Provas ilícitas

Receita não pode quebrar sigilo de terceiro sem autorização específica

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26 de outubro de 2016, 10h26

Por atingir um direito fundamental, a autorização judicial para a quebra de sigilo bancário deve individualizar a pessoa cujo sigilo será levantado. Esse foi o entendimento aplicado pela 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP) ao considerar ilícita uma quebra de sigilo administrativa feita pela Receita Federal, sem autorização, para apurar crime tributário.

No caso, a Receita conseguiu autorização para quebrar o sigilo financeiro de um homem investigado pela sonegação fiscal. Contudo, durante o processo, o Fisco quebrou também o sigilo bancário de um terceiro, que também estaria cometendo o crime. Com base nos dados coletados, este último acabou sendo condenado em primeira instância.

Representado pelo advogado Átila Machado, do MCP Advogados, o homem condenado recorreu da sentença alegando, entre outras coisas, a ilicitude das provas obtidas pela Receita Federal, uma vez que não houve autorização judicial para a quebra de sigilo bancário.

Ao julgar o recurso, a 11ª Turma do TRF-3 reverteu a condenação. Em seu voto, a desembargadora relatora, Cecilia Mello, explicou que o fato de a Receita ter autorização para a quebra do sigilo bancário de um investigado, a partir da qual se identificou transferência de recursos para outra pessoa, não dispensa autorização judicial específica para que este último também tenha seu sigilo levantado.

"É vedado à autoridade administrativa ampliar a quebra do sigilo para atingir pessoas não indicadas no comando judicial. Identificando a autoridade a necessidade de levantamento do sigilo de terceiros não indicados expressamente da decisão judicial autorizatória do levantamento do sigilo, cabe a ela requerer nova autorização judicial específica para tanto, não podendo, sem esta, proceder à quebra", explica Cecilia Mello.

Entendimento divergente
Em seu voto, a relatora observa que seu entendimento vai contra posicionamento das cortes superiores sobre a legitimidade da quebra do sigilo bancário requisitado diretamente pelo Fisco, sem prévia autorização judicial para fins de constituição de crédito tributário. "Filio-me à posição de que tal ato enseja flagrante constrangimento ilegal", afirma.

Na visão da desembargadora, a quebra do sigilo bancário para investigação criminal deve ser necessariamente submetida à avaliação do juiz competente, a quem cabe motivar concretamente sua decisão, nos termos dos artigos 5º, inciso XII e 93, inciso IX, da Constituição Federal. "Deixo claro, aqui, que não estou afastando de forma irrestrita a possibilidade de quebra do sigilo financeiro, mas sim, afirmando a ilegalidade do uso de informações obtidas mediante quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial, a fim de viabilizar o acesso a dados pessoais e sigilosos, com vistas a identificar ilícito de supressão ou redução de tributo".

Quanto ao julgamento do Supremo Tribunal Federal que, por 9 votos a 2, decidiu ser constitucional a Lei complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária quebrar o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial, a relatora declara que esta decisão ainda não tem efeito vinculante, uma vez que o acórdão ainda não foi publicado.

"Sendo assim, além de tal decisão ainda não ter transitado em julgado – conditio sine qua non para que ela produza efeito vinculante (artigo 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99) -, não há como avaliar se a Egrégia Corte dispensou a exigência de prévia autorização judicial para a quebra de sigilo para fins penais ou apenas para fins tributários, nem se tem notícia se tal entendimento aplicar-se-á de forma retroativa ou se os seus efeitos serão, em atenção ao princípio da segurança jurídica, modulados", concluiu a relatora, sendo seguida por todos os demais integrantes da 11ª Turma do TRF-3.

Clique aqui para ler o acórdão.

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