Justiça libera extradição de seqüestradores de Diniz
30 de dezembro de 1998, 23h00
No que depende do Supremo Tribunal Federal, os estrangeiros que seqüestraram o empresário Abílio Diniz podem ser transferidos para seus países (Argentina e Chile). Essa foi a decisão do ministro Sepúlveda Pertence, ao indeferir o pedido feito pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey.
Embora o STF já tivesse se manifestado este ano contra a possibilidade de se antecipar a vigência de Tratados ainda não promulgados, Pertence não havia participado da sessão. Mas, por 9 votos a favor e nenhum contra, o plenário do Supremo reafirmou que Tratados que ainda não existem na prática, não podem surtir efeitos. Decisões no mesmo sentido foram adotadas em 1997 e em anos anteriores.
A situação, no entanto, ainda não está resolvida. A Vara de Execuções Penais do Estado de São Paulo – a quem cabe a liberação dos presos – ainda pode discordar. Caso isso aconteça, a questão pode voltar ao STF e ser novamente apreciada, por outro ministro ou mesmo pelo plenário – se o processo se arrastar até depois do recesso do Judiciário.
Para o procurador Marrey, extraditar os sequestradores estrangeiros do empresário Abílio Diniz, da forma que o governo propôs é um “ato abusivo e manifestadamente inconstitucional”.
O Mandado contestava a saída encontrada pelo Palácio do Planalto para tentar interromper a greve de fome dos seqüestradores – o que aconteceu nesta quinta-feira. A tese do protocolo antecipado estaria respaldada em livro de autoria do ex-ministro do STF e atual juiz na Corte de Haia, Francisco Rezek.
A ação do procurador é baseada numa decisão tomada pelo próprio STF. Segundo a decisão dos ministros, para que a transferência de estrangeiros aos seus países de origem, é preciso que esteja em vigor um tratado de transferência entre as duas partes, a sua aprovação pelo Congresso e a promulgação pelo Presidente da República.
O procurador-geral alega que a fórmula encontrada pelo governo para permitir que os seqüestradores saiam do país é inconstitucional. Da forma como está sendo feito, trata-se de um acordo unilateral, argumenta Marrey.
Como o STF está em recesso e o ministro Sepúlveda Pertence encontrava-se de plantão coube a ele examinar o pedido de liminar.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.480-3, o relator da matéria, José Celso de Mello afirmou que só depois de superadas todas as etapas previstas na Constituição um Tratado Internacional entra em vigor. Ou seja, é preciso que o Congresso o aprove (para o que tem competência exclusiva prevista no artigo 49 da CF), que o presidente o ratifique, produza o decreto que deve ser publicado, “então, e somente então, (o Tratado passa) a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno” – afirmou em sua decisão o presidente do STF.
Leia o relatório do julgamento da Adin 1.480-DF e os precedentes citados
ADIn 1.480-DF*
Relator: Min. CELSO DE MELLO (Presidente)
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONVENÇÃO Nº 158/OIT – PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA – ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) – POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 – REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) – CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) – CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS – POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO – PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS.
É na Constituição da República – e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro.
O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto.
O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.
SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política.
O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro – não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO.
O Poder Judiciário – fundado na supremacia da Constituição da República – dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência.
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PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO.
Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de
paridade normativa. Precedentes.
No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (“lex posterior derogat priori”) ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.
TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR.
O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de
direito internacional público.
Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil – ou aos quais o Brasil venha a aderir – não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno.
LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato
de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10).
(acórdão ainda não publicado)
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