Habeas Corpus

Velocidade de carro em acidente não
pode fundamentar prisão preventiva

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21 de abril de 2017, 16h16

Dirigir em alta velocidade não é motivo para fundamentar prisão preventiva em nome da ordem público. Este foi um dos fundamentos do desembargador Alberto Anderson Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao conceder Habeas Corpus para revogar a prisão preventiva de um universitário. O rapaz havia se envolvido em um acidente em Santos que resultou na morte de uma pessoa em julho de 2016. As informações são do jornal A Tribuna.

A ordem de prisão preventiva contra o estudante Allan Bonfim Silveiro foi emitida de ofício pelo juiz Edmundo Lellis Filho, da Vara do Júri de Santos. No Habeas Corpus, os advogados Eugênio Malavasi e Patrick Raasch Cardoso argumentaram que o estudante sofria “constrangimento ilegal” com a prisão.

No plantão do TJ-SP, o desembargador reconheceu que os fundamentos da prisão preventiva (garantia da ordem pública e da instrução criminal) não estavam presentes no caso. “A alegação de que ele (Allan) desenvolvia alta velocidade com o veículo não é motivo suficiente para que se possa afirmar que, apenas preso o paciente (réu), a ordem pública ficará garantida”, observou.

O desembargador também não viu risco ao regular andamento do processo, porque Allan compareceu à delegacia para ser interrogado e indiciado, além de possuir residência fixa em Santos e em Curitiba, onde cursa faculdade. Aliás, por esse motivo, o réu foi “facilmente localizado” um dia após a decretação da sua prisão, conforme observou o desembargador.

Ressalvas
Segundo a decisão, o universitário é primário e não representaria perigo para a sociedade. Entretanto, o desembargador determinou a entrega de sua carteira de habilitação e

suspendeu o direito de dirigir até o fim do processo. Allan ainda deverá comparecer a todos os atos processuais para os quais for intimado e justificar as suas atividades à Justiça a cada dois meses.

O jovem também não poderá frequentar bares, casas noturnas e outros estabelecimentos do gênero, devendo estar em casa após as 21 horas e nos fins de semana, exceto nos dias em que estiver cursando faculdade. O descumprimento das condições impostas acarretará a decretação da prisão do rapaz.

Histórico
O acidente aconteceu em julho de 2016 e deixou uma pessoa morta. Após sair de uma festa com dois amigos, o motorista perdeu o controle e atingiu um poste e dois carros. Um dos acompanhantes perdeu o braço no acidente e morreu. Allan Silveiro se apresentou a polícia cinco dias depois. Ele negou ter ingerido álcool e que dirigia a cerca de 70 km/h — o jovem atribuiu o acidente a um desnível na pista.

Na ocasião, a defesa do motorista alegou que o rapaz não teria fugido ou cometido omissão de socorro, justificando a retirada do jovem do local do acidente ao fato dele ter ficado “assustado”. O braço, segundo a defesa, foi pego por Allan e colocado em um balde de gelo na tentativa de possibilitar eventual reimplante.

O promotor Daniel Martori ofereceu denúncia contra Allan por homicídio doloso, mas não requereu a sua prisão. Ele seguiu a mesma interpretação jurídica da delegada Lilian Rodrigues Abdalla, responsável pelo inquérito policial, que também não viu a necessidade de se prender cautelarmente o acusado.

Apesar disso, ao receber a denúncia, o juiz Lellis Filho decretou a preventiva de ofício. De acordo com o magistrado, “a devastação física e material causada pela ocorrência corriqueira de tais delitos impactam a sociedade negativamente, acentuando as sempre decantadas impunidade e deficiência dos mecanismos persecutórios do Estado”.

O juiz também frisou que, conforme laudo pericial, “o automóvel imprimia velocidade própria para a decolagem de uma aeronave (133,9 km/k), tanto é que, efetivamente, decolou, mas, não sendo dotado de aerofólios aerodinâmicos próprios, descontrolou-se a máquina e houve a colisão”.

A ordem de prisão foi cumprida por policiais civis de Curitiba, onde Allan estuda Economia. Ele foi detido quando entrava na sala de aula. Ele demonstrou surpresa e indignação por ser detido na frente de colegas e professores. Apesar de ter domicílio em Santos, ele foi localizado por meio de perfil em uma rede social.

No Habeas Corpus, o advogado Eugênio Malavasi disse que a gravidade do acidente, por si só, não justifica a prisão preventiva do acusado, devendo ela ser considerada apenas na hipótese de eventual condenação, no momento da fixação da pena. Segundo o advogado, o estudante não criou qualquer embaraço à apuração do caso, fazendo jus a responder ao processo solto.

Motivos rejeitados
Não é a primeira vez que as alegações do juiz Edmundo Lellis Filho em suas decisões são rejeitadas no TJ-SP. Em fevereiro, a 14ª Câmara Criminal trancou um inquérito instaurado pelo magistrado contra uma mulher porque ele a considerou o “motivo” de um crime por ciúmes.

A mulher era testemunha e teve a prisão decretada. Ela não negou que mantinha um relacionamento com a vítima (seu namorado) e o autor do assassinato (seu ex-companheiro) — o homem foi condenado a 18 anos de reclusão. Para o juiz, as revelações da mulher “causaram séria perturbação, trazendo reforço à sensação pública de que se vive em uma sociedade impune e, eticamente, apodrecida em seus valores morais”.

Além de ordenar a instauração do inquérito, Lellis decretou, sem a ciência do MP, a prisão preventiva da mulher. A ordem de captura foi cumprida em 26 de outubro de 2016 e a mulher foi solta seis dias depois, por determinação do próprio juiz. Isso porque o promotor Cássio Serra Sartori não ofereceu denúncia contra a testemunha. Sem vislumbrar qualquer indício contra ela, o promotor classificou a prisão de “arbitrária e abusiva”.

Em outro caso, a 15ª Câmara Criminal suspendeu apuração aberta pelo juiz contra seis policiais suspeitos de homicídio, mesmo após o Ministério Público ter se manifestado pelo arquivamento devido à ausência de indícios mínimos de autoria. Em 2016, Lellis Filho identificou lacunas na apuração da morte de um adolescente de 17 anos, ocorrida em 2014.

Na ocasião, o juiz determinou a reconstituição do caso e, para que isso ocorresse sem qualquer interferência, mandou prender os seis PMs em caráter temporário, sem a prévia ciência do MP. Os policiais foram soltos em seguida e seus advogados reclamaram de cerceamento de defesa.

Por não concordar com as razões de arquivamento da promotoria, o juiz remeteu o procedimento à Procuradoria-Geral de Justiça, que confirmou o parecer do promotor. Mesmo assim, Lellis Filho não arquivou a apuração contra os PMs, o que só foi revertido no TJ-SP.

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