Processo Familiar

Fim de casamento ou união estável abre debate sobre compensação econômica

Autor

  • Paulo Lôbo

    é advogado doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) professor emérito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e ex-conselheiro do CNJ.

12 de julho de 2015, 8h02

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Quando o casamento ou a união estável chega ao fim, afloram os conflitos patrimoniais. A depender do regime de bens, a sensação de perda de cada um é acrescida do impulso de manter as condições materiais que o casal desfrutava. Essa é uma equação difícil de ser resolvida, ante a inevitabilidade da partilha do patrimônio total.

Em algumas circunstâncias, a percepção de empobrecimento de um dos cônjuges ou companheiros pode ser atenuada se houver razoável compensação econômica que o contemple.

Além do regime de bens adotado, podem ser considerados o longo afastamento temporal do mercado de trabalho ou de atividades profissionais, que aprofundarão os desníveis de vida, e a contribuição, ainda que indireta, para incremento patrimonial do outro (exemplos: participação financeira para aquisição de imóvel, em nome de um dos noivos, antes do casamento sob regime de comunhão parcial, uma vez que esse bem permanecerá particular do adquirente; ou ajuda ou participação na administração de empresa do outro, durante o casamento ou a união estável).

A doutrina jurídica brasileira foi buscar a solução para esse delicado problema na expansão do dever de alimentos. Surgiram, então, os denominados “alimentos compensatórios”, com forte repercussão na jurisprudência dos tribunais.

Essa denominação e esse enquadramento conceitual (alimentos) não são apropriados. A pretensão compensatória tem finalidades distintas da pretensão a alimentos. Por essa razão, o Código Civil francês, com a redação dada por lei de 2010 ao art. 271, optou pela denominação “prestação compensatória”, enquanto que o Código Civil argentino de 2014 (art. 524) utiliza “compensação econômica”, que ganha preferência no direito contemporâneo.

Os alimentos, quando são devidos, destinam-se às efetivas necessidades do credor “para viver de modo compatível com sua condição” e para sua educação, de acordo com as possibilidades do devedor, segundo a regra geral do art. 1694 do Código Civil.

O Código Civil incluiu o cônjuge ou o companheiro como possível credor do outro por alimentos, quando houver dissolução do casamento ou da união estável, diferentemente da legislação anterior. Porém, os tribunais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, passaram a fixar tempo determinado (tantos anos, por exemplo), para o cônjuge ou companheiros credores, quando estes estejam ainda em idade e saúde que lhes permitam reinserção no mercado de trabalho.

De diferente natureza é a compensação econômica de que se cogita. Sua finalidade não é satisfazer as necessidades de vida e educação do cônjuge ou companheiro que a pretende, mas a compensação equitativa dos ganhos e perdas vivenciados durante a união familiar. Sua natureza é indenizatória, ao contrário dos alimentos.

Os fundamentos da compensação econômica são outros. De um lado, é a vedação do enriquecimento sem causa, cujas regras gerais aplicam-se, igualmente, às relações de família. O enriquecimento sem causa é o que se dá sem origem jurídica, em prejuízo de outrem. O que separa o enriquecimento juridicamente permitido (fundado em fato jurídico lícito) do enriquecimento sem causa é a licitude. A causa é condição de licitude do enriquecimento. A falta de causa lícita para o enriquecimento, no direito brasileiro, pode ocorrer já na constituição do ato ou fato ou após estes. O art. 885 do Código Civil explicita que a restituição é também devida se a causa “deixou de existir”.

De acordo com o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa, o empobrecido só poderá recorrer à ação de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir seus prejuízos Por exemplo, no que concerne à participação financeira para reforma substancial de imóvel particular do outro, após o casamento sob regime de comunhão parcial, a lei oferece solução: entra na comunhão (art. 1.660, IV, do Código Civil).

Outro fundamento da compensação econômica é o desequilíbrio manifesto, que signifique piora significativa da situação econômica de um dos cônjuges ou companheiros e equivalente vantagem para o outro, com causa adequada na dissolução da união familiar.

O Projeto de Lei do Senado 470/2013, que institui o “Estatuto das Famílias”, presume o enriquecimento sem causa, pois seu art. 120 estabelece que os cônjuges ou companheiros têm direito a adicionalmente pedir, a título indenizatório, compensação econômica (essa é a denominação corretamente adotada), em razão de comprovado decréscimo de sua condição socioeconômica, provocada pela separação de fato ou pela dissolução do casamento ou união estável.

Não é qualquer decréscimo da condição socioeconômica que legitima a pretensão à compensação econômica. Há de se comprovar que houve, em contrapartida, acréscimo equivalente da condição socioeconômica do outro.

O PLS 470/2013 exige que, na fixação do valor será levado em conta, dentre outros aspectos relevantes que emergirem dos fatos, o desequilíbrio significativo no padrão econômico, a frustração das legítimas expectativas, as condições e a duração da comunhão de vida, a garantia de um mínimo existencial compatível com a dignidade da pessoa.

O valor correspondente à compensação econômica pode consistir em única prestação ou prestações temporárias ou permanentes. As prestações, que resultarem do acordo ou da decisão judicial, não se confundem com os alimentos, mas sim da dilação do valor da compensação econômica ao longo do tempo. Na legislação francesa não pode ultrapassar oito anos; na Argentina, não pode ser superior à duração da união convivencial.

Quando a compensação econômica consistir em única prestação pode ser cumprida em dinheiro ou bem patrimonial móvel ou imóvel. Ou ainda de instituição de direitos reais temporários (direito de superfície, uso, habitação, usufruto, concessão de uso especial para fins de moradia ou cessão de direito real de uso) em favor do cônjuge ou companheiro. 

Autores

  • Brave

    é advogado, doutor em Direito Civil pela USP, professor emérito da UFAL e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Foi conselheiro do CNJ.

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