Sem abstrações

Exame criminológico deve ser justificado com base no caso concreto

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18 de janeiro de 2017, 14h47

A gravidade abstrata do crime e a extensão da pena a cumprir não são argumentos válidos para que se condicione a progressão do regime penal à execução de exame criminológico. Para que esse procedimento seja feito, é preciso que sua requisição seja justificada com base no caso concreto.

Com esse entendimento, consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a presidente desta corte, Laurita Vaz, concedeu liminar para determinar que um juiz de São Paulo profira nova decisão relativa à progressão de regime de um preso, “de modo a examinar, com motivação concreta, a necessidade ou não de realização de exame criminológico”.

Em sua decisão, a ministra lembrou que a jurisprudência do STJ considera que, embora a lei não mais exija exame criminológico, cabe ao magistrado verificar o atendimento dos requisitos subjetivos à luz do caso concreto, podendo determinar ou não a perícia se entender necessário, desde que a decisão seja fundamentada.

No caso analisado, o preso foi condenado por sentença ainda não transitada em julgado à pena de 12 anos e 11 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelos crimes de roubo e resistência.

Gravidade abstrata
O pedido de progressão de regime feito pela defesa foi indeferido pelo juiz de primeira instância, que considerou necessária a execução prévia de exame criminológico. A defesa sustentou que a motivação do julgador ao indeferir o pedido de progressão é inidônea, “porquanto baseada apenas na gravidade abstrata dos delitos praticados pelo paciente e na longa pena a cumprir”.

Laurita Vaz explicou que o benefício da progressão de regime somente será concedido ao condenado que preencher, cumulativamente, os requisitos objetivo e subjetivo, conforme o artigo 112 da Lei de Execução Penal.

Quanto ao exame criminológico, que foi exigido pelo juízo, ela mencionou a Súmula 439 do STJ, segundo a qual “admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.

Elementos concretos
A ministra observou que o juiz não apontou elementos concretos, ocorridos durante a prisão, que mostrassem o demérito do paciente e que, embora tenha afirmado a gravidade dos crimes praticados, não apresentou fundamentos razoáveis. Além disso, segundo Laurita, ao examinar o pedido de liminar em Habeas Corpus anterior, o Tribunal de Justiça de São Paulo se restringiu a afirmar que a decisão do juiz foi bem fundamentada.

Apesar da ilegalidade manifesta, a ministra considerou que o pedido não poderia ser deferido da maneira como formulado, “haja vista que o exame do requisito subjetivo, além de não ter sido validamente realizado pelas instâncias ordinárias, desborda dos limites cognitivos da ação constitucional de Habeas Corpus”.

Diante disso, a ministra deferiu em parte o pedido liminar, para determinar que o juízo monocrático examine a eventual necessidade da perícia, mas de forma concretamente motivada.

Causa de superlotação
Segundo o defensor público do Rio de Janeiro Marlon Barcellos, o entendimento da Vara de Execução Penal do estado de exigir exame criminológico para progressão de regime ou obtenção de outros benefícios para os condenados por 63% dos delitos existentes no país torna ainda mais lenta a tramitação dos processos dos detentos.

Com essa exigência, cada preso só pode ser liberado ou transferido para outro regime se um psicólogo, um psiquiatra e um assistente social afirmarem que ele não tem boas chances de voltar a cometer crimes. No entanto, esse é um exame complexo e que demora ainda mais para ser feito pelo quadro reduzido de desses profissionais. Conforme informa o defensor, há 10 psiquiatras e 70 assistentes sociais para atender 51.113 presidiários.

Isso contribuiu para o fato de que, em janeiro de 2016, pelo menos 1.906 pessoas estavam presas ilegalmente no estado do Rio de Janeiro, pois tinham o direito de progredir de regime, obter livramento condicional ou indulto, cumprir a pena em casa ou de outra forma, conforme levantamento da Defensoria Pública fluminense. De acordo com Barcellos, esse número não variou de maneira significativa durante o ano e deve permanecer no mesmo patamar. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

HC 384.725

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