Maioria no STF

Tributaristas criticam autorização de quebra de sigilo bancário pelo Fisco

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19 de fevereiro de 2016, 9h55

Embora ainda não tenha acabado a discussão no Supremo Tribunal Federal sobre o poder de a administração tributária quebrar sigilo bancário dos contribuintes sem autorização judicial, a maioria já se formou em favor da tese fazendária — para desgosto de tributaristas ouvidos pela reportagem da revista Consultor Jurídico. A primeira parte do julgamento aconteceu nesta quinta-feira (18/2) e a conclusão ficou para o dia 24 de fevereiro.

Já foram proferidos sete votos: seis a favor da quebra de sigilo e apenas o ministro Marco Aurélio contra. Vem ganhando a tese de que o fisco não quebra sigilo bancário, porque a administração tributária tem obrigação de sigilo fiscal. Trata-se, portanto, de uma transferência de informações sigilosas entre dois órgãos que têm a mesma obrigação de sigilo. Nesse sentido votaram os ministros Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Teori Zavascki.

O tributarista Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da USP, considerou a decisão “uma lástima”. “O Supremo dobrou-se ao consequencialismo”, disse, em relação aos argumentos de alguns ministros quanto à importância, para a “concretização da equidade tributária”, já que o acesso a dados bancários garantiria maior correção na cobrança de tributos.

Scaff aponta que o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal garante o sigilo de dados, exceto, no último caso, por ordem judicial. “Trata-se de reserva de jurisdição”, ressalta o professor. “O sigilo pode ser quebrado, desde que haja decisão do Poder Judiciário nesse sentido, e apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

Já o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, a norma que estava em discussão nesta quinta, autoriza o Fisco a ter acesso aos dados bancários de contribuintes quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. “Ou seja, nitidamente inconstitucional”, conclui Scaff.

“Parece-me que o Supremo, em vez de se colocar como ‘guardião da Constituição’, está se tornando o dono dela, o que é um erro crasso. Pode-se gostar ou não do texto constitucional, mas não se pode ignorá-lo — e parece que foi isso o que o STF fez: em vez de resguardar a Constituição, tratou de reescrevê-la”, comentou.

Conformidade
Outro argumento levantado pelos ministros é que a lei só autoriza a quebra de sigilo quando houver processo administrativo instaurado. Portanto, o contribuinte seria previamente intimado de que suas contas bancárias estão sendo devassadas.

Mas o advogado Luiz Gustavo Bichara, procurador tributário do Conselho Federal da OAB, duvida da aplicação desse entendimento. Ele aponta a existência da Instrução Normativa 1.571/2015, da Receita Federa, que obriga os bancos a informar todas as transações financeiras acima de R$ 2 mil feitas por pessoas físicas e de mais de R$ 6 mil feitas por pessoas jurídicas.

Essa instrução criou o chamado e-financeiro, um sistema para envio de informações sobre operações financeiras de interesse da Receita Federal. “A instrução instituiu um sistema permanente de quebra de sigilo, sem qualquer procedimento prévio. Não vejo, pois, como a e-financeira possa conviver com a decisão do Supremo”, completa Bichara.

O advogado Dalton Miranda, consultor tributário do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, prefere se conformar. “Resta-nos respeitar a palavra final do Supremo guardando um fio de esperança para que, quiçá um dia tais posicionamentos venham a ser revistos e reformados.” 

Rigor judicial
Os ministros ainda disseram que a quebra de sigilo pode ser feita pelo fisco porque a Lei Complementar 105 prevê sanções administrativas para quem vazar essas informações. No entanto, para o advogado Thiago Sarraf, do Nelson Wilians Advogados, a competência do Poder Judiciário não pode ser esvaziada por existirem sanções previstas ao servidor da administração pública.

"O servidor e o próprio órgão de fiscalização, sem a imprescindível decisão judicial, não estão sequer autorizados a conhecê-las, uma vez que o cidadão confia seus dados tão somente às instituições financeiras, não sendo crível que lhe seja oposto um alegado “compartilhamento de informações” ao ente público", afirma Sarraf.

Em nota, o presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, disse que a Constituição reserva ao Judiciário a competência para quebrar sigilo. "A Receita Federal e os entes federados não podem tomar para si essa função, sob o risco de banalização desse instrumento e de ofensas aos direitos dos cidadãos e das pessoas jurídicas."

"A falta do rigor judicial implica ainda no risco de as informações serem difundidas e mal utilizadas. Para atingir a finalidade de punir uma minoria, não se pode restringir, de antemão, os direitos da maioria", disse Lamachia.

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