Eleições perigosas

Condenados criminalmente podem ser eleitos em São Paulo

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23 de agosto de 2004, 8h35

A paralisação do Judiciário em São Paulo impediu que os postulantes aos cargos de prefeito e de vereador obtivessem a necessária certidão negativa criminal. Para não inviabilizar o pleito, que já tem R$ 24 milhões empenhados, a Justiça eleitoral paulista decidiu dispensar a exigência.

“Fizemos a consulta ao Tribunal Superior Eleitoral e o ministro José Gerardo Grossi autorizou a medida em ad referendum do plenário”, relata o presidente o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, Álvaro Lazzarini.

Para obter a confirmação da decisão, chegou-se a enviar fax da consulta ao presidente do TSE, ministro Sepúlveda Pertence, que está em Buenos Aires, na Argentina.

A dispensa se baseou no fato de que a Justiça estadual tem de informar ao cartório eleitoral as decisões transitadas em julgado. O problema é que entre a condenação e a comunicação ao cartório pode se passar muito tempo e, talvez, essa informação não represente mais a realidade.

Diante da gravidade da situação, o procurador regional da República em São Paulo, Mário Bonsaglia, encaminhou representação à Procuradoria-Geral Eleitoral, onde apontou possíveis soluções para a controvérsia.

O procurador regional propôs que a exigência da certidão negativa de antecedentes criminais fosse postergada ao momento anterior à diplomação dos candidatos. “Como existe um número muito grande de candidatos, a alternativa era a de, depois de apurados os votos, pesquisar os antecedentes criminais dos eleitos”, afirmou Bonsaglia à revista Consultor Jurídico.

O TSE decidiu não acolher a proposta com o argumento de que a greve pode não ter sido encerrada até lá. Restou a segunda alternativa: após a diplomação dos candidatos, identificados os casos de condenações definitivas, o Ministério Público Eleitoral deve apresentar, no prazo de três dias, um recurso contra a diplomação.

“O ponto negativo desse recurso é que ele não impede o exercício do mandato até o julgamento final da questão”, explicou o procurador. Assim, há o risco concreto de que candidatos condenados pela Justiça criminal ocupem postos públicos.

Mário Bonsaglia fez questão de ressaltar que, ao Ministério Público Eleitoral, não cabe o papel de criticar a greve ou a decisão de dispensar as certidões, “afinal, o TSE não poderia inviabilizar as eleições”.

“O que fizemos foi cumprir com o nosso dever de tentar achar saídas para resolver ou, ao menos, amenizar possíveis problemas, que são um reflexo indireto da greve dos servidores da Justiça”, concluiu.

Questão complexa

“Não há remédio mágico para a greve. Esta situação extrema e delicada do Judiciário paulista não é culpa nem do TJ, nem dos servidores. Resulta de vários fatores”. A afirmação é de Marcos Fava, diretor da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). A greve dos servidores da Justiça paulista já dura mais de 50 dias.

Para Fava, o problema da greve depende de vários fatores como, por exemplo, a falta de estrutura e de uma política constante de investimentos no Judiciário. Ele apontou também a falta de juízes, agravada pelo desestímulo à carreira, decorrente dos níveis de remuneração, do excesso de trabalho e da modificação do regime de Previdência Pública. (Leia a entrevista de Fava)

Histórico

Na última assembléia feita pela categoria, este mês, ficou decidido pela manutenção da greve. Cerca de quatro mil pessoas participaram da manifestação. De acordo com a assessoria do TJ paulista, a categoria põe fim a greve se for atendida a reivindicação de reajuste de 26,39% nos salários. Ainda de acordo com a assessoria, o presidente do TJ paulista, desembargador Luiz Elias Tâmbara, já encaminhou ao governo do estado proposta de reajuste de 26,39% e aguarda resposta do Executivo.

No início do mês de agosto, tentando negociação, o desembargador Luiz Elias Tâmbara, ofereceu reajuste de 15% sobre a gratificação dos servidores, o que corresponde a 10% do vencimento total. A proposta foi recusada. Nesta quarta-feira (25/8) os grevistas farão nova assembléia, na Praça João Mendes, às 14h.

No dia 9 deste mês, a juíza federal substituta Luciana da Costa Aguiar Alves, da 21ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo, determinou que os servidores voltassem ao trabalho. Ela acatou o pedido de tutela antecipada feito pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.

A juíza determinou que enquanto não for garantido pelo menos 60% do efetivo dos cartórios e outras repartições, as entidades de classe parem de incitar a greve, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, recomendem por escrito o retorno às atividades, sob pena de multa no mesmo valor, e não impeçam a entrada de funcionários nos prédios. Decidiu, ainda, pelo desconto em folha dos dias parados.

No dia seguinte, a juíza federal fez um aditamento em sua decisão. Disse que não determinou o desconto em folha dos dias parados, pois essa decisão é exclusiva do presidente do TJ paulista. A juíza afirmou, ainda, que apenas deixou consignado que há a possibilidade de desconto em folha.

Segundo a Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça (Assetj), a greve atinge a média de 85 a 90% dos funcionários.

Leia a entrevista com Fava

A greve em São Paulo já ultrapassou 40 dias. O direito de protestar está acima do direito do cidadão de acesso ao Judiciário?

O direito do servidor em lutar por melhores condições de trabalho equipara-se ao do cidadão em obter prestação jurisdicional mais célere e eficaz. A luta dos servidores é a luta dos jurisdicionados.

A greve é constitucional ou inconstitucional? Qual é o limite do direito de greve?

A Constituição assegura aos servidores o legítimo direito de greve, mas remete à regulamentação por “lei específica”. Ora, essa tal lei não foi, até agora — mais de 15 anos de promulgada a Constituição! — editada pelo Congresso Nacional. A Constituição precisa de efetividade, porque contém princípios escolhidos pelo cidadão, ao eleger os constituintes. Sem essa lei e sem deixar morrer o texto da Constituição, é preciso enxergar limites à forma do exercício do direito de greve. Este — o próprio direito — não pode ter, a priori, limites objetivos.

A situação da Justiça paulista está difícil. São cerca de 12 milhões de processos tramitando apenas na primeira instância, que agora estão sem andamento. A distribuição de um processo na segunda instância tem prazo médio de quatro anos. Com a greve, toda essa situação tende a piorar. Quem deve ser punido por isso? O TJ-SP deveria aceitar o pedido dos grevistas de reajuste de 26,36%, para não prejudicar ainda mais a população? Ou os servidores precisariam aceitar o reajuste menor proposto pelo TJ?

Não há remédio mágico para a greve. Esta situação extrema e delicada do Judiciário paulista não é culpa nem do TJ, nem dos servidores. Resulta de vários fatores, tais como a falta de estrutura e de uma política constante de investimentos no Judiciário; a ampliação dos direitos do cidadão e de seu senso de cidadania, muito aguçado com a “Constituição Cidadã” de 1988; a falta de juízes, agravada pelo desestímulo à carreira, decorrente dos níveis de remuneração, do excesso de trabalho e da modificação do regime de Previdência Pública; e a ausência de reforma do processo, que é burocrático, oneroso e lento. A saída deve passar pela negociação intensa, através dos órgãos legítimos e competentes, com a participação democrática das associações representativas dos servidores.

O TJ paulista pode cortar o ponto dos funcionários para inibir o movimento? Ou seria abusiva essa atitude?

A paralisação dos serviços — atitude sempre extrema na luta por direitos trabalhistas — implica risco de perda do salário. Sem avaliar a abusividade de eventual decisão do TJ, pondero que tal atitude não solucionaria os graves problemas da Justiça Paulista, apenas forçaria a interrupção do movimento de agora. Não é, pois, uma solução.

Os escritórios de advocacia reclamam que estão com vários processos para protocolar. Os grevistas querem reajuste maior do que o sugerido pelo TJ paulista. Qual é a solução viável neste caso paulista?

Repito: não há remédio mágico para o impasse criado pela greve. Negociar. Negociar. Negociar.

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