vai continuar oferecendo seu apoio e esforços para evitar que os membros do Ministério Público percam a atribuição de investigar criminalmente.

A informação está no site Notícias Forenses, que publicou este mês entrevista com Pinho sobre o poder de investigação do Ministério Público, entre outros assuntos que cercam a Justiça.

Tramita no Supremo Tribunal Federal uma Ação de Direta de Inconstitucionalidade movida pelo deputado federal Remi Trinta (PL-MA), acusado pelo Ministério Público de fraude no SUS (Sistema Único de Saúde) do Maranhão.

O parlamentar questiona a prerrogativa dos procuradores de investigá-lo. “Entendemos que a função da polícia judiciária é recolher indícios de autoria e prova da materialidade do crime, mas a Constituição não estabelece exclusividade, como faz em outros dispositivos”, diz Pinho.

O procurador-geral, inclusive, esteve recentemente em Brasília conversando com autoridades políticas e judiciais na tentativa de conscientizá-los dos prejuízos que o acolhimento dessa ação representaria para a sociedade.

Investir na criação de Promotorias regionais na área de Interesses Coletivos e Difusos e na racionalização dos serviços são algumas prioridades de Pinho para a sua gestão. “Precisamos sair das áreas tradicionais, nas quais a nossa atuação não é mais tão relevante e necessária, e partir para outras em que a presença do promotor de Justiça é absolutamente indispensável”, argumenta.

Reforçar o quadro de integrantes da instituição por meio de concurso e prover o MP com sedes próprias e profissionais especializados (engenheiros florestais e civis, entre outros) para servir como ponto de apoio aos promotores são outras preocupações externadas pelo procurador-geral durante a entrevista concedida para a editora de Notícias Forenses, Cátia Franco.

Leia trechos da entrevista:

Quais são as prioridades da sua gestão?

Há dois pontos principais: a defesa da ordem jurídica, combatendo a criminalidade, e a tutela dos interesses da sociedade, que é a questão dos interesses coletivos, meio ambiente, habitação e urbanismo, consumidor. Precisamos sair das áreas tradicionais, nas quais a nossa atuação não é mais tão relevante e necessária, e partir para outras em que a presença do promotor de Justiça é absolutamente indispensável. Para chegarmos a esse patamar, temos que investir nas Promotorias regionais da área de interesse coletivo e difuso. O projeto de lei encontra-se na Assembléia. Criar a Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos, uma especialização em 2ª instância, também seria interessante. Além disso, queremos aprofundar a proposta de racionalização de serviços. Já foi editado, em conjunto a Corregedoria-Geral do Ministério Público, um ato facultando a intervenção na área acidentária, ou seja, em processos individuais nos quais o INSS e o trabalhador já estejam devidamente representados, o promotor pode deixar de atuar.

Na maioria das comarcas do Estado, o MP encontra-se muito bem equipado, com computadores novos e conectados à internet, e razoavelmente provido no que se refere ao quadro de funcionários. Em contrapartida, ainda existem muitas unidades judiciárias desfalcadas de promotores. Como a Procuradoria pretende sanar este déficit?

Nas comarcas de primeira e segunda entrância realmente há uma ausência de promotores de Justiça, e a única solução possível é a realização de um novo concurso. Houve um grande número de aposentadorias em razão da Reforma da Previdência, o Tribunal de Justiça continua instalando varas no interior e existe uma demanda crescente de serviços que exige a presença de mais promotores nas comarcas.

Tem alguma previsão de quando isso ocorrerá?

Estarei encaminhando nas próximas reuniões uma proposta de realização de concurso.

Muitos promotores lamentam a falta de um corpo técnico para auxiliá-los em tarefas que exigem conhecimento específico. Existe alguma perspectiva da Procuradoria prover os MPs com profissionais especializados em determinadas áreas para servirem de ponto de apoio aos promotores?

Infelizmente os órgãos estatais que cuidam de proteção ambiental estão paulatinamente sendo reduzidos e o Ministério Público tem que suprir essa carência. Em algumas comarcas, como Presidente Prudente, Ribeirão Preto, já existem técnicos contratados pela instituição. A idéia é prover também outras regiões do Estado com esses profissionais. No entanto, é preciso ter a absoluta convicção de que o Ministério Público não terá condições de suprir o déficit de todos esses órgãos: Ibama, Deprn, Sabesp, Cetesb.

Então será um trabalho a ser feito a longo prazo?

Sim, mas observo que ele já vem sendo feito. O nosso próximo passo é investir na região de Bauru.

Muitos promotores apontam como causa principal do naufrágio de algumas investigações a falta de preparo das autoridades policiais e, principalmente de aparelhamento da Polícia Civil. Até que ponto isso realmente prejudica as investigações?

Há necessidade premente de se investir na Polícia científica. Diligências elementares, como fotografias e colheita de impressões datiloscópicas, muitas vezes deixam de ser feitas. Basta vermos os filmes policiais norte-americanos para percebermos a grande defasagem que existe entre o Brasil e países como os Estados Unidos.

A orientação dada pelo senhor aos promotores para aumentar a pena do seqüestro-relâmpago redundará na redução deste tipo de crime?

Uma punição mais rigorosa; a pena mínima passa de cinco anos e quatro meses para oito anos; implicará naturalmente no afastamento dos autores desses graves crimes do convívio social. Seria interessante que essa recomendação fosse acolhida também pela polícia para que os boletins de ocorrência já contivessem essa classificação. Considero essa medida fundamental para o mapeamento estatístico desse tipo de crime, em especial, para poder identificar as regiões onde as quadrilhas atuam e desvendar as autorias.

Em razão de sua atuação, o promotor está constantemente sujeito a investidas de criminosos. Que tipo de respaldo a Procuradoria vem dando aos seus integrantes?

O crime organizado está avançando, mas a instituição vem se preparando para enfrentar essa situação. Nós contamos com uma assessoria militar e, no caso de Miguelópolis e Santa Branca, onde ocorreram atentados contra promotores, o Ministério Público deu apoio total aos seus membros. Em ambas as cidades, foram feitas reuniões do Conselho Superior do MP e disponibilizadas escoltas. Também estão sendo realizadas investigações para a elucidação das autorias desses crimes. Em Santa Branca, dois dos partícipes do crime já foram detidos.

Mas a Procuradoria pensa em uma política mais preventiva?

Política de prevenção já existe. Detectores de metais estão sendo colocados nas entradas de sedes judiciais e prédios próprios do Ministério Público e estamos criando uma cultura de segurança que, até pouco tempo, não havia. Promovemos palestras periódicas para tratar deste tema.

Uma das principais reivindicações dos promotores tem sido a construção de sedes próprias para o Ministério Público. Em algumas comarcas do Estado, como em Mauá e Americana, o MP já conta com instalações independentes. Existe algum projeto da Procuradoria nesse sentido?

Existe uma preocupação em dotar o Ministério Público com sedes próprias. No entanto, é impossível fazer essa transição de maneira imediata. Estamos em tratativas com a Secretaria da Justiça e o Tribunal de Justiça para que, nos novos Fóruns, seja destinada uma área especificamente para os promotores. E sempre que houver necessidade, nós vamos procurar locar ou obter um imóvel para abrigar os membros da instituição.

Como o senhor se defende das acusações do poder público federal e municipal de que há um viés político na atuação do MP?

A atuação do Ministério Público é isenta e apartidária. Pessoas que ocupam cargos públicos precisam estar conscientes de que no governo republicano tem que prestar contas de seus atos. As críticas são injustas e geralmente feitas por quem investigamos. Independente disso, nós vamos continuar a fazer nosso trabalho com toda tranqüilidade e seriedade, produzindo provas e apresentando pedidos em juízo.

O fato de um dos seus investigados ter entrado com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo para tirar a prerrogativa de investigação dos promotores está relacionado à atuação exercida pelo Ministério Público de hoje?

Acredito que sim, pois a credibilidade da instituição é boa. Temos o apoio da população, da mídia e da opinião pública justamente porque estamos investigando. Enquanto o Ministério Público atuava somente em relação a crimes cometidos por pessoas pobres, não recebia críticas. No momento em que passamos a incomodar pessoas que antes se consideravam intocáveis, veio uma enxurrada de críticas à instituição, o que não nos abala. O nosso compromisso é com a verdade.

Recentemente, o senhor esteve em Brasília para articular em defesa da instituição. O senhor acredita que essa Adin obterá parecer favorável no STF?

Já existem dois votos apresentados em posição desfavorável ao Ministério Público. O julgamento ficou para o mês de agosto. Nós acreditamos na possibilidade de reverter esse placar porque o acolhimento dessa Adin seria um retrocesso para a defesa da cidadania brasileira. O Ministério Público não pretende substituir a polícia. Nós entendemos que a função da polícia judiciária é recolher indícios de autoria e prova da materialidade do crime, mas a Constituição não estabelece exclusividade, como faz em outros dispositivos. Por isso, consideramos que o promotor pode e deve investigar. Impedir o Ministério Público de investigar no interior de estabelecimentos policiais contribuirá para uma maior impunidade nos casos de corrupção e tortura.

O MP tem sido acusado de prejudicar as investigações ao divulgar informações que não poderiam chegar ao conhecimento público. Para o Sr., qual é o limite entre o interesse público e o privado?

Uma denúncia formulada com provas, por exemplo, é motivo de interesse jornalístico e o cidadão tem o direito de ser informado. A pessoa que ocupa um cargo público e comete um deslize ou desrespeita a lei tem obrigação de saber que isso é de conhecimento geral. No entanto, quando decretado o sigilo, qualquer violação é crime. E vamos deixar bem claro (incisivo): se houver violação de sigilo, vamos apurar. Decretado sigilo, judicial ou legal, o promotor, assim como qualquer autoridade que recebeu informação de sigilo, tem obrigação de respeitar. Agora não temos notícia concreta de violação de sigilo por parte de promotor do Estado de São Paulo.

Então não têm ocorrido excessos?

Eventuais excessos são e serão apurados pela Corregedoria-Geral do Ministério Público. Mas a quantidade de excessos é muito inferior ao que dizem as pessoas intimidadas.

O senhor é a favor do controle externo do MP?

Somos favoráveis ao controle externo do Judiciário e do Ministério Público porque entendemos que todas as instituições devem prestar contas de seus atos. Um controle externo, vamos deixar bem claro, que não fira a autonomia da instituição e nem cause dependência funcional dos seus membros.

A Reforma do Judiciário em trâmite no Congresso resolverá o problema da morosidade?

Todos nós estamos de acordo que essa Reforma é necessária, pois a morosidade é o grande problema de descrédito da atuação do Judiciário. Há 500 mil processos para serem distribuídos no Estado de São Paulo. Tem processo que aguarda quatro anos para chegar a 2ª instância, e justiça tardia, já dizia Rui Barbosa é negação de justiça. Tenho dúvidas de que esta reforma vai resolver a questão da lentidão, mas é uma tentativa.

Quais são as suas principais críticas em relação a essa Reforma?

O ponto essencial é a legislação processual. Precisamos acabar com a grande quantidade de recursos. A atual reforma não abarca problemas como o desrespeito sistemático do Poder Executivo às decisões do Poder Judiciário, reiteradas diversas vezes, e o não-pagamento de precatórios. Existe a expectativa em torno da súmula vinculante. Vamos ver.

Como o Sr. classifica o relacionamento entre o Ministério Público e Poder Judiciário hoje?

É um relacionamento de alto nível. O Poder Judiciário, o Ministério Público e OAB têm interesses comuns, entre eles, uma melhor distribuição de justiça. Apesar de eventuais divergências, trabalhamos sempre unidos em prol do interesse público.

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