Novo CPC

Teses judiciais podem prejudicar política regulatória, dizem agências

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21 de junho de 2016, 20h20

Representantes de agências reguladoras estão preocupados com o impacto do julgamento de incidentes de resolução de demandas repetitivas, instrumento previsto no novo Código de Processo Civil, na política regulatória. Avaliam que as teses formuladas pelo Judiciário podem enfraquecer o trabalho técnico e normativo dos órgãos, além de gerar insegurança jurídica para os investidores e prejudicar os consumidores.

O incidente foi incorporado ao novo CPC para uniformizar a solução de questões reiteradas, promovendo isonomia, segurança jurídica e economia processual a demandas em que se discutem a mesma questão de direito. Funciona como um mecanismo de formação de precedentes vinculantes. O julgamento do incidente caberá ao órgão do tribunal em que chegar a demanda indicado pelo regimento interno como responsável pela uniformização de jurisprudência.

O que está deixando as agências receosas é o artigo 985 do CPC. Segundo o dispositivo, se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será informado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação da tese pelas empresas sujeitas a regulação.

A diretora de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Simone Sanches Freire, defende que as agências sejam procuradas antes para poder dar elementos técnicos aos magistrados no julgamento desses casos. O engenheiro Igor Vilas Boas de Freitas, conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações, também defende o diálogo prévio entre o Judiciário e as agências para resolução das demandas repetitivas. Eles participaram de um evento nesta segunda-feira (20/6) que debateu, no Tribunal de Contas da União, em Brasília, contencioso de massa e a regulação dos serviços públicos.

Na avaliação da diretora da ANS, o Judiciário tende a dar uma interpretação “expansionista” aos direitos dos indivíduos quando a questão é saúde, não levando em conta fatores como custo e efetividade. “Esses são critérios observados pelas agências reguladoras na formulação de suas políticas. Decisões que contrariem essas premissas enfraquecem as normas da ANS e geram insegurança no mercado.” Segundo ela, a ANS já está ciente de que a questão do reajuste do preço do plano de saúde por faixa etária poderá em algum momento virar um incidente de resolução de demandas repetitivas. Simone defende o uso da mediação para resolver os litígios antes que cheguem à Justiça.

Durante o evento, o conselheiro da Anatel deu exemplos de como decisões do Judiciário podem prejudicar os consumidores e interferir na dinâmica do setor regulado. A Anatel, segundo ele, já foi informada de que ações que tratam sobre repetição de indébito podem virar um incidente. Ele explica que a regulamentação da agência hoje em caso de cobrança indevida por serviço não consumido ou contratado prevê a restituição do valor em dobro. “Vamos supor que o Judiciário decida que a devolução deva ser simples, não em dobro. Não é uma decisão mais benéfica para o consumidor”, disse.

Em outro caso, lembra Freitas, associações representativas das empresas de telefonia ajuizaram ações na Justiça questionando obrigações impostas por um regulamento geral da Anatel de direitos do consumidor. Segundo ele, dois juízes federais se debruçaram sobre a demanda. Um indeferiu o pedido das entidades, mas o outro acatou o pleito e determinou a suspensão de artigos do regulamento. Para o conselheiro, houve nesse caso “ingerência” do Judiciário porque a decisão tratou de questões regulatórias e técnicas, que envolviam a aplicação de sanção por descumprimento de obrigações na prestação do serviço. “O Judiciário sensibiliza a estratégia regulatória que esperamos gerar como efeito quando dá decisões conflitantes ou retira a validade e efetividade de certas obrigações”, disse. 

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