Caso do Carandiru

Direito ao esquecimento não vale para casos que ainda serão julgados

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2 de setembro de 2017, 6h42

O direito ao esquecimento não pode ser usado indiscriminadamente, ainda mais quando os fatos tramitam na Justiça. Assim entendeu a 3ª Turma Cível do Colégio Recursal de Santana, em São Paulo, ao negar o recurso de um coronel da Polícia Militar que participou da ocupação do presídio do Carandiru logo após o massacre em 1992

Antônio Chiari foi o comandante do 1º Batalhão de Policiamento de Choque da Ronda Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), que entrou na penitenciária após o primeiro grupo de policiais militares que é acusado de matar 111 presos naquela tarde. Ele pediu na ação que as notícias relacionadas a sua atuação no episódio fossem desindexadas pelo Google, que foi representando pelo advogado Fabio Rivelli.

O relator do caso, juiz Caio Salvador Filardi, afirmou em seu voto que o policial militar não pode fazer tal exigência, pois os fatos ainda estão sob análise da Justiça, o que garante o interesse social no caso. “Apesar de tais fatos terem ocorrido há mais de 20 anos, não é possível sustentar que não há mais interesse atual da sociedade e, em consequência, não é possível a aplicação do direito ao esquecimento.”

Outro fator que impede a desindexação, como quis o coronel, é o fato de ele ser funcionário público. O relator explicou que a referência ao nome do autor da ação não pode ser excluída do contexto histórico em questão. “Portanto, também por essa razão não se aplica o direito ao esquecimento.”

Em uma das notícias em que Chiari aparece, ele afirma que não entraria novamente no presídio se o caso se repetisse. “Para evitar um problema na imagem da minha instituição, eu talvez não entrasse", disse o PM à Folha de S.Paulo, em 1997.

"Até hoje sofro restrições, apesar de não ter participado da invasão. As pessoas não confiam em mim, por estar envolvido nesse caso. Sob esse aspecto, a gente não deveria ter entrado", complementou Chiari. Nessa mesma notícia também é destacado que as mortes de civis em supostos confrontos com a Rota dobraram enquanto o coronel esteve à frente do grupamento.

Em outra reportagem, dessa vez do jornal O Estado de S. Paulo, o coronel defende os policiais militares que entraram no presídio afirmando que os agentes “agiram em legítima defesa”. Segundo Chiari, os PMs “estavam cumprindo uma determinação de ingressar no estabelecimento prisional e foram recebidos com violência pelos presos.” “Revidaram na mesma medida”, complementou.

Na sentença, o juiz Rubens Hideo Arai, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível de São Paulo, destaca que o coronel, em momento algum, apresentou ao juízo qualquer pedido de retificação das informações veiculadas na imprensa. “Não se trata sequer de análise do direito de se manter uma notícia falsa na internet ou incompleta como a falta de menção de absolvição ou cumprimento de pena do condenado, nem mesmo daqueles casos em que uma pessoa foi condenada a pagar indenização por danos morais para outra e já pagou.”

O magistrado destacou ainda que a questão é controversa por não haver decisão reconhecendo o erro ou falsidade da informação. “Será que qualquer fato retratado no passado deve ser limado do banco de dados de um site no futuro com o argumento de que o envolvido tem direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem? E não apenas isso, por que banir apenas da internet? Não seria o caso de atear fogo em todos os exemplares físicos que retratam a mesma matéria?”

Mesmo argumento, pedido diferente
O fato de o caso do Carandiru ainda estar sendo analisado pela Justiça já foi usado como argumento em outra ação, que tratava de indenização aos filhos de um dos presos mortos no massacre ocorrido em 1992. Para a juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira, a confirmação de um caso analisado pela Justiça só ocorrerá após o trânsito em julgado.

Nesse caso, a autora da ação pediu pagamento de R$ 176,8 mil à Fazenda Pública de São Paulo depois que a 4ª Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru. A autora baseou seu pedido no relatório do desembargador Ivan Sartori, para quem “não houve massacre, houve legítima defesa”.

Para autora da ação, essa afirmação maculou a memória de seu pai e de sua família. Ela citou ainda que a fala do desembargador foi transmitida na televisão, o que teria potencializado a alegada ofensa. Ela também pediu publicação na imprensa de pedido de desculpas e reafirmação da responsabilidade do estado pelas mortes dos presos. Todos os pedidos foram negados.

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