Pagamento de Tributos

Juiz aplica Código do Consumidor em cobrança de impostos

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18 de abril de 2001, 0h00

O contribuinte está para o Estado assim como o consumidor está para o fornecedor. Portanto, as regras do Código de Defesa do Consumidor podem ser aplicadas sobre as relações tributárias. Esta é a tese defendida pelo juiz Alex Gonzales Custódio, da Comarca de Ijuí, Rio Grande do Sul.

A decisão foi adotada a pedido de uma loja contra o Estado do Rio Grande do Sul que cobra da empresa valores relativos a ICMS não recolhido. O juiz entendeu que o valor cobrado é abusivo.

Ele embargou a execução, diminuiu o valor a ser pago pela empresa e condenou o Estado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

Em sua tese, Gonzales Custódio afirma haver uma relação de consumo entre o contribuinte e o Estado-Fisco. Isso permitiria que o contribuinte recorresse ao Código de Defesa do Consumidor, quando lesado pela fiscalização.

Para o advogado tributarista Eduardo Diamantino, a decisão do juiz não deve prevalecer. Ele afirma que não há relação de consumo entre contribuinte e Estado, porque esta nasce da vontade entre as partes – o que não é o caso.

“Uma vez que os impostos são compulsórios, inexiste a relação de consumo. Salvo raras exceções, ninguém paga tributos por sua própria vontade”, apontou o advogado.

Ele explica que os assuntos tributários devem ser julgados pela Lei Tributária, assim como os de consumidor, pela Lei do Consumidor. Desta forma, não há como aplicar determinada lei a um caso que não lhe diz respeito.

“O juiz parte de uma boa premissa, que é de melhorar as relações entre Estado e contribuinte. Mas é um equívoco aplicar o Código do Consumidor para a Lei Tributária”, analisa.

“Melhor seria o Estado exercer o princípio da boa-fé para com os contribuintes e providenciar, junto ao Congresso, a votação do Código de Defesa do Contribuinte”, sugeriu Diamantino.

“Além disso, o juiz não foi razoável em sua decisão. O texto trata de dois tipos de imposto, o ICMS e o Imposto de Renda – este último, sendo de âmbito federal, não lhe cabe julgamento”, concluiu.

Leia a íntegra da decisão do juiz:

COMARCA DE IJUÍ – 2ª VARA CÍVEL

Processo nº 62.935 – 2.000 (Embargos à Execução)

Requerente: SABO MAGAZINE LTDA.

Requerido: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Juiz Prolator: ALEX GONZALEZ CUSTÓDIO

Trata-se de embargos interpostos por Sabo Magazine Ltda. contra o Estado do Rio Grande do Sul que lhe move a Execução Fiscal d nº 54.030 alegando ter sido penalizada com multa de 30% sobre o valor do ICMS não-recolhido. Referiu que os valores do imposto foram devidamente indicados nas guias, mas tão-somente não-recolhidos, em face de dificuldades de fluxo de caixa da embargante. Afirmou a multa ser ilegal e abusiva. Referiu haver capitalização de juros, incidindo 1% a cada mês sobre valor com juros já somados do mês anterior. Requereu a procedência dos embargos com fixação de juros em 1% ao mês, não excedendo a 12% ao ano e sem capitalização, aplicando-se multa de 2% ao mês. Juntou documentos.

Intimada, a embargada alegou em preliminar ausência da segurança do Juízo. No mérito, afirmou tratar-se de imposto declarado, devido e não recolhido. Afirmou haver título certo, líquido e exigível. Referiu ser legal a multa. Ponderou que os juros de mora são de 1% ao mês. Requereu a improcedência dos embargos e a condenação da embargante aos ônus sucumbenciais. Juntou documentos.

Em réplica o embargante repisou seus argumentos da inicial.

Vieram-me conclusos os autos.

É o relatório.

Passo a decidir.

O feito comporta julgamento antecipado, mormente quando a matéria do Imposto de Renda se trata de aplicação de legislação tributária, resumindo-se em matéria de direito, fulcro no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

Preliminar:

Ausência de Segurança do Juízo:

A alegação está prejudicada em face do Termo de Penhora firmado a fl. 48 dos autos de execução.

Mérito:

Entendo não haver necessidade de discorrer acerca das modalidades de lançamento do tributo, tendo em vista a embargante não nega o débito, insurgindo-se somente com relação aos critérios de modificação do valor original, quanto aos juros moratórios e à multa incidente.

Sabidamente que o Estado Fisco ostenta as chamadas cláusulas exorbitantes/>, ou seja, na sua condição de Estado-fiscalização, ostenta prerrogativas que superam os mandamentos do ordenamento jurídico privado. Entendo que estas prerrogativas dizem respeito aos procedimentos de investigação, contratação e julgamento dos contribuintes, sempre preponderando o interesse público sobre o privado. Entretanto, creio que esta preponderância não pode levar a uma DESPROPORÇÃO de tratamento, infligindo ao contribuinte uma penalidade excessivamente onerosa pela inadimplência, chegando a abusividade, apesar de estar o procedimento pautado em Lei Fiscal. Contudo a legislação é em benefício do Estado e, nesse sentido, também tem a sua contribuição espoliativa sobre o contribuinte. Ressalte-se que no Brasil o percentual de tributação é excessivo, penalizando somente o contribuinte, enquanto políticos,governantes, legisladores, beneficiam-se de falcatruas, fraudes, sonegações milionárias, superfaturamentos escandalosos, não se mexendo uma só mão para auxiliar órgãos investigadores do Executivo, Legislativo, ao Ministério Público e o Poder Judiciário/> para o fim de esclarecer e punir os envolvidos, na sua grande maioria os próprios políticos e seus afilhados comparsas. Como já dizia o General Da Gaulle: O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO. Digo mais, o Brasil NÃO QUER SER UM PAÍS SÉRIO.

Com efeito, iniciando-se pela multa aplicada, verifica-se ser demasiado excessivo o percentual de 30% de multa, por vezes inviabilizando não somente o seu pagamento, mas também o pagamento do principal. Acresça-se a isso os juros moratórios e a capitalização que o Estado pratica.

Veja-se, apesar dos juros serem de 1% ao mês, o Estado Fisco pratica sua incidência mês a mês, fazendo incidir o percentual de 1% sobre o valor anterior, valor este já acrescido dos valores dos juros de 1% ao mês adicionado ao saldo devedor. Como se chama isso? CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. Creio que se torna demasiado pesado ao contribuinte permanecer em dia com suas obrigações tributárias.

Entendo que o Poder Executivo deveria implementar procedimentos no sentido de reduzir a inadimplência, com parcelamentos, reduções de débitos, redução de acréscimos. Porém o contribuinte se vê cada vez mais acuando com multas extorsivas e impossibilidade de continuidade de seus negócios, causando demissões, transtornos fiscais, processuais e, por fim, a falência. Pode-se chamar isso de um Governo voltado para o social? Entendo que o Governo ESTÁ VOLTADO DE COSTAS PARA O SOCIAL.

Nesse contexto ingressa o Poder Judiciário, como um fiel da balança, no sentido de reduzir as diferenças que são tão decantadas pelos políticos, mas que ao invés de implementarem a redução dessas diferenças quando nem postos de governo, somente fazem com que elas apareçam cada vez mais.

O caso dos presentes embargos se trata de empresa familiar, voltada à comunidade e seus funcionários, que com o excesso de tributos viu-se obrigada a cada dia reduzir suas instalações, estando a beira de falir completamente. Assim estão inúmeras empresas por este Estado. A solução cabe ao próprio Estado-Fisco.

Para dar uma hipótese de solução a esta questão grave de inadimplência tributária, minha tese é de que não se pode deixar de analisar a relação contribuinte/Estado-Fisco como uma relação de consumo, já que o contribuinte está para o Estado, assim como os consumidores estão para os fornecedores. O contribuinte é um consumidor daquilo que o Estado-Administração coloca à disposição para sua utilização. Dessa forma, o Estado-Administração é um FORNECEDOR e o contribuinte é um CONSUMIDOR. Sendo o Estado-Fisco integrante do Estado-Administração, forçosamente o Estado-Fisco é um fornecedor. Assim, entendo estar caracterizada a relação de consumo, devendo incidir o Código de Defesa do Consumidor também nas relações dos contribuintes com o Estado, a fim de garantir a defesa dos interesses dos consumidores, todos eles contribuintes do Estado.

Assim sendo, iniciando com os juros moratórios, eles não devem ser superiores a 1% ao mês, não ultrapassando os 12% ao ano, consoante legislação extravagante.

Com relação à multa, é flagrantemente abusiva e de excessiva onerosidade a sua permanência em 30%, devendo incidir a Lei nº 9298, de 02 AGO 1997, consoante definitiva Decisão do Superior Tribunal de Justiça, devendo ser fixada em 2% sobre o saldo devedor atualizado.

Consoante a alogada capitalização mensal, entendo que ela está sendo praticada pelo Estado, devendo ser exluída, não efetuando-se capitalização de juros, mas sim a incidência de juros simples.

POSTO ISSO, julgo Procedentes os Embargos interpostos pela Sabo Magazine Ltda. para o fim de DECRETAR a nulidade da multa de 30%, fixando-a em 2% sobre o saldo devedor atualizado, fixar juros moratórios de 1% ao mês, não ultrapassando 12% ao ano e excluir a capitalização mensal de juros, fazedo incidir juros simples.

Condeno a embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% incidente sobre o valor da redução do saldo devedor auferido pelo embargante, fulcro na art. 20, § 4º do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado extraia-se cópia de sentença e junte-se ao processo de execução, com o prosseguimento do procedimento executório.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Ijuí, 19 de março de 2001.

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